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Como a conjuntura do País afeta o ambiente público e o empresarial

Construção Colaborativa de um Padrão para a Geração de Dados Abertos em Compras e Contratações Públicas a partir dos Municípios

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Por Redação
Atualização:
Imagem: arquivo pessoal.  

Paula Chies Schommer, Professora de Administração Pública e líder do grupo de pesquisa Politeia, na Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc). Doutora em administração de empresas pela Fundação Getúlio Vargas (FGV)

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Fabiano Maury Raupp, Professor titular da Udesc. Membro do grupo de pesquisa Politeia e do Observatório de Finanças Públicas (OFiP). Doutor em administração pela Universidade Federal da Bahia (UFBA)

Victoria Moura de Araújo, Graduada em Administração Pública pela Udesc. Bolsista do Programa Integrado de Inovação do Controle - PIIC na Controladoria Geral do Estado (CGE/SC). Membro da organização Act4Delivery

 José Francisco Salm Jr., Professor de Administrac?a?o Pu?blica do Centro de Cie?ncias da Administrac?a?o e Socioecono?micas (Esag Udesc). Criou a Comunidade que auxiliou o CNPq na abertura da Plataforma Lattes. Membro do Grupo Consultivo Técnico de Evidências e Inteligência para Ação em Saúde das Américas na OPAS em Washington, DC

Em um texto anterior publicado neste Blog, discutimos que a abertura de dados públicos pode priorizar um enfoque i) tecnocrático - tecnologias, normas, padrões, conhecimentos e profissionais especializados, ii) político - incentivos políticos e relações entre diversos atores, ou iii) tecnopolítico, combinando essas duas dimensões para criar, sustentar e evoluir padrões de dados em formato aberto viáveis e úteis a diversos públicos. A construção de um padrão para a geração de dados abertos é também um processo ontológico, que pode ser construído de modo colaborativo.

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Em 2021, buscando responder a demandas sociais, legais e burocráticas de transparência e integridade, e aprimorar o desempenho das compras e contratações públicas, gestores do município catarinense de Blumenau firmaram parceria com a Universidade do Estado de Santa Catarina, Udesc, por meio do Grupo de Pesquisa Politeia, envolvendo também a Secretaria de Administração do Estado de Santa Catarina e a organização da sociedade civil Act4Delivery. O projeto foi financiado por meio de edital para pesquisa aplicada da  Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina e da Udesc. Neste texto, contamos um pouco do que aconteceu desde então, algumas lições aprendidas e as perspectivas para o que virá na sequência. Em destaque, a construção colaborativa de um padrão para a geração de dados relativos aos processos de compras e contratações públicas.

Partiu-se de um problema concreto vivenciado em um município. Pessoas de diversas organizações e segmentos foram envolvidas, formando  uma comunidade de padronização e uma rede de atores com perspectivas e conhecimentos diversos em relação ao problema e sua solução. Juntos, desenvolveram uma proposta de padrão e um protótipo testado em um  município piloto, com potencial para interoperabilidade e escalabilidade para outros municípios e órgãos públicos. Uma vez que se torne um padrão utilizado por vários entes, a comparação e outras análises que se pode fazer dos dados ajudará a melhorar a gestão das compras e contratações públicas.

Sabe-se que no Brasil iniciativas relativas à transparência e à interação entre governo e cidadãos com foco em dados abertos vem sendo conduzidas. A Operação Serenata do Amor, por exemplo, analisou dados publicados em formato aberto pelo Congresso Nacional sobre despesas com diárias. Entre os estados, podemos citar o Espírito Santo,  que vem se destacando em rankings de transparência e divulga conjuntos de dados em formato aberto. Em relação aos municípios, ressaltamos o projeto Querido Diário, que promove a abertura de dados de diários oficiais. No que diz respeito à legislação, embora regramentos como a Lei de Acesso à Informação, LAI, indiquem a disponibilização de dados legíveis por máquina, não há definição sobre a forma de cumprir determinados requisitos. Os municípios muitas vezes esperam pelo governo federal ou por órgãos de controle para que indiquem o padrão a seguir.

Na história que aqui contamos, decidiu-se experimentar construindo uma proposta de "baixo para cima", ou melhor, de modo horizontal. Um dos primeiros passos foi pesquisar o que já existia na interface entre dados abertos e compras públicas e dialogar com pessoas de distintos segmentos, que poderiam ajudar a compreender o problema e os caminhos para lidar com ele.

Etapas do trabalho 

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A construção da proposta de padrão contemplou o desenvolvimento de uma plataforma lógica, baseada em legislação e práticas administrativas e contábeis, articulando conhecimentos de: i) gestores e técnicos envolvidos com processos de compras e contratações e tecnologia da informação em quatro Prefeituras; ii) pesquisadores acadêmicos com experiência nas áreas envolvidas; iii) parceiros do governo estadual  (das áreas de gestão de licitações e contratos e controladoria, em articulação com a iniciativa da Parceria pelo Governo Aberto, OGP Local), e órgãos de controle da administração pública, como Ministério Público, Tribunal de Contas e Ministério Público de Contas, organizações da sociedade civil local e internacional; iv) potenciais usuários dos dados abertos, de diferentes perfis, entre eles: integrantes de organizações da sociedade civil, pesquisadores e cidadãos usuários de serviços públicos. Para tanto, foram percorridas as seguintes fases/etapas:

Fase 1 - Mapeamento e análise de alternativas existentes para abertura de dados em compras e contratações públicas e revisão bibliográfica de ontologia;

Fase 2 - Identificação e contato com atores interessados em integrar comunidade e rede de padronização;

Fase 3 - Constituição da comunidade, definição de princípios e regras para o trabalho colaborativo;

Fase 4 - Construção compartilhada em comunidade  da proposta de padrão de dados abertos, envolvendo especialistas de órgãos de controle, organizações da sociedade civil e usuários dos dados;

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Fase 5 - Desenvolvimento do protótipo de padrão de dados abertos;

Fase 6 - Teste piloto na Prefeitura e ajustes ao protótipo; e

Fase 7 - Sistematização dos resultados compartilhados com parceiros e preparação para difusão do padrão para outros municípios e institucionalização da Rede de Padronização.

Em paralelo a essas etapas, foi constituído um grupo de apoiadores para discutir estratégias para a difusão do padrão para outros municípios e a sustentabilidade da Rede. Além do padrão em si, houve outros dois produtos: o desenvolvimento e sistematização da metodologia de coprodução em resposta a um problema público e o projeto de constituição da Rede Catarinense de Dados Abertos.

Governança do projeto e da Rede de Padronização

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A Rede de Padronização foi concebida no curso do projeto, com a representação do poder executivo de municípios, governo do estado e governo federal, academia, organizações da sociedade civil, órgãos de controle externo e organismos internacionais. Para organização dos trabalhos, a governança foi estruturada em três grupos principais: coordenadores, conselheiros e apoiadores.

Os coordenadores foram responsáveis por organizar e garantir o andamento dos fluxos de atividades definidas em conjunto, além de articular o trabalho dos conselheiros com a contribuição dos apoiadores e promover o desenvolvimento da Rede.

Os conselheiros, indicados por organizações integrantes da Rede, constituíram a Comunidade de padronização. Com seus conhecimentos complementares em dados abertos e compras e contratações públicas, os conselheiros foram responsáveis por participar e executar os procedimentos de definição do padrão. 

Os apoiadores discutiram a missão e estratégias para a sustentabilidade da Rede e para a difusão e uso do padrão. Os apoiadores foram também consultados durante os fluxos de trabalho da coordenação do projeto.

A construção colaborativa do padrão para geração de dados abertos em compras e contratações públicas

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Quanto aos procedimentos, a definição do padrão iniciou com a discussão e o alinhamento semântico a respeito dos vocabulários pertencentes aos processos de compras e contratações públicas, tendo como referência os vocabulários das ontologias Public Procurement Ontology (PPROC) e Open Contracting Data Standard (OCDS) e do Sistema de Fiscalização Integrada de Gestão (e-Sfinge). O objetivo era propor uma ontologia própria, que fizesse sentido para a realidade dos municípios, incluindo seus diversos perfis.

O processo de criação dessa ontologia foi composto por um ciclo de discussões realizadas pelos conselheiros a partir de uma planilha criada pela coordenação, contendo os atributos das classes de dados definidas em conjunto, a partir desses três padrões de referência.

O OCDS é o padrão elaborado pela Open Contracting Partnership (OCP). As entidades e atributos do OCDS foram usados para a construção da planilha, de acordo com sua proximidade com a realidade brasileira e excluindo atributos internos relativos a identificadores. Em segundo lugar, foram utilizadas as tabelas do e-Sfinge. O e-Sfinge é um sistema do Tribunal de Contas estadual, por meio do qual os gestores públicos fornecem informações relativas à gestão dos municípios e do estado. Dado que o preenchimento do e-Sfinge é obrigatório, seus campos também foram usados de forma prioritária para que o padrão estabelecido não gerasse retrabalho para os agentes públicos. Além disso, foram usados alguns atributos e definições do PPROC.

Foram priorizadas três classes de dados, comuns em processos de compras e contratações públicas, para criação do protótipo, sendo elas: Edital, Adjudicação e Contrato.

O fluxo de atividades foi composto por cinco etapas principais, são elas: 1) definição conjunta da classe de dados em reunião com todos os membros; 2) levantamento dos atributos da classe de dados escolhida; 3) análise e revisão dos atributos de forma individual com cada organização; 4) consolidação das discussões dos atributos pela coordenação; 5) definição conjunta do padrão por meio de reunião com todos os membros.

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Nas reuniões individuais com os conselheiros de cada organização, os representantes analisavam os atributos e suas definições de forma crítica, com a possibilidade de alteração dos textos e retirada ou inclusão de atributos. Tal fato possibilitou que a listagem ficasse mais alinhada à realidade compartilhada por municípios de diferentes características.

As reuniões de trabalho para a definição conjunta do padrão, com todos os membros da Comunidade, possuía uma agenda previamente definida e acordada, com a apresentação inicial das atividades, com a planilha de trabalho preenchida com o compilado das análises prévias, a separação em grupos menores para a avaliação das entidades e seus atributos, e, por fim, a junção de todos os membros para o compartilhamento das análises dos grupos e discussão final. Para facilitar a análise final, apenas os pontos divergentes foram considerados, assim os conselheiros se dedicaram a discutir e entrar em acordo.

Após a realização das reuniões em que foram abordadas a discussão e o alinhamento conceitual foi contratado um desenvolvedor para programar a tradução desses compromissos ontológicos em um padrão capaz de promover a interoperabilidade técnica em linguagem computacional.

 Lições aprendidas e próximos passos

A construção do padrão envolveu vários conhecimentos, recursos e atores durante o processo. O processo foi repleto de desafios, mudanças, flexibilidade e aprendizagens.

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Um dos destaques da iniciativa é a proatividade na resolução de problemas, com disposição para construção colaborativa, a partir dos municípios, com academia, sociedade civil e outros órgãos de governo.

Por ter sido construído de forma colaborativa por representantes de organizações com diferentes perfis, o padrão tem potencial de replicabilidade, sendo recomendado para outras organizações que desejem utilizá-lo para gerar dados abertos.

Além das entregas referentes ao padrão, foram adquiridas aprendizagens sobre a metodologia de coprodução de um padrão e a necessidade de um perfil para liderança e gestão de projetos que seja de systems conveners.

Outro possível efeito é o fortalecimento das relações e da confiança entre as pessoas e órgãos envolvidos. Isso pode contribuir para colaborações futuras e o desenvolvimento da cultura e de práticas de governo aberto, contratação aberta e dados abertos que fazem sentido em cada realidade e ajudem a resolver problemas concretos e aprimorar a gestão pública.

A proposta de institucionalização da "Rede Catarinense de Padronização de Dados Abertos com ênfase em governos municipais e suas relações", possibilitará a continuidade da Rede criada no projeto, a partir de agosto de 2023, sob a liderança do Consórcio Ciga e da Associação dos Municípios do Vale Europeu (AMVE) e participação dos demais. A Rede poderá desenvolver de modo colaborativo padrões para geração de dados abertos não apenas na área de compras e contratações públicas, mas também em áreas como educação, saúde e assistência, por exemplo. Outros potenciais parceiros conheceram a iniciativa e estão dispostos a se envolver na difusão para outros contextos, capacitação e promoção do uso do padrão, entre elas a Open Contracting Partnership, a Controladoria-Geral da União, o Ministério Público de Santa Catarina, e a  Escola do Legislativo da Assembleia Legislativa de Santa Catarina.

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Como desafios, ficam a continuidade da Comunidade na área de compras e contratações e evolução do padrão criado, bem como o desenvolvimento da governança e da sustentabilidade da Rede e sua ampliação para outros tipos de dados e esferas. Há também que acompanhar as mudanças no cenário político, tecnológico e de regulação, incentivar o uso dos dados abertos e construir articulação com outras iniciativas.

Nota

O projeto contou com apoio financeiro do Edital de Chamada Pública Fapesc nº 01/2021 - Programa de Apoio à Pesquisa Aplicada em Ciência, Tecnologia e Inovação da Udesc, incluindo contrapartida da Prefeitura Municipal de Blumenau.

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