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Governo de SP omite gastos detalhados de governador e primeiro escalão em portal da Transparência

Desde gestões anteriores, não é possível acompanhar de maneira detalhada gastos sem licitação realizados pelo governador, vice e secretários; administração diz que segue legislação e que TCE fiscaliza despesas

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Por Zeca Ferreira
Atualização:

O governo de São Paulo não possui um mecanismo de transparência no qual seja possível acompanhar de maneira detalhada os gastos sem licitação realizados pelo governador, vice e secretários de Estado. Com isso, as despesas miúdas e de pronto pagamento, feitas com um cartão corporativo, ou até mesmo os gastos em viagens oficiais feitos pela alta cúpula do Executivo estadual não podem ser verificados pelo cidadão comum. A falta de acesso a esse grupo de gastos do governo de São Paulo já acontecia em gestões anteriores à de Tarcísio de Freitas (Republicanos).

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Procurado, o governo informou que as prestações relacionadas às verbas de representação são fiscalizadas pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE) e que estão de acordo com a fiscalização (veja a íntegra da nota abaixo).


Um exemplo do baixo nível de transparência no Estado é o gasto de Tarcísio em viagens nacionais e internacionais. Para o custeio de hospedagem e alimentação, o governador recebe uma verba de representação por meio da Casa Civil, que, por sua vez, também é encarregada de distribuir fundos ao vice-governador, Felício Ramuth (PSD), e ao secretário da pasta, Arthur Lima (PP). No entanto, o órgão não fornece uma divulgação detalhada das despesas, limitando-se a apresentar apenas o valor total pago às autoridades.

No período de janeiro a setembro, Tarcísio, Ramuth e Lima receberam, em conjunto, R$ 433 mil para suas viagens nacionais. Porém, não é possível determinar a parcela desse montante destinada a cada um, uma vez que essa informação não está disponível no portal da Transparência.

Governo de São Paulo tem menos transparência quanto aos gastos dos agentes políticos em relação aos servidores públicos Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Para as viagens internacionais, por outro lado, o governador é a única autoridade com permissão para receber verba de representação, enquanto que o vice e os secretários de Estado recebem ajuda de custo. Isso permite uma distinção clara das despesas de Tarcísio, já que ele é o único beneficiário legal desses fundos. Segundo o portal da Transparência, a Casa Civil desembolsou R$ 470 mil para verba de representação em viagens ao exterior neste ano.

A diretora de programas da Transparência Brasil, Marina Atoji, conta que é comum que a qualidade na prestação de contas piore a depender do ente federativo, sendo que a União costuma apresentar os melhores indicadores de transparência. Na sequência, há os Estados e depois os municípios. “É bem comum termos nos Estados uma transparência muito menor do que no governo federal. Isso porque o governo dá a transparência até o limite onde ele acha que tá bom ou que não pode incomodá-lo. De qualquer forma, isso está de acordo com a legislação”, diz.

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Gastos de políticos recebem tratamento diferenciado

A falta de transparência nos gastos do alto escalão do governo estadual é uma exceção na administração pública de São Paulo. Enquanto o governador, vice-governador e secretários recebem verbas de representação para suas viagens nacionais, os demais funcionários são beneficiados com diárias. Diferentemente da verba de representação, que carece de detalhes específicos, as informações sobre o pagamento de diárias são facilmente acessíveis. No portal da Transparência, é possível pesquisar as diárias por nome de servidor, incluindo data, destino, motivo e valor da despesa.

Não é possível identificar despesas sem licitação feitas pelo gabinete do governador Tarcísio de Freitas e de outros agentes políticos do Estado Foto: Taba Benedicto/Estadão

Além disso, os servidores têm à disposição cartões corporativos para despesas miúdas e de pronto pagamento. Segundo levantamento de janeiro deste ano, existem mais de 4 mil desses cartões ativos em todo o Estado. Entretanto, a lei proíbe que agentes políticos, como governador, vice-governador e secretários, sejam os responsáveis desses cartões. No entanto, isso não impede que eles usem o recurso. Conforme a explicação do governo estadual, nesses casos, um servidor é encarregado de receber o cartão, enquanto o político pode indicar onde o dinheiro será gasto. Isso torna impossível ao cidadão saber quais desses gastos com cartões foram feitos para despesas do governador.

Embora o governo de São Paulo alegue que “as informações das despesas (com cartão corporativo) estão disponíveis no site Transparência”, não é possível confirmar se o cartão foi utilizado para atender a solicitação de algum agente político. Isso se deve ao fato de que não há descrição do motivo do gasto ou de qual autoridade a ele está relacionada. Entretanto, é possível identificar o portador do cartão, o estabelecimento onde a despesa ocorreu, e obter detalhes de data, valor e localização.

“O controle dos gastos desses cartões é realizado por meio de prestação de contas do servidor responsável pelo adiantamento, cuja documentação - composta especialmente por comprovantes originais de despesa, extrato bancário, balancete de despesas e comprovante de devolução do saldo não utilizado - é visada pela autoridade competente do órgão, conferida pela unidade de execução financeira e mantida à disposição do TCE pelo prazo legal. A relação das despesas é também divulgada no portal da Transparência”, esclareceu o governo do Estado em nota.

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Marina Atoji, diretora da Transparência Brasil, destaca que a questão não reside no fato de os agentes políticos não possuírem cartões em seus nomes, mas sim na falta de transparência das informações. “É estranho mas (esse ponto específico) é normal, digamos assim. O próprio presidente da República não chega a ter (um cartão). É uma tentativa de evitar o uso indiscriminado por esse agente - não que garanta nada. O problema maior é mesmo não haver clareza, nos dados do Portal da Transparência, sobre quem são os servidores cujo cartão de pagamento é destinado especificamente a cobrir as despesas miúdas do governador e secretários. Isso deveria estar explicitado lá”, diz.

Ela também afirma que a maneira como o cartão corporativo é utilizado no Estado é mais “informal” em comparação com a União, onde há um ordenador de despesas responsável por centralizar os gastos de um agente político específico. Marina acrescenta que é necessário discernir se a falta de divulgação dos detalhes dos gastos do governador se deve à falta de transparência ou à possível inexistência de dados, uma vez que existe a chance de que essas informações nem mesmo sejam registradas.

Diferenças entre cartão corporativo estadual e federal

Ao contrário dos cartões corporativos da União, que são internacionais, de crédito e não têm um limite definido, os cartões do Estado de São Paulo são de débito, restritos ao território nacional, e têm um limite fixo de R$ 17,6 mil - embora nem todos alcancem esse saldo. Desde 2008, o uso de saques bancários com os cartões corporativos de São Paulo foi proibido, uma medida considerada um aprimoramento pelo governo estadual.

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Governo diz que segue regra vigente e que gasto é fiscalizado

Durante a produção desta reportagem, a gestão paulista foi questionada diversas vezes sobre os mecanismos de transparência ativa do governo do Estado. No total, a gestão Tarcísio enviou três notas respondendo aos questionamentos do Estadão. No último texto enviado, o governo diz que a prestação de contas está de acordo com a legislação vigente e é fiscalizada pelo Tribunal de Contas do Estado. Embora em uma das nota o governo tenha citado a possibilidade de acessar os dados por secretário, o Estadão testou essa funcionalidade em diversas ocasiões e ela não funciona. Veja a íntegra dos posicionamentos:

NOTA 1: “O Governo do Estado informa que todos os dados relativos a licitações e compras realizadas pelo Governo, inclusive aquelas que fazem uso de Verba de Representação, estão disponíveis para consulta no portal da transparência (http://www.transparencia.sp.gov.br). As respectivas prestações de contas sobre o uso da verba de representação vinculadas ao gabinete são regularmente fiscalizadas e analisadas pelo Tribunal de Contas do Estado, de acordo com as instruções do TCE e a legislação vigente”.

NOTA 2: “Para custear os gastos com viagens nacionais, os servidores não usam cartões, e sim recebem diárias, conforme determina o Decreto Nº 48.292, de 2 de dezembro de 2003. No caso do governador, vice e secretários, o TCE veda designar agente político como responsável por receber adiantamentos (Súmula 46 do Tribunal). Portanto, nos casos dessas autoridades, um servidor fica responsável por receber a verba de adiantamento por cartão ou cheque emitido em seu CPF. As informações das despesas estão disponíveis no site Transparência”

NOTA 3: “Os dados solicitados estão disponíveis para consulta no portal da Transparência. Para acessar as verbas de representação, por exemplo, basta clicar em Despesas > Consultas e Gráficos Interativos, e na sequência ‘Consultas’, onde será possível selecionar as opções de pesquisa, fonte de informações e a forma os dados desejados. Na opção ‘livre’, por exemplo, cidadão poderá obter dados de qualquer despesa do Estado, inclusive Verba de Representação, selecionando o exercício fiscal desejado, a opção de pago e o item específico. Para saber o montante pago com Verba de Representação do Governador, basta inserir no campo ‘Órgão’ a ‘Casa Civil’. Importante esclarecer que o valor da verba de representação engloba não só a do Governador como também a do Vice e a do Secretário da Casa Civil. Em todo o ano de 2023, a Verba de Representação da Casa Civil totaliza R$ 433 mil.

Todos os adiantamentos são recebidos por servidores, pois é vedado adiantamento a agentes políticos (Súmula do TCE). Portanto, ao fazer a busca (caminho indicado acima) por verba de representação, virão as informações dos gastos dos agentes políticos (governador, vice e secretários), ainda que o pagamento seja feito pelo cartão em nome de um servidor. Basta a aplicação dos filtros conforme o nível de detalhamento e o tipo de gasto pretendidos, informando o nome da secretaria.

Cartão de Pagamento para uso dos servidores: o Governo de SP tem Cartão de Pagamento para despesas com adiantamento expressamente definidas em lei, como as despesas de caráter extraordinário e urgente e as despesas menores e de pronto pagamento, por exemplo material de escritório, remessas postais, transportes, periódicos e despesas de pequeno vulto e de necessidade imediata. O controle dos gastos desses cartões é realizado por meio de prestação de contas do servidor responsável pelo Adiantamento, cuja documentação - composta especialmente por comprovantes originais de despesa, extrato bancário, balancete de despesas e comprovante de devolução do saldo não utilizado - é visada pela autoridade competente do órgão, conferida pela unidade de execução financeira e mantida à disposição do TCE pelo prazo legal.

A relação das despesas é também divulgada no Portal da Transparência para o acompanhamento social e pode ser acessada na página de “Consultas” na opção ‘CARTÃO DE PAGAMENTO DE DESPESAS’.

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Também importante esclarecer: Para deslocamentos nacionais, governador, vice e secretários recebem verba de representação. Secretários executivos e demais funcionários recebem diárias. Para deslocamentos internacionais, governador recebe verba de representação; demais funcionários recebem ajuda de custo. Para localizar Ajuda de Custo, no campo ‘Item’ (mesmo caminho informado na primeira resposta) selecionar ‘Ajuda de Custo’. Ou no filtro ‘Pago’ e no campo ‘Nome’ inserir o nome do secretário.”

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