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Base de Lula perde espaço para congressistas de direita no debate sobre ‘saidinha’ e drogas, diz FGV

Estudo mapeou engajamento nas redes sociais nas postagens feitas sobre temas que foram motivo de discussão no Congresso nos quatro primeiros meses deste ano

Foto do author Sofia  Aguiar
Por Sofia Aguiar (Broadcast)

BRASÍLIA - Sob um Congresso Nacional com perfil mais conservador, a base de apoio do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva perdeu o protagonismo para parlamentares de direita no debate sobre temas ligados à gestão federal. Estudo da FGV Comunicação Rio, obtido com exclusividade pelo Estadão/Broadcast, identificou que, nos quatro primeiro meses deste ano, congressistas de direita e ligados ao ex-presidente Jair Bolsonaro tiveram maior engajamento em assuntos como o projeto de lei das “saidinhas”, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) das Drogas, além de discussões sobre aborto.

O estudo analisou publicações em três redes sociais - X, antigo Twitter; Facebook; e Instagram - entre 1º de janeiro e 23 de abril deste ano. Nos debates sobre aborto, drogas e “saidinhas”, a oposição teve maior protagonismo nas redes sociais, especialmente no X e no Facebook. Já no Instagram, o debate tendeu a um maior equilíbrio. Ter maior engajamento significa que as postagens feitas nas redes sociais mobilizaram mais pessoas.

Sessão do Congresso na abertura do ano legislativo em 2024 Foto: WILTON JUNIOR

De acordo com o levantamento, no engajamento médio, parlamentares de oposição se destacam em todos os temas. No debate sobre as “saidinhas”, a oposição tem 78,4% de engajamento, enquanto que os congressistas da base governista representam 7,09% do engajamento total sobre o tema. Sobre a PEC das Drogas, a oposição registra 82,33% de engajamento, enquanto deputados e senadores do governo têm 5,91%. Na discussão sobre o aborto, a oposição teve 63,63% de engajamento, e a base da gestão federal registra 7,38%.

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A discussão sobre as “saidinhas” representou o tema de maior interação nas redes desde o início de 2024. O assunto motivou o maior número de picos expressivos no debate político, não necessariamente tendo sido pautado a partir de ações parlamentares sobre o assunto. “Foi registrado ainda um forte protagonismo de perfis de direita no âmbito deste debate, o que ressalta a centralidade do tema na agenda político-partidária de oposição ao governo”, afirma o estudo.

O levantamento aponta um domínio da direita alinhada a Bolsonaro na discussão sobre o assunto, “predominando a noção de que o governo e, principalmente, Lula agem com leniência em relação à criminalidade”. Segundo o estudo, o veto do governo federal a um trecho do PL “foi acionado como evidência de que Lula se importa mais com criminosos do que com as ‘vítimas da violência’”. A narrativa fez com que o veto repercutisse mais nas redes sociais do que a própria sanção do projeto.

No início de abril, o chefe do Executivo vetou o trecho para manter a saída temporária de presos do regime semiaberto para que eles possam visitar a família. O dispositivo é considerado ponto central do projeto. Apesar da decisão da gestão federal, o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, na época, tentou fazer um aceno ao campo conservador e minimizar o ato ao afirmar que o direito de visitar a família é importante por ser um “valor cristão”.

Nomes como o de Bolsonaro, da deputada Carla Zambelli (PL-SP) e do senador Sérgio Moro (União Brasil-PR) foram os que se envolveram nesse debate e incentivaram a mobilização a partir de hashtags como “#DerrubaoVetoCongresso”. Envolvimento semelhante no campo progressista, contudo, não foi notado.

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Segundo o estudo, desde a votação do projeto, em março, o campo progressista só conseguiu destaque ao relacionar o assunto com o deputado Chiquinho Brazão, apontado pela Polícia Federal (PF) como um dos mandantes da execução da vereadora Marielle Franco, em 2018. No debate sobre o parlamentar, foi indicado uma suposta incoerência por parte dos congressistas de direita que defenderam o fim das “saidinhas”, mas votaram contra a prisão do investigado.

O debate sobre a PEC das Drogas tendeu a um equilíbrio nas três redes sociais, com destaque tanto para atores de direita quanto da esquerda. Parlamentares e grupos organizados contra a criminalização das drogas, como a Marcha da Maconha São Paulo, encabeçam a discussão na ala progressista. Mais do que congressistas, veículos de mídia deste campo, como a Mídia Ninja, e influenciadores antirracistas também estiveram em evidência.

Já o debate sobre aborto foi motivado por uma nota técnica publicada pelo Ministério da Saúde no fim de fevereiro, que estabelecia que não deveria haver um limite temporal para a interrupção da gravidez nos casos previstos em lei. O Código Penal brasileiro também não estabelece um limite de tempo. A nota técnica anulava uma decisão do governo anterior que impunha o limite temporal de 21 semanas e 6 dias.

A medida, porém, causou reação entre políticos e influenciadores de oposição. Após a repercussão negativa, a ministra da Saúde, Nísia Trindade, suspendeu o texto alegando que ele não passou por consultoria jurídica e nem por todas as esferas necessárias da pasta. A reação nas redes sociais foi marcada por mensagens de forte teor religioso.

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O debate religioso e patriota é mobilizado nas mídias sociais especialmente nos temas da PEC das Drogas e do aborto, aponta o estudo. Enquanto isso, os parlamentares da base se concentram em portagens de caráter informativo e defesa das ações do governo.

A postura da gestão federal e a falta de engajamento de parlamentares da base nas redes sociais são resultados de uma estratégia traçada pelo próprio governo Lula de deixar em segundo plano o debate de pautas ideológicas. No início de 2024, a articulação política do governo elencou 48 projetos prioritários da gestão federal para o ano. Dentre eles, 32 apresentam viés econômico. Já o distanciamento da pauta de costumes, segundo interlocutores do Palácio do Planalto, foi por uma decisão política da gestão Lula para melhorar a articulação política e construir uma base sólida de apoio no Congresso.

Para o professor da FGV Victor Piaia, um dos coordenadores do estudo, mesmo que o grupo da direita mais radical nas redes sociais não seja muito expressivo, gera um engajamento com foco no desgaste do governo. “E pessoas mais engajadas acabam gerando efeitos mais fortes que pessoas que não estão muito bem coordenadas”, como a base da gestão federal, observou.

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Piaia pontuou que houve um alinhamento entre esse grupo mais radical que faz oposição ao governo Lula e uma união institucional do Congresso contra o protagonismo do Supremo Tribunal Federal (STF) em algumas decisões. “Então, mesmo que o governo não tenha sido o indutor de boa parte dessas pautas, (isso) coloca o governo numa saia justa e diminui um pouco o horizonte de ação que o governo poderia ter em relação a algumas pautas que são importantes para a base, de apoio mais fiel”, disse o professor.

No caso do veto ao projeto das “saidinhas”, por exemplo, o professor avalia que o Congresso, diante de uma dificuldade da esquerda na pauta da segurança pública, investiu no debate para pôr Lula em uma situação embaraçosa. “O governo nem procurou esse problema, mas ele precisa se posicionar”, comentou.

O professor diz acreditar que a falta de engajamento do governo na defesa das pautas ideológicas é porque a gestão federal ainda procura ter uma “marca”. Diante da queda de popularidade que Lula enfrenta neste início de governo, Piaia avalia que o governo evita fazer acenos para buscar um “meio-termo” entre pautas da direita e da esquerda como forma de evitar um tensionamento com grupos sociais.

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