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Opinião|Reforma tributária da renda e implementação do imposto de renda mínimo global no Brasil

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Por Lisa Worcman e Alberto Carbonar

Com o fim dos trabalhos dos grupos técnicos no âmbito do Ministério da Fazenda para regulamentação da reforma do consumo, o Poder Executivo encaminhará ao Congresso as propostas de leis complementares que reformularão o sistema tributário atual. Ao mesmo tempo que esse movimento é aguardado no Poder Legislativo, o setor produtivo está atento a uma possível apresentação de proposição de reforma da tributação da renda pelo governo junto ao Congresso.

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Nos últimos meses, muito tem se discutido sobre a apresentação de uma proposta para adequação da tributação da renda no Brasil com os parâmetros internacionais da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), especialmente aqueles discutidos no âmbito do Pilar 2 do projeto BEPS (Base Erosion Profit Shifting – contra a erosão da base tributável e a transferência de lucros, em português).

A tributação das empresas da economia digital está no topo da agenda política internacional, de modo que o G20 já determinou que a economia digital é um tema-chave de foco no contexto mais amplo do projeto BEPS. O plano de trabalho da OCDE para enfrentar os desafios fiscais da economia digital sinaliza um caminho para uma mudança fundamental na forma como o quadro fiscal internacional funcionará.

Nesse sentido, o Pilar 2 do projeto BEPS/OCDE é uma iniciativa global para garantir que as empresas multinacionais paguem um Imposto Mínimo Global (GloBE, sigla em inglês) de 15% sobre os seus lucros em cada jurisdição onde operam, independentemente de a jurisdição fazer parte ou não da OCDE. As regras do GloBE aplicam-se apenas para empresas multinacionais com receitas consolidadas que superem o montante total de 750 milhões de euros.

Diante disso, observa-se que o Pilar 2 do projeto BEPS/OCDE tem dois objetivos primordiais, quais sejam: garantir que todas as empresas paguem um nível mínimo de impostos em todo o mundo (15%); e garantir que o montante “certo” de impostos seja pago em países específicos.

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A União Europeia e uma série de outras jurisdições introduziram o Pilar 2 em janeiro de 2024, enquanto outros países indicaram que o introduzirão em 2025. O Brasil ainda não apresentou uma proposta para implementação do Pilar 2 em âmbito doméstico, mas espera-se que o tema possar ser tratado em futuras proposições relacionadas ao tema da reforma da renda.

Não obstante, é importante frisar que um imposto mínimo global, o qual em teoria poderia ter como objetivo proteger a soberania fiscal dos países, poder, em última análise, privar países em desenvolvimento do seu direito de criar incentivos fiscais para estimular suas economias em detrimento das economias mais avançadas. Claramente, essa é a situação do Brasil que, ao longo de décadas, fez uso de diversas políticas de incentivos fiscais regionais e setoriais para atrair investimentos e empresas estrangeiras a se instalarem no país.

O Pilar 2 do projeto BEPS/OCDE consiste em duas regras principais:

  • A regra de inclusão de renda (Income Inclusion Rule – IIR);
  • A regra de pagamentos subtributados (Undertaxed payments rule – UTPR).

Essas regras funcionam em conjunto com os sistemas jurídicos de imposto sobre a renda das pessoas jurídicas de cada jurisdição para aplicar um imposto complementar sobre o lucro das multinacionais que não tenha sido alvo da tributação mínima de 15%.

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O Pilar 2 inclui também uma regra de responsabilidade tributária (STTR, sigla em inglês), baseada em tratados, que permite uma tributação adicional sobre pagamentos passivos (como juros, royalties etc.) em jurisdições de baixa ou sem tributação, até uma taxa nominal de 9%. O cálculo para verificação se o lucro das multinacionais foi ou não tributado pela taxa mínima de 15% é feito conforme as regras modelo da OCDE (artigo. 5.1.2). Caso o lucro das multinacionais não tenha alcançado a tributação mínima de 15%, a jurisdição é tratada como uma jurisdição de baixa tributação e as entidades constituintes são tratadas como entidades constituintes de baixa tributação.

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Nessa situação, é autorizada a complementação da tributação do lucro até alcançar o percentual de 15% primeiramente pela jurisdição que gerou o lucro mediante a aplicação de um imposto mínimo nacional qualificado (Qualifying Domestic Minimum Top-up Tax – QDMTT). Caso a jurisdição de origem onde lucro foi gerado não exerça a sua competência, a jurisdição da matriz da empresa poderá exercer essa tributação pelas regras da OCDE.

Vale mencionar que o QMDTT opera como uma redução em qualquer obrigação tributária complementar cobrada por outro país sob o IIR ou a UTPR e é o estágio final no cálculo do imposto mínimo global de 15%. Embora as jurisdições não sejam obrigadas a implementar um QDMTT, existe um incentivo claro para o fazer, pois o imposto mínimo nacional qualificado garante que qualquer imposto adicional seja em benefício da jurisdição em que se identificou um recolhimento abaixo dos taxa mínima global de 15% em detrimento da jurisdição da matriz.

Assim, as empresas pagarão o mesmo nível de imposto sobre os seus lucros, quer houvesse ou não um QDMTT, mas em vez de permitir que outro país cobre esse imposto (ex.: país da sede/matriz da multinacional), o QDMTT garante que o imposto seja pago ao governo da jurisdição em que se deixou de recolher o imposto inicialmente.

As regras do Pilar 2 do projeto BEPS/OCDE não proíbem direta e expressamente países de adotarem incentivos fiscais ou taxas reduzidas no âmbito da tributação da renda. No entanto, com base na forma como as regras GloBE pretendem funcionar, os efeitos dos incentivos fiscais podem ser prejudicados ao serem alvo de cobrança do Imposto Mínimo Global. A jurisdição que concede esses incentivos acabaria por renunciar aos direitos de tributação, não em troca de proporcionar um ambiente de negócios mais favorável, mas em benefício das receitas fiscais da jurisdição que aplica o GloBE.

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Vale mencionar que as Regras Modelo do GloBE determinam que alguns rendimentos não tributados (ou subtributados) não devem ser computados como parte do rendimento GloBE do contribuinte e, portanto, impactam a avaliação do Pilar 2 na localização da matriz da multinacional. Assim, alguns tipos de incentivos fiscais não devem reduzir o montante dos respectivos tributos abrangidos para efeitos do Imposto Mínimo Global.

Um mecanismo que deve ser considerado por uma eventual futura implementação do Pilar 2 no Brasil são os Créditos Tributários Reembolsáveis Qualificados (Qualified Refundable Tax Credits – QRTCs). Estes são tratados como receita para fins de Pilar 2, ao invés de serem refletidos como uma redução nos tributos. Trata-se de um crédito tributário reembolsável pago em dinheiro ou equivalente em dinheiro dentro de quatro anos a partir da data em que uma entidade satisfaz as condições para receber o crédito. Pelas regras da OCDE, esse crédito tributário não pode ser usado para reduzir tributos e não deve ser limitado a uma ‘obrigação tributária’ específica.

No Brasil, o uso estratégico de políticas de incentivos fiscais regionais e setoriais para atrair investimentos e empresas estrangeiras ao país teve como o objetivo de promover o desenvolvimento econômico, social e regional do país, a exemplo da Zona Franca de Manaus. Além disso, sem o uso desses mecanismos fiscais, dificilmente o país seria competitivo em face ao mercado global e conseguiria consolidar seu posicionamento em indústrias estratégicas como a aeronáutica, agronegócio, automotiva, energia, óleo e gás, entre várias outras que geram emprego e renda.

Uma das bandeiras da reforma tributária do consumo pela EC nº 32/2023 no Brasil é a isonomia. Ou seja, não serão autorizados benefícios fiscais ao IBS e a CBS, exceto para as hipóteses constitucionalmente previstas. Além disso, os benefícios fiscais relativos ao ICMS e ao PIS e COFINS serão reduzidos gradualmente durante o regime de transição, o qual durará até 2033, quando serão efetivamente extintos ao final do período.

Para compensar as empresas que possuíam benefícios fiscais concedidos por prazo certo e determinado, a EC nº 32/23 estabeleceu a criação de um Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais que ressarcirá tais empresas. Trata-se de uma medida estabelecida após acordo político entre Estados e Governo Federal para viabilizar a aprovação da EC 32/23 e evitar eventuais questionamentos judiciais em decorrência da Súmula nº 544/STF.

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A despeito do novo sistema tributário buscar reduzir/extinguir incentivos fiscais de um modo geral, é necessário que sejam estabelecidos mecanismos como os QRTCs para estimular e manter investimentos no país, bem como normas que afastem a cobrança do GloBE sobre rendimentos decorrentes do Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais para proteger a indústria nacional.

Portanto, diante das considerações apresentadas e com o objetivo de manter a competitividade internacional da indústria nacional, é fundamental que sejam estabelecidos mecanismos que considerem os impactos e efeitos decorrentes da implementação do Pilar 2 do Projeto BEPS/OCDE no Brasil. Países desenvolvidos como EUA, Reino Unido, França, Alemanha e Itália, já possuem exemplos de mecanismos em suas respectivas legislações que resguardam indústrias estratégias em seus países dos efeitos do Pilar 2 da OCDE. O Brasil deve estar atento a esses movimentos, pois, apesar de sua dimensão continental, não deve ficar atrás de seus concorrentes internacionais.

Por fim, a eventual redução/extinção dos benefícios fiscais usufruídos por empresas multinacionais pode: implicar em aumento do lucro tributável; e reduzir o risco de exposição a um possível pagamento adicional de imposto devido à eventual implementação do Pilar 2 da OCDE/BEPS no Brasil, na medida em que ocorre a tributação doméstica dos incentivos fiscais, menor será eventual complementação a ser recolhida a título de GloBE.

Todavia, com a extinção de incentivos fiscais e eventual recolhimento de GloBE pode afastar empresas do Brasil, pois a atratividade para se estabelecer um complexo industrial no país pode se tornar inviável em termos econômicos e operacionais. Isto porque, a depender da operação, o custo para exportação de produtos e serviços de outras localizações geográficas podem ser mais vantajosas em termos financeiros. Certamente, países que possuem melhor infraestrutura, mão de obra qualificada e estabilidade política, características hoje de países desenvolvidos que se utilizaram durante décadas de políticas de incentivo fiscal, tornam-se naturalmente postos mais atrativos e seguros para se estabelecer complexos industriais de longo prazo.

Dessa forma, as autoridades públicas devem estar muito atentas a uma futura implementação do Pilar 2 no Brasil, de modo que o país não perca a sua atratividade internacional e estabeleça mecanismos e políticas, com base nos mecanismos/instrumentos citados ao longo desse artigo, para estimular/fomentar a atração de investimentos e permanência de empresas estrangeiras em território nacional que geram empregos e renda.

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Sócia do Mattos Filho. Foto: Mattos Filho/Divulgação
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