BRASÍLIA – Até a próxima segunda-feira, 1 de fevereiro, todos os sindicatos e associações de servidores que ocupam salas e demais estruturas públicas do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) terão de deixar esses espaços. A determinação foi tomada em dezembro pelo Incra, órgão vinculado ao Ministério da Agricultura e responsável pela regularização fundiária no País. Para as associações e sindicatos, a medida deve ser apenas o início de um processo de desocupação envolvendo outras autarquias federais.
Com base em um parecer da Advocacia-Geral da União (AGU), o Incra, que sempre cedeu espaço para representações de seus servidores em seus 50 anos de existência, sustenta que todas as ocupações são irregulares, uma vez que não há contratos ou registros formais que prevejam a disponibilidade desses espaços, seja por meio de aluguéis, seja pela oferta gratuita dos locais.
As ordens de desocupação, conforme documentos obtidos pelo Estadão, foram enviadas à Confederação Nacional das Associações dos Servidores do Incra (Cnasi), ao Sindicato Nacional dos Peritos Federais Agrários (SindPFA), Associação Nacional dos Servidores do Ministério do Desenvolvimento Agrário (Assemda), Sindicato dos Servidores Públicos Federais (Sindsep) e Núcleo dos Aposentados.
A ocupação de espaços públicos nas superintendências regionais do Incra que estão instaladas pelo País também deve seguir a mesma determinação. Além da sede em Brasília, o órgão possui outras 29 representações regionais e cerca de 15 unidades avançadas de atendimento. A maior parte desses locais tem representação sindical ou de associações de empregados, os quais hoje somam cerca de 3.200 servidores ativos.
Aluguéis
Mais do que retirar as instituições dos espaços, o Incra decidiu cobrar valores retroativos de aluguéis dessas áreas, embora não tenha dado nenhum detalhe sobre como isso será feito. Também não informou as datas de início de ocupação de muitos dos locais, todos eles resultado de acordo com os gestores das unidades.
Um ato de protesto organizado por lideranças das instituições está marcado para ocorrer nesta sexta-feira, 29, às 10h, em frente à sede do Incra, em Brasília.
O diretor da associação nacional Cnasi, Reginaldo Marcos Aguiar, atribui as determinações à perseguição ao trabalho dos representantes dos trabalhadores devido às cobranças para que sejam retomados os processos de reforma agrária em todo o País, praticamente paralisados no governo Bolsonaro.
“A decisão da direção do Incra de expulsar as entidades representativas dos servidores de espaços físicos que ocupam nos prédios da autarquia é, primeiramente, um desrespeito à história de trabalho e dedicação dos milhares de servidores do instituto pela democratização de acesso à terra no Brasil, pois a luta e atuação dos servidores por décadas só foi possível porque estavam unidos por meio das associações”, disse Aguiar. “É uma retaliação aos questionamentos, cobranças e denúncias feitas pela Cnasi-AN, SindPFA e associações contra a gestão do Incra e governo, que têm focado as ações apenas na regularização das grilagens de terras de ruralistas, deixando de fora a reforma agrária e regularização de comunidades quilombolas, por exemplo.”
Segundo o representante da Cnasi, nos 50 anos de existência do Incra, nunca houve pressão para desocupar esses espaços, muito menos cobrança financeira pelo uso. “Aliás, em muitas gestões, foi até incentivada a permanência das entidades em locais próximos ao trabalho dos servidores, como forma de fornecer assistências complementares à ação do órgão”, afirmou Aguiar.
A reportagem questionou o Incra sobre as estimativas de cobrança retroativa de aluguéis, número de salas e prédios ocupados e como esse processo será feito. Por meio de nota, o Incra declarou que a impossibilidade de oferta de espaço público “a título gratuito, de bens móveis ou imóveis em favor de associações de servidores ou sindicatos é tema absolutamente pacífico no Tribunal de Contas da União desde 1990”. Segundo a nota, o TCU considera irregulares tais situações.
“É importante registrar que, desde 2014, o uso das áreas pelo Sindicato dos Peritos Federais Agrários (SindPFA) é questionado, considerando a impossibilidade de uso na forma não onerosa”, informou o Incra.
Em relação ao ressarcimento de valores retroativos às áreas utilizadas, o Incra declarou que “a cobrança é uma imposição legal, pois, como visto, não é possível a cessão gratuita a sindicatos e associações”. Essa cobrança, diz a nota, “é medida que se impõe”, sob pena de os próprios gestores do Incra responderem pela “renúncia legal”.
“Em síntese, as medidas que a atual gestão tem adotado estão em conformidade com os acórdãos e decisões do TCU, tendo sido assegurado às entidades o contraditório e a ampla defesa. No entanto, é necessário registrar que, até a presente data, em que pese terem sido devidamente notificadas, não houve manifestação formal das entidades”, declarou o órgão.
O SindPFA afirmou, também em nota, que já vinha pagando ao Incra o rateio das despesas prediais. “A diretoria da entidade avalia as medidas que serão adotadas”, informou o sindicato. “As ocupações se deram de boa fé, em espaços oferecidos pelo próprio Incra ao longo dos anos, em negociações, greves e até mesmo foram estimuladas por política interna do órgão, como meio de dar condições de sociabilidade aos funcionários, principalmente na Amazônia, onde as condições sociais eram mínimas. Boa parte delas data desde os governos militares e governos a fio, de várias matizes políticas, sempre foram receptivos e respeitosos nesse aspecto: por mais que houvesse embates na seara política, não se conhece episódio de despejo de entidades”.
Segundo o SindPFA, a decisão do Incra “faz parecer que os espaços ocupados pelas entidades foram tomados de assalto ou invadidos e trata as entidades de servidores como persona non grata, o que contradiz a própria história do órgão”.
Terceirização
Como revelou o Estadão em dezembro, o Incra também decidiu terceirizar o trabalho de vistoria local e de checagem de dados que é feito por seus próprios servidores, para acelerar o processo de regularização de terras. O objetivo é firmar acordos com municípios de todo o País, que ficarão responsáveis por indicar técnicos que poderão executar o trabalho.
O funcionário de cada município passará por um treinamento online dado pelo Incra, para ser credenciado como representante do órgão vinculado ao Ministério da Agricultura. Ele poderá ser servidor do município ou até mesmo contratado externamente pela prefeitura, que deverá arcar com os custos desse empregado. Uma vez habilitado, ele passa a atuar como funcionário terceirizado do Incra, fazendo vistorias locais a imóveis, checando informações e enviando dados à central do Incra, em Brasília. Confirmada a regularidade da terra, o imóvel vai receber a escritura.
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