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À margem da História

Opinião|O pachequismo de Rodrigo Pacheco que pode transformar STF em corte loteada por políticos

Proposta em debate pode aumentar instabilidade nas votações e não busca um aperfeiçoamento e resolver problemas da Corte, avalia especialista

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Atualização:

Na semana de aniversário de 35 anos da Constituição, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), fez a defesa de uma das propostas de alteração da Carta mais emblemáticas do atual momento político. Ele propôs mandatos mais curtos para juízes do Supremo Tribunal Federal, que hoje se aposentam ao completar 75 anos. É temporada de disputa pelo papel de algoz principal da Corte, uma bandeira que garante votos dentro e fora do Congresso.

Pacheco ficou fora da lista de preferidos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para ocupar a cadeira vaga no tribunal com a aposentadoria da ministra Rosa Weber. Sem perspectiva de ganhar um emprego de 29 anos de estabilidade, o senador de 46 anos busca agora aproveitar a onda de impopularidade do tribunal propondo um mandato menor para futuros ministros.

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, na posse do ministro Luís Roberto Barroso, que assumiu a presidência do STF  Foto: André Borges / EFE

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A Proposta de Emenda Constitucional só começaria a tramitar em 2024, mas o debate sobre a redução dos mandatos dos ministros da Corte garante dividendos políticos imediatos. O grupo de Pacheco no Senado, comandado pelo colega dele Davi Alcolumbre (União-AP), já está na corrida para tentar permanecer no controle da Casa em 2025 e, para ter êxito na eleição da mesa, precisará reconquistar os senadores bolsonaristas. No ano seguinte, será a vez do próprio Pacheco enfrentar as urnas em Minas caso queira mais um mandato parlamentar.

É imediato também o efeito da proposta no debate público. Antes mesmo de pôr sua ideia no papel, Pacheco já está contribuindo para um debate enviesado sobre o papel do Supremo. Ao desqualificar a Corte, o senador que tentou ocupar o papel de guardião da democracia no Legislativo no turbulento mandato de Jair Bolsonaro investe agora na captura da pauta do ex-presidente. Foi com Bolsonaro que ameaças e ataques ao Supremo viraram assuntos de palanque eleitoral. “Temos outros temas importantes para o País, mas que não geram eco, como a taxa do Copom”, observa o advogado Rafael Mafei, um especialista na área.

Professor na Faculdade de Direito da USP e da ESPM, Mafei ressalta que há uma corrida hoje dentro do próprio Congresso por medidas que sinalizem redução de poderes do Tribunal. “Isso normalmente não é um tipo de razão e motivação que leve a reformas que aperfeiçoem a instituição”, afirma. “É evidente que sempre temos que discutir o aperfeiçoamento do Congresso, do Supremo. Mas quando se tem um ambiente no qual as pessoas julgam propostas com o objetivo de ganhar atenção e simpatia, sem refletir sobre a qualidade dos projetos e como eles resolvem os problemas que o tribunal tem, acertos serão por acaso.”

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O professor de Direito avalia que o presidente do Senado não tem um diagnóstico dos problemas do Supremo, só quer agradar quem pretende reduzir os poderes da Corte. “O mesmo homem que propõe redução dos mandatos salienta a importância da estabilidade da jurisprudência do tribunal”, observa Mafei. Entretanto, ressalta o especialista, um aumento da rotatividade de ministros resultará num aumento da instabilidade da jurisprudência.

Rafael Mafei observa que, por tradição, ministros brasileiros que entram no Supremo costumam não seguir com frequência entendimentos de juízes que deixaram o tribunal. É um quadro diferente da Suprema Corte, nos Estados Unidos, onde há forte empenho para se aplicar jurisprudências de ministros que já morreram. “Se aumentar a rotatividade de ministros, você vai aumentar a instabilidade da jurisprudência, pois a todo momento você vai ter ministros querendo rediscutir tudo”, destaca. “Para um dos defeitos que o próprio Pacheco diagnostica, que é a jurisprudência, a proposta de mandatos vai piorar o problema.”

Há vantagens e desvantagens de se respeitar o legado da jurisprudência dos antigos ministros, ressalta o professor, o que pode definir se um tribunal ficará muito conservador ou se oxigenará mais. Um dos problemas do debate eleitoreiro de mudanças no Supremo é a avalanche de propostas oportunistas. Pelos projetos já em tramitação no Congresso, a ideia de redução de tempo de mandato é acompanhada por outras como a que dão ao Senado poder de fazer suas próprias indicações.

A História brasileira e do Supremo está repleta de ameaças e ataques à Corte, que, claro, tem seus problemas para serem discutidos pelo País. Nessa História, a prática de indicar políticos para garantir o controle das decisões dos magistrados tem tradição. Logo que assumiu o poder em 1930, Getúlio Vargas tratou de criar um Tribunal Especial para cuidar de crimes políticos e buscou alterar a composição do Supremo, rebatizado de Corte Suprema. Dos 15 ministros, ele reduziu para 11. Com o tempo, passou a contar com oito nomeados. Destes, quatro tinham passagem pela vida política, embora com formação em direito ou mesmo experiência na magistratura. Os gaúchos Carlos Maximiliano e Plínio Casado foram deputados. O paulista Laudo de Camargo chegou a ser interventor federal em São Paulo. O fluminense Octávio Kelly, por sua vez, exerceu mandato de vereador e deputado. É o que conta Felipe Cittolin Abal, professor da Faculdade de Direito de Passo Fundo, no ensaio “Getúlio Vargas e o Supremo Tribunal Federal”.

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Foi essa composição da Corte que julgou, em 1936, o pedido de habeas corpus a favor de Olga Benário, a companheira do líder comunista Luiz Carlos Prestes que teve a expulsão determinada pelo governo Vargas, um dos casos mais lembrados do Supremo. Na defesa de Olga, o advogado Heitor Lima tentou convencer os magistrados que ela tinha de ser julgada no Brasil. Lima ainda argumentou que Olga estava grávida de quatro meses, uma criança brasileira, e implorou pelos direitos do nascituro. A mãe morreu em 1942 num campo de concentração nazista. A filha, Anita Leocádia, sobreviveria. Hoje é doutora em História.

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De uma família de políticos do Partido Republicano Paulista, o ministro Laudo de Camargo tinha até uma longa carreira no Judiciário. É dele, porém, o voto no julgamento do caso Olga Benário de que Segurança Nacional não era problema da Corte. Tirar ou tentar arrancar do Supremo a função de julgar matérias de teor constitucional sempre foi uma constante. Isso pode ocorrer quando integrantes do Executivo ou do Legislativo concentram poderes e tratam qualquer tema complexo como se fosse de seu domínio absoluto.

Em 1937, Getúlio quis ter ainda mais força e mandou Francisco Campos, seu ministro da Justiça, redigir a Constituição “Polaca”, que deu ao presidente a possibilidade de rever decisões consideradas inconstitucionais pela Corte. Agora, em 2023, o Congresso, pautado por suas três bancadas mais influentes - dos evangélicos, do setor rural e da segurança pública -, questiona uma possível prática do tribunal de querer legislar. A propósito, as cúpulas da Câmara e do Senado decidem inclusive o destino de uma parte robusta do orçamento que antes era do governo, que dirá sobre os temas da guerra contra o Supremo.

No tempo de Getúlio ou em qualquer outra fase de autoritarismo, a crítica de que os ministros da Corte atendem interesses contrários aos do País sempre ganhou força. Em Tanques e togas, o STF na ditadura militar, o jornalista e pesquisador Felipe Recondo descreve como o general Castelo Branco aposentou compulsoriamente, em 1968, três ministros. Não havia comprovação alguma de que votavam automaticamente a favor de grupos. As vagas de Victor Nunes Leal, Hermes Lima e Evandro Lins e Silva, figuras hoje celebradas pelo direito, além do presidente da Corte, Gonçalves de Oliveira, que renunciou em solidariedade aos colegas, não foram preenchidas. O Supremo passou de 16 cadeiras para 11.

Ao longo da semana, o atual presidente do Supremo, Luís Roberto Barroso, e o decano Gilmar Mendes, entraram em cena para questionar a proposta de Pacheco. Barroso disse não ver benefícios e Gilmar afirmou que interesse é lotear cargos e criar uma espécie de agência reguladora desvirtuada.

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Principal cabo eleitoral de Pacheco nas disputas pelo comando do Senado, Davi Alcolumbre há tempo se interessa por negociações que fazem da escolha de ministros do tribunal moeda de troca com o governo. Foi ele quem adiou em quase cinco meses a sabatina na Comissão de Constituição e Justiça de André Mendonça, indicado em 2021 por Bolsonaro. Não havia interesse em questionar o saber jurídico do indicado. Era só birra por demandas não atendidas por verbas.

A possibilidade de indicar, em curtos intervalos de tempo, nomes para o Supremo não seria uma missão ingrata para um senador que tem marcado seu mandato pelo grande interesse em preencher cargos na máquina do Estado. A propósito, Alcolumbre tem seu modelo de funcionamento de órgão público. É a Codevasf, a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba, loteada entre os aliados do senador e do Centrão. No governo Bolsonaro, Alcolumbre transformou a companhia, até então de atuação limitada a uma região do semiárido, numa grande estatal para atender demandas eleitoreiras por quase todo o País, do Amapá a Goiás, estendendo também o apadrinhamento e o personalismo.

Moreira Alves e a regra de mandatos mais curtos

Morreu em Brasília na tarde de ontem o ex-ministro José Carlos Moreira Alves, aos 90 anos. Um dos mais jovens magistrados a entrarem no Supremo, foi nomeado em 1975 por Ernesto Geisel e ficou na Corte até 2003. Defendia um Judiciário “técnico” e sem nepotismo. Na presidência do tribunal, instalou a Assembleia Nacional Constituinte e, depois, ajudou na implantação da Carta.

José Carlos Moreira Alves, um dos ministros mais longevos do STF Foto: Reprodução/YouTube TV Justiça

Se a vontade circunstancial de Pacheco e de Alcolumbre de mandatos curtos valesse no tempo de Moreira Alves, o ministro conservador e discreto não poderia deixar tantas jurisprudências e permanecer quase três décadas na instituição. Ele deixou o tribunal aos 70 anos, cinco a menos que a idade atual para a aposentadoria compulsória. Os mais próximos dizem que poderia ter contribuído por mais tempo no entendimento da Constituição.

Opinião por Leonencio Nossa

Editor de especiais do Estadão. Mestre em história e política. Autor dos livros “As guerras da Independência do Brasil”, “Roberto Marinho, o poder está no ar” e “Mata! O Major Curió e as guerrilhas no Araguaia”. Escreve aos sábados.

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