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As relações entre o Poder Civil e o poder Militar

Ação que prendeu PMs do caso Gritzbach ignora a responsabilidade dos comandantes nos quartéis

Nenhum chefe de companhia ou de batalhão da Rota ou do 18º BPM onde trabalharam os policiais investigados sofreu punição por ter falhado como comandante; Exército deu exemplo no caso do Arsenal de Guerra

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Foto do author Marcelo Godoy
Atualização:

Um comandante é responsável por tudo o que acontece em um quartel. Pelo que sabe, pelo que não sabe. Esse princípio militar foi assim explicado pelo general Gustavo Moraes Rêgo, chefe da Casa Militar do presidente Ernesto Geisel: “Se o comandante é surpreendido pelo que acontece em sua unidade, ele manda apurar e pune o responsável, pois ele é responsável por tudo o que acontece – pelo que ele sabe e não sabe – dentro da unidade”. Quando não faz uma coisa nem outra, há uma falha do comando. Ela pode não ser criminosa, mas deve ser punida pela instituição até para a futura preservação da disciplina e da ordem. A tropa vê o exemplo.

Portaria que abriu a investigação da Corregedoria da PM sobre a ligação de policiais da Rota e do 18º BPM com o PCC Foto: Reprodução / Estadão

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Foi exatamente o que o Exército fez em 2023 ao punir o coronel que comandava o Arsenal de Guerra, de onde foram furtadas 21 metralhadoras. O comandante do Exército, general Tomás Miguel Ribeiro Paiva, afastou de imediato o tenente-coronel Rivelino Barata de Sousa Batista, então comandante da unidade. Depois, ele acabou acusado de ser negligente no caso. Em 2024, o Superior Tribunal Militar (STM) negou habeas corpus ao oficial e manteve a ação que o acusava.

Na lista de 15 presos desta quarta-feira na operação há apenas dois oficiais subalternos. Um deles é o tenente Thiago Angelin da Silva, que teria facilitado a vida dos subordinados que faziam segurança para o empresário Antônio Vinícius Lopes Gritzbach, o delator do PCC executado a tiros de fuzil em 8 de novembro de 2024, no Aeroporto de Guarulhos.

Entre eles também estava o ex-policial da Rota Alef de Oliveira Moura, que já era investigado pela Corregedoria da PM antes mesmo do assassinato do empresário, justamente por fazer escolta para o delator do PCC, em companhia do soldado Talles Rodrigues Ribeiro, do 18º Batalhão da PM – outro preso na operação.

Quem viu a lista completa dos presos pôde verificar que cinco deles já trabalharam ou trabalham no 18º BPM e outros cinco já trabalharam na Rota. Um deles, aliás, tinha ligação com a sala de rádio do 1º Batalhão de Choque, o Batalhão Tobias de Aguiar. Trata-se do outro tenente – Giovanni de Oliveira Garcia – preso nesta quarta-feira. Talles e Alef apareciam em uma primeira investigação, aberta pela Corregedoria da PM, no dia 17 de outubro de 2024, que tratava do envolvimento de policiais da Rota e de outras unidades com o PCC. E isso antes do assassinato de Gritzbach.

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Denúncia contra policiais da Rota e de outras unidades só provocou a prisão dos acusados após a morte de Gritzbach  Foto: Sergio Barzaghi/Governo de São Paulo

Desde 2022, o Grupo de Atuação Especial e Combate ao Crime Organizado (Gaeco) já havia alertado a PM sobre as suspeitas de que PMs da Rota fizessem segurança para pessoas ligadas ao PCC. Esse seria o caso da empresa de ônibus Transwolff, cujos sócios são acusados de lavar dinheiro da facção. A informação sobre a atuação dos PM na Transwolff surgiu durante a apuração que levou à quebra do sigilo bancário do então vereador Milton Leite (União).

O Gaeco também recebera uma denúncia de envolvimento de policiais do batalhão com a lavagem de dinheiro da facção e com a proteção ao megatraficante Silvio Luís Ferreira, o Cebola, que está foragido. É o que mostra ofício enviado em 15 de abril do ano passado pelo promotor Lincoln Gakiya à Corregedoria da PM. Policiais da agência de inteligência da Rota estariam vazando informações de operações do Gaeco para o PCC.

Por fim, foi uma informação semelhante à do promotor que constou da portaria de abertura do inquérito da Corregedoria da PM, feita 20 dias antes da morte de Glitzbach. De acordo com ela, haveria a conivência de um chefe – um capitão que trabalhara na unidade. Pior, entre os investigados estava até um terceiro sargento que, segundo a Corregedoria, trabalhava – pasmem – no gabinete do comandante-geral da PM, coronel Cássio Araújo de Freitas.

No passado, esse estado de coisas levou ao assassinato do coronel da PM José Hermínio Rodrigues, em 2008. Naquela época, a execução do coronel foi atribuída a um grupo de extermínio que atuava no 18º BPM, que contava com ex-policiais da Rota. Muitos na PM não quiseram acreditar na investigação do delegado Marcos Carneiro Lima, do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP). Os assassinos acabaram impunes, pois parecia mais importante negar o escândalo do que fazer justiça à memória do coronel Hermínio. Mais de 15 anos depois, a impunidade fez brotar outro caso isolado envolvendo homens ligados às mesmas unidades.

Tanto o atual comandante-geral quanto o subcomandante-geral da PM, coronel José Augusto Coutinho, foram oficiais superiores na Rota. Devem ter apreço pelo BTA e por suas tradições. Até por isso têm o dever de mandar abrir quantas sindicâncias e inquéritos forem necessários para punir não só quem se vendeu para o crime organizado, mas também para punir os oficiais que negligenciaram seu dever - por desídia ou incompetência - como comandantes de unidade ou fração de tropa. Quando o chefe tem olho de vidro é a instituição quem paga. É ela que verá seu nome associado à pessoas que, em vez de combater o crime e os criminosos, recebem dinheiro de bandidos para lhes dar proteção.

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