PUBLICIDADE

EXCLUSIVO PARA ASSINANTES
Foto do(a) coluna

As relações entre o Poder Civil e o poder Militar

Um bilionário influencer é a aposta da Marinha para sair da maior crise financeira do século

Expulso do Colégio Naval, Flavio Augusto da Silva tem hoje 12 milhões de seguidores em suas redes, três vezes mais do que a Força Naval; Almirantado aposta nas redes para obter apoio e recursos

PUBLICIDADE

Foto do author Marcelo Godoy
Atualização:

Falta dinheiro para combustível na Marinha do Brasil (MB). Ela tem o suficiente para 45 milhões de litros quando o mínimo desejável seria ter 52 milhões. A situação da munição é também crítica. A Força Naval precisaria de R$ 113,3 milhões para cobrir suas necessidades em 2024, mas dispõe apenas de R$ 25 milhões, após os cortes no orçamento do Ministério da Defesa.

Agentes da Marinha recebem o presidente Lula em uma Vistoria Naval, antes da Cerimônia Alusiva ao Dia do Marinheiro, realizada a bordo do navio-aeródromo multipropósito Atlântico, na Ilha das Cobras, na zona portuária do Rio Foto: PEDRO KIRILOS

PUBLICIDADE

Há dois anos o comandante da Força, almirante Marcos Sampaio Olsen, tenta sensibilizar o governo de Luiz Inácio Lula da Silva e o mundo político e empresarial para a situação, que é crítica. Em 2003, a Marinha tinha 16 navios de escolta; hoje tem oito. No mesmo ano, os navios anfíbios e tanques eram sete; agora são quatro. Só a força submarina mantém o mesmo número de embarcações: quatro. A previsão é que em 2028, os meios anfíbios e as embarcações de escolta sejam ainda mais reduzidos.

Com a publicação em julho do decreto de programação orçamentária e financeira, a Força precisou readequar-se ao chamado novo “Limite de Movimentação e Empenho (LME)”. O decreto representou uma redução orçamentária de R$ 577 milhões no LME, dos quais R$ 452 milhões de despesas discricionárias e R$ 125 milhões de despesas vinculadas ao Novo PAC. Trata-se de um redução de 33% do LME até então previsto para o ano de 2024 – em março, já haviam sido cortados R$ 169 milhões.

Olsen expôs esses números em uma palestra recente para capitães de mar e guerra. Consultada sobre eles pela coluna, a Marinha respondeu que houve “cancelamento de processos de obtenção, incorrendo em diminuição das capacidades operacionais da Força Naval, interrupção e atrasos das rotinas de manutenção programadas de navios, aeronaves e meios de fuzileiros navais, que impactam diretamente na condição de pronto emprego da Força em diferentes missões”.

O presidente Lula em cerimônia do Dia do Marinheiro, realizada a bordo do Navio-Aeródromo Multipropósito Atlântico, na Ilha das Cobras, na zona portuária do centro da cidade do Rio. FOTO: PEDRO KIRILOS / ESTADÃO Foto: PEDRO KIRILOS

E completou: “Nesse contexto constritivo, houve, também, o comprometimento de 40% dos níveis de combustível da Força, necessários ao cumprimento de requisitos mínimos de adestramento, ocasionando redução de operações planejadas, bem como a prontidão dos meios, dentre os quais aqueles empregados em ações de defesa civil e salvaguarda da vida humana no mar”.

Publicidade

Com o caixa vazio até mesmo para ações e sem recurso para a publicidade tradicional, a Força resolveu buscar no mundo das redes sociais uma forma de vencer a indiferença com que seus alertas sobre seu “naufrágio” orçamentário têm sido recebidos pelo Planalto. O almirantado procura influencers que possam mobilizar a opinião pública em torno do desejo da Força de contar com previsibilidade para seus gastos, por meio da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que destinaria o equivalente a 2% do PIB para a Defesa.

É aí que entra o nome do empresário Flávio Augusto da Silva, o bilionário dono da Wiser Educação. O homem que deixou o curso de computação na Universidade Federal Fluminense (UFF) para montar o seu negócio – a Wise Up – hoje se dedica a construir um império na educação digital e a cultivar sua presença nas redes sociais, onde se tornou um dos mais conhecidos influencers ligados ao tema do empreendedorismo – suas palestras atraem milhares de pessoas pelo País.

O jovem Flávio Augusto da Silva quando era aluno do Colégio Naval, em 1988; agora o empresário é chamado de volta para ajudar a Força Naval por meio de suas redes sociais Foto: Reprodução / Instagram Flávio Augusto da Silva

No caso de Silva, a Marinha é um reencontro. O homem escolhido para ajudar a Marinha a evitar seu naufrágio entrou em 1988 no Colégio Naval. Filho de um sargento do Exército, sonhava em seguir a carreira militar, mas a indisciplina o levou a ser desligado ao término do segundo ano. Expulso do colégio, Silva prestou vestibular para a UFF.

“A Marinha fez o certo. Eu era um adolescente rebelde, que não se adaptou à disciplina rígida do Colégio Naval. Eu não me encaixava, e era muito jovem para concluir que eu deveria sair. Precisei de uma ajudinha, e essa ajudinha veio: eles me expulsaram”, contou Silva em um podcast.

Pois é no ex-aluno do Colégio Naval que tem 12 milhões de seguidores em suas redes sociais que o almirantado deposita agora suas fichas. Decidiu ainda mais: vai agraciá-lo com o título de “Embaixador de Comunicação Estratégica da Marinha do Brasil”, em um evento a bordo do navio-aeródromo multipropósito Atlântico, o maior da Esquadra. O evento será presidido pelo comandante da Marinha e contará com a presença de todo o Almirantado.

Publicidade

Flávio Augusto da Silva, dono da Wiser Educação: doze milhões de seguidores em suas redes sociais  Foto: ALEX SILVA/ESTADAO

Segundo a Marinha, o título foi criado para “agraciar personalidades civis, que possam ampliar o alcance das mensagens estratégicas da Instituição e potencializar a percepção da sociedade sobre a importância do mar e das atividades realizadas pela MB para o desenvolvimento do País”. Flávio receberá, ainda, a Medalha de amigo da Marinha. Seu trabalho como influencer para a marinha será voluntário e não trará nenhum custo. E não haverá nenhuma ação que envolve políticos ou questões políticas.

Ao ir atrás de Silva e de outros influencers, a Marinha busca falar para fora de sua bolha. O número de seguidores em suas redes tem aumentado, segundo a Força, de forma acanhada mas consistente. E o número de comentários negativos caiu abruptamente de 2023 para 2024 – os haters praticamente desapareceram ao longo deste ano. Ela dispõe de 4 milhões de seguidores, somando Instagram, X (atualmente bloqueado) e Facebook.

A escolha da Marinha de fazer essa incursão pelo mundo das redes com seus influencers não é muito diferente do que o marketing político tem procurado fazer para tornar candidatos conhecidos durante as campanhas eleitorais. A Força Naval busca ajustar sua linguagem para obter maior engajamento com a população. E assim falar de suas ações de resgate e salvamento e combate ao crime transnacional no mar.

O navio-aeródromo Atlântico, o maior da Marinha do Brasil, no porto de Santos; é nele que o Almirantado encontrará Silva Foto: WERTHER

“Apesar da natural vocação marítima do País, os brasileiros seguem de costas para o mar. É necessário mostrar que o Brasil é inviável sem o mar, patrimônio de todos os brasileiros, riqueza que precisa ser protegida. Cerca de 20% do nosso PIB está relacionado com o mar. O mar é top, o mar tá on, o mar dá match com o Brasil!”, afirmou o diretor de Comunicação Social da Marinha, almirante Alexandre Taumaturgo Pavoni.

A coluna procurou o empresário Flávio Augusto da Silva. Enviou-lhe cinco perguntas por escrito. Eis as respostas.

Publicidade

A Marinha busca há dois anos convencer o mundo político da necessidade de previsibilidade para seus gastos, sem a qual qualquer projeto fica comprometido. Por que o senhor acha que existem poucos ouvidos no Brasil dispostos a ouvir e compreender essa situação?

A resposta mais óbvia seria atribuir o problema a questões orçamentárias e as diversas demandas da sociedade, o famoso “cobertor curto”. Porém, acredito que a falta de entendimento e visão da sociedade (e do universo político) sobre o real papel da Marinha e das demais forças armadas contribui – e muito - para este cenário. Apesar de vivermos em um País que não possui histórico recente de conflitos internacionais, as ameaças estão latentes na medida em que observamos uma escalada dos conflitos pelo mundo e o consequente aumento dos gastos militares em vários países. Dessa forma, a ameaça à soberania nacional não pode ser negligenciada, tendo em vista que a segurança marítima e o apoio às ações do Estado dependem do monitoramento constante dos riscos presentes em nossa Amazônia Azul (“território” marítimo brasileiro de 5,7 milhões de Km) e em todo entorno estratégico brasileiro. Nesse sentido, as Forças Armadas, em especial a Marinha, desempenham um trabalho fundamental e diversificado que muitas vezes só é percebido pela sociedade em casos de calamidade pública, como a recente tragédia no Rio Grande do Sul.

O que o senhor pode fazer para mudá-la? O que suas redes sociais podem ajudar a Marinha nessa missão?

As redes sociais são um dos principais meios de informação da sociedade, em especial das pessoas mais jovens, e têm papel fundamental na conscientização coletiva. Com minha presença digital, vou ajudar a traduzir questões técnicas e estratégicas da Marinha de forma clara e acessível para meus seguidores, que incluem jovens, formadores de opinião e pessoas interessadas no desenvolvimento do Brasil. Minha missão (totalmente voluntária e sem nenhum tipo de remuneração, vale destacar) será mostrar como a Marinha é uma instituição crucial para todos os brasileiros, seja em tempos de paz – ou não. O Brasil tem uma das maiores costas do planeta e milhares de milhas náuticas em rios e represas. Isso é um diferencial competitivo importante para o nosso País e a Marinha é a responsável direta por este extenso e rico território.

Qual a relação que o senhor manteve com a Marinha após sua saída do Colégio Naval?

Mesmo após a minha saída do Colégio Naval, mantive uma grande admiração e respeito pela Marinha e por seus valores. O período em que estive lá me ensinou muito sobre disciplina, compromisso e liderança, qualidades que levo comigo até hoje, tanto na minha vida pessoal quanto na profissional. Sempre estive atento às iniciativas da Marinha e agora, com esse convite para ser embaixador da instituição, sinto que posso retribuir um pouco do que aprendi, ajudando a instituição a se comunicar com as novas gerações e a mostrar sua relevância para o país.

Como o fenômeno das redes sociais pode modificar a forma de as instituições se comunicarem com a sociedade e como evitar as armadilhas que a polarização política trouxe às redes?

As redes sociais transformaram a forma como as instituições se comunicam com a sociedade, proporcionando uma interação mais direta e transparente. No caso da Marinha, isso pode ser uma oportunidade incrível para engajar o público e mostrar seu trabalho de maneira inovadora e acessível. No entanto, é importante ter uma estratégia bem definida para evitar as armadilhas da polarização política. Acredito que a melhor forma de lidar com isso é deixar de lado qualquer viés político e focar em conteúdos que sejam técnicos, educativos e que ressaltem a importância da Marinha como uma instituição de Estado, transparente, comprometida com todos os brasileiros. As redes sociais podem ser usadas para promover um diálogo construtivo e informativo, sempre com base em fatos e sem alimentar discussões polarizadoras.

Quantos seguidores e qual o engajamento que o senhor obtém em cada uma das plataformas onde o senhor está presente e quantas publicações e palestras - e o público médio delas - o senhor faz em média? Qual é o perfil do público que o segue?

Atualmente, tenho ao redor de 12 milhões de seguidores em diversas plataformas que alcançam mais de 50 milhões de impactos em minhas publicações. O público que me segue é bastante diversificado, mas majoritariamente jovem, entre 18 e 35 anos, em busca de qualificação e crescimento profissional/empresarial. Como sou empresário no setor de educação com mais de 700 mil alunos, minha agenda para palestras é bastante restrita. São apenas 10 espaços disponíveis na agenda por ano. Por outro lado, em 2024, fiz uma turnê de palestras próprias (A Trinca) por 23 capitais do Brasil que teve 100% de ocupação, atendendo cerca de 70 mil participantes; uma audiência formada por 76,4% de empresários, em busca de aulas voltadas para o crescimento de seus negócios.

Publicidade

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.