BRASÍLIA – A União apresentou uma proposta para substituir a Lei do Marco Temporal com alterações nas regras sobre uso e gestão de terras indígenas. A minuta foi apresentada nesta tarde no Supremo Tribunal Federal (STF), na comissão que busca uma conciliação sobre a lei, contestada em ações na Corte. Uma das principais mudanças propostas foi que a instalação ou ampliação de empreendimentos e atividades poluidoras nessas terras deve ser precedida de licenciamento ambiental, além de consulta prévia aos povos indígenas nos termos da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
A lei atual prevê que “cabe às comunidades indígenas, mediante suas próprias formas de tomada de decisão e solução de divergências, escolher a forma de uso e ocupação de suas terras”. Ou seja, não há licenciamento ambiental.

Além disso, a lei atual estabelece que “o usufruto dos indígenas não se sobrepõe ao interesse da política de defesa e soberania nacional”.
A Lei do Marco Temporal, na redação promulgada pelo Congresso, ainda permite a atuação das Forças Armadas e da Polícia Federal em área indígena, no âmbito de suas atribuições, independentemente de consulta às comunidades indígenas envolvidas. Esse trecho foi suprimido na proposta apresentada pela União.
O governo federal ainda não apresentou a proposta de um marco indenizatório quanto à demarcação de áreas indígenas. O tema é um dos mais sensíveis no âmbito da discussão sobre demarcação destas áreas em virtude de envolver orçamento público e por atender às demandas de proprietários de terras de áreas que possam ser demarcadas. De acordo com representantes da União que participam de audiência na mesa conciliatória nesta segunda-feira, o governo está unificando posições entre Advocacia Geral da União (AGU), Ministério dos Povos Indígenas (MPI) e Funai sobre o tema.
O juiz auxiliar do gabinete do ministro Gilmar Mendes, Diego Veras, pediu à União a apresentação da proposta quanto à indenização das áreas passíveis de serem demarcadas e de posse de proprietários com títulos de terra ou de boa-fé até o máximo na próxima sexta-feira. “O prazo é exíguo. Se a proposta não vier até sexta-feira, não temos condição de submetê-la à votação na mesa na próxima segunda-feira”, cobrou Veras. “O ministro Gilmar Mendes reforçou a preocupação quanto ao tempo para o governo dispor sobre a questão indenizatória”, acrescentou o juiz auxiliar de Mendes. Proprietários de áreas rurais pedem a indenização sobre o valor da terra nua e sobre benfeitorias realizadas nas terras e que ela seja precedente à desocupação da área demarcada.
Veras parabenizou o governo pelo esforço em unificar uma proposta interna entre os órgãos com alterações nas regras sobre uso e gestão de terras indígenas. “A primeira impressão é que a minuta apresentada pelo governo vem na direção da manutenção dos principais dispositivos da lei”, observou.
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PP, Republicanos e PL propõem regime de transição para demarcação de áreas indígenas
O PP, o Republicanos e o PL propuseram à comissão instituída pelo STF a instalação de um regime de transição para demarcação de áreas indígenas. Pela proposta, as áreas já declaradas ou delimitadas poderão ser passíveis de processo de conciliação e mediação entre não indígenas com título da terra ou posse de boa-fé e povos indígenas. Novas reivindicações de áreas serão sujeitas às regras e procedimentos estabelecidos no marco legal. A proposta foi apresentada à mesa conciliatória da Suprema Corte, que busca um acordo sobre a lei entre União, povos indígenas, proprietários de terra, municípios e Estados, em audiência nesta segunda-feira.
“Reiteramos a defesa da tese do marco temporal. Entendemos que possa ser instaurado um processo de conciliação, de mediação e de diálogo das áreas que tenham polígonos demarcados”, defendeu o representante do PP, Republicanos e PL, Rudy Ferraz, que também é diretor jurídico da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), na 16ª audiência de conciliação.
A tese do marco temporal, estabelecida em lei pelo Congresso e refutada no entendimento do STF, prevê que são passíveis de demarcação apenas áreas ocupadas pelos povos indígenas na data da demarcação da Constituição, em 5 de outubro de 1988.
A proposta dos partidos inclui também uma combinação de outros instrumentos como a indenização tanto das benfeitorias quanto da terra nua e crua aos proprietários da áreas com titulação da terra, eventual redirecionamento dos povos indígenas para demais áreas, a possibilidade de reparação econômica das comunidades indígenas em áreas com produção consolidada e a possibilidade de permuta de áreas públicas para comunidades indígenas.
“Estima-se que há 125 áreas já declaradas ou delimitadas com perímetro efetivo de reconhecimento de área que poderiam entrar nesse regime de transição e haver o reconhecimento da vigência do marco temporal para novas reivindicações”, explicou Ferraz.
A comissão iniciou os trabalhos em agosto, após o relator, Gilmar Mendes, enviar para conciliação as ações no Supremo que tratam da constitucionalidade da Lei do Marco Temporal. A ideia do gabinete do ministro Gilmar Mendes, relator das ações que questionam a lei, é ao fim das audiências conciliatórias apresentar um anteprojeto de lei com as mudanças aprovadas na comissão ao plenário da Suprema Corte. As propostas apresentadas na comissão serão votadas pelos próprios membros até chegarem a um texto consenso que será apresentado como trabalho final da comissão. Caso os membros não cheguem a um consenso, o texto base será proposto pelo gabinete do ministro Gilmar Mendes, que conduz a mesa conciliatória.
A tese do marco temporal é refutada pelos povos indígenas, que contestam o estabelecimento de uma data de ocupação das terras para reivindicarem o direito de posse sobre elas.