BRASÍLIA - O Ministério Público Federal (MPF) recomendou que Câmara Municipal de Mossoró, no Rio Grande do Norte, promova uma sessão para reconhecer como golpe militar os eventos de 1964, ao invés de “movimento revolucionário”, como foi dito na época. Na recomendação, o MPF estabelece um prazo de 30 dias para Câmara informar se acatará ou não a recomendação.
Segundo documento, assinado pelo procurador da República, Emanuel de Melo Ferreira, nesta quarta-feira, 17, o golpe militar instaurou uma ditadura que cometeu graves crimes contra a humanidade, não, em “principio da lei e da ordem”, como disse a Casa em 64. Procurada pelo Estadão, Câmara Municipal de Mossoró ainda não se manifestou.
“Os eventos ocorridos em 31 de março de 1964 não compuseram ‘movimento revolucionário’, mas sim um golpe militar que instaurou uma ditadura, a qual já poderia ser assim caracterizada desde o seu início, pois a Constituição de 1946, então vigente, não admitia, obviamente, a deposição violenta ou com grave ameaça de um Presidente da República devidamente eleito”, afirma o Ministério.
De acordo com a recomendação enviada, na terceira sessão ordinária da Câmara Municipal de Mossoró, realizada no inicio de abril de 1964, os vereadores aprovaram requerimento de número 02/64 que manifestou um voto de louvor, gratidão e confiança “às gloriosas Forças Armadas”. O documento havia endereçando um telegrafa ao general Artur da Costa e Silva com um enaltecimento do que foi chamado de ação “segura, porém pronta e imprescindível do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, terem restaurado a nossa Pátria o princípio da ordem e da lei”.
Após, a Câmara Municipal aprovou uma moção de congratulação e solidariedade ao general Humberto de Alencar Castelo Branco, então eleito presidente da República, pelo Congresso Nacional em 11 de abril de 1964. Para o MPF, tal fato demostrou o início da colaboração do Poder Legislativo local com o golpe militar.
O MPF ainda relata que um vereador solicitou a cassação dos mandatos de suplentes de outros políticos da Câmara, os quais foram considerados como “comunistas”. Na justificativa da solicitação, foi sustentado que “considerava justo o pedido de cassação dos suplentes de vereadores, (...) porque são eles inimigos da nossa Pátria, verdadeiramente traidores, que queria, a força bruta transformar o nosso país em um satélite bolchevista”.
“Os fatos históricos acima descritos compõem inegável adesão civil ao golpismo militar, efetivado a partir de forte politização das Forças Armadas, compondo processo que fora levada ao extremo com a deposição inconstitucional do então Presidente da República João Goulart”. “Diferentemente do que declarado pela Câmara Municipal de Mossoró/RN na terceira sessão ordinária, o golpe militar não restaurou o princípio da lei e da ordem, mas, na verdade, instaurou uma ditadura que cometeu graves crimes contra a humanidade”, mostra documento do Ministério.
Segundo o promotor, recomendação atende às demandas da Justiça de Transição que busca desenvolver, no Brasil, uma cultura democrática que “supere o passado militar autoritário”. Além do objetivo de que “se concretizem os direitos dos anistiados políticos, que compunham grupos perseguidos politicamente durante a ditadura”.
Além da sessão de esclarecimento, o órgão também solicita que a Câmara divulgue as atas citadas na recomendação, em publicação no site. O MPF também pede que seja organizado um espaço físico nos recintos da sede da Casa Legislativa, expondo cópias ou as próprias versões originais devidamente resguardadas dos documentos.