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Na primeira eleição direta para presidente do Brasil, 205 candidatos concorreram ao cargo

Falta de legislação eleitoral permitia que eleitor escrevesse qualquer nome na cédula, que o voto seria computado

Por Carlos Eduardo Cherem

ESPECIAL PARA O ESTADÃO/BELO HORIZONTE - Em março de 1894, o País teve sua primeira eleição para presidente, com 205 candidatos listados e com os votos registrados como válidos. A quantidade de candidatos se deu em razão da quase inexistente legislação eleitoral do incipiente regime: no período, não era necessário filiar-se a qualquer partido nem oficializar a candidatura. O eleitor tinha liberdade para escrever qualquer nome na cédula, inclusive o dele próprio ou o de um cidadão que não fosse candidato.

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O senador paulista, Prudente de Moraes (1841-1902), venceu a disputa para ser o terceiro presidente do país, e o primeiro escolhido pelo voto direto, conquistando 82,9% dos votos válidos apurados. O então governador de Minas Gerais, Afonso Pena (1847-1909), que anos depois se elegeria o sexto presidente da República, ficou com 10,9% dos votos válidos.

O senador pela Bahia, Rui Barbosa (1849-1923), escritor, advogado e diplomata; o prefeito de Salvador, Almeida Couto, ex-ministro do Império e adversário da República; e o senador por Minas Gerais, Césario Alvim (1839-1903), ex-prefeito e ex-governador do Rio de Janeiro; tiveram 1% dos votos válidos. Alvim é bisavô do escritor e compositor Chico Buarque; da ex-ministra da Cultura Ana de Hollanda e da cantora Miúcha (1937-2018).

Na sequência, veio o então governador do Pará, Lauro Sodré (1858-1944), três vezes senador pelo Estado e uma pelo Rio de Janeiro, que ficou com 0,6% dos votos válidos; o também então governador do Rio Grande do Sul, Silveira Martins (1835-1901), ex-ministro da Fazenda, teve 0,4% dos votos.

Os príncipes Pedro de Alcântara de Orleans e Bragança (1875-1940) e Augusto Leopoldo de Saxe-Coburgo e Bragança (1867-1922) também receberam votos. Um sutil protesto contra a República: netos de Dom Pedro 2.º, os dois tinham sido expulsos do País e estavam exilados na França. O então presidente, Floriano Peixoto, por sua vez, teve o nome lembrado e ficou em 16.º lugar na votação, mas de qualquer modo a Constituição de 1891 proibia categoricamente a reeleição.

Os votos brancos representaram 1,5% do eleitorado de 1894 e 198 outros nomes conquistaram 0,7% dos eleitores. Desses, 116 tiveram só um voto.

Eleitor podia escrever qualquer nome na cédula, inclusive o próprio

O professor e pesquisador da FGV-CPDOC, Jairo Nicolau, especialista em sistemas eleitorais e autor do livro História do Voto no Brasil (Jorge Zahar Editor), diz que o fato de 205 pessoas terem tido seus nomes registrados como candidatos a presidente da República no pleito de 1894 é explicado pela ausência de regras claras na legislação eleitoral á época.

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“Nesse período não havia inscrição prévia de candidato. O eleitor podia votar em quem quisesse. Por isso, tantos nomes aparecem na estatística”, diz Nicolau.

A vitória arrasadora de Prudente de Moraes, segundo o especialista, revela o jogo de cartas marcadas na disputa. Nem sequer era preciso fazer campanha. Nas primeiras décadas da República, a oposição nunca venceu. As eleições eram apenas forma de referendar uma escolha feita anteriormente pela elite política brasileira.

À época não havia polarização nas campanhas, muito menos candidatos competitivos o suficiente para enfrentar o virtual vitorioso, como ocorreu nas últimas campanhas presidenciais brasileiras. Com uma população de 14,3 milhões habitantes em 1894, o país tinha 800 mil pessoas habilitadas a votar (5,6% da população). O direito ao voto era negado a mulheres, analfabetos, mendigos, soldados rasos e religiosos sujeitos a voto de obediência. O eleitor devia ter ao menos 21 anos.

Machado de Assis comentou o seu voto em 1894

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Três dias após o pleito, em 4 de março de 1894, o jornal fluminense Gazeta de Notícias publicou uma crônica do escritor Machado de Assis descrevendo o ambiente de sua seção eleitoral, após longa espera numa fila, no período da manhã, para dar o seu voto.

Após uma descrição minuciosa das horas em que ficou na fila, o consagrado escritor e fundador da ABL (Academia Brasileira de Letras) termina desse modo a crônica: “Cinco eleitores fizeram a toilette das cédulas à boca da urna, quero dizer que ali mesmo é que as fecharam, passando a cola pela língua, alisando o papel com vagar, com amor, quase que por pirraça. Para quem guarda Deus as paralisias repentinas? As congestões cerebrais? As simples cólicas? Não me pareciam homens que pusessem os princípios acima de uma pontada aguda. Mas Deus é grande! Chegou a minha vez. Votei e corri a almoçar. Relevem a vulgaridade da ação. Tartufo, neste ponto, emendaria o seu próprio autor: “Ah ! Pour être électeur, je n’en suis pas moins homme (Ah! Um eleitor, mas nem por isso menos homem)”.

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