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O bote salva-vidas

Por Dora Kramer e dora.kramer@grupoestado.com.br
Atualização:

O governo não chamou a Polícia Federal para entrar no caso do dossiê porque quis, mas porque não tinha outro jeito. Precisava tomar alguma iniciativa depois que a tentativa de culpar a oposição fracassou e que a entrevista da ministra Dilma Rousseff a exibiu desqualificada para o manejo de situações politicamente delicadas. Sem ter para onde ir, o Palácio do Planalto foi bater à porta da PF que no primeiro mandato do presidente Luiz Inácio da Silva produziu bons dividendos políticos sob o comando de Márcio Thomaz Bastos, cuja condição de exímio criminalista livrou o governo de vários apertos. Thomaz Bastos deixou o Ministério da Justiça, mas, se levou adiante seu plano de freqüentar Brasília quando necessário, não abandonou o posto de conselheiro palaciano para assuntos de natureza legal. Está claro que a decisão de recorrer à PF não partiu nem do ministro da Justiça, Tarso Genro, nem da titular da Casa Civil. O primeiro até a semana passada considerava a hipótese "uma perversão" capaz de "transformar o País em um Estado policial". E Dilma Rousseff, mesmo depois de a Folha de S. Paulo mostrar o fac-símile do dossiê tal como saiu de um dos computadores da Casa Civil, insistia em manter a investigação sob seu controle direto, no Instituto Nacional de Tecnologia da Informação. No fim de semana alguma cabeça racional fez ver às excelências que socar a ponta da faca só renderia mais ferimentos. Não haveria mais hipótese de convencer as pessoas sobre a credibilidade do resultado da sindicância da Casa Civil. Insistir na versão do espião tucano invasor de computadores petistas em busca de dossiê contra os companheiros de partido para amarrá-lo a um bumerangue e com isso complicar o governo era persistir na inverossimilhança total. Inclusive porque não haveria como responder à seguinte questão: já que estava com a mão na massa, por que o agente tucano não aproveitou para surrupiar informações sobre os gastos do presidente Lula a fim de entregá-los à imprensa ou a alguém da oposição na CPI dos Cartões? Na impossibilidade de criar uma versão verossímil sobre a autoria, optou-se pela única saída possível: pedir à PF que descubra quem entregou o documento à imprensa e defender a licitude da manipulação de dados do Estado para fazer política partidária. Já fez isso uma vez. Em 2006 a PF investigou, não esclareceu o essencial e o País acreditou que o governo não tinha nada a ver com os petistas flagrados comprando dossiê para complicar a oposição. Se deu certo antes, pode dar de novo. Legado É herança do MST e da tolerância do Estado para com a agressão ao direito de propriedade, a consagração da invasão como instrumento de luta, mais recentemente adotado também pelo movimento estudantil. Como o poder público não impõe restrições a esse modo de reivindicação em territórios onde tem ingerência, no campo preservado pela autonomia universitária é que a estudantada se sente mesmo autorizada a invadir - ocorreu na USP ano passado e ocorre agora na UnB - para fazer valer suas vontades. No caso da Universidade de Brasília, os garotos pedem a saída do reitor Timothy Mulholland por causa dos gastos astronômicos com a decoração do apartamento funcional que ele ocupava. A destinação daquele dinheiro é objeto de investigação do Ministério Público. Se acreditam, por isso, que o reitor não pode ficar no cargo, os estudantes teriam várias maneiras de encaminhar o debate que não o recurso à violência de uma invasão. Quando o caso estava quente na imprensa e no Congresso, eles poderiam ter engrossado a movimentação, organizado adesões para exercer pressão de forma civilizada, aí no sentido realmente cívico. Teriam lucrado com o apoio da opinião pública. Agora, são vistos como mimados bagunceiros. Tampouco fica bem o senador Cristovam Buarque, antes um defensor do reitor, agora apelar a Mulholland que se licencie para permitir a desocupação da reitoria. Avaliza, com isso, o método da ocupação. Além de extemporâneo, o ato dos estudantes é um lamentável sinal de despolitização da juventude. Recorrer ao atalho da selvageria como forma de engajamento é coisa de quem não sabe nada sobre o combate democrático - que inclui, obviamente, senso de oportunidade e noção de limite. Bolsa-ditadura O então deputado federal Paulo Delgado foi o primeiro político de esquerda a questionar o pagamento de indenizações a anistiados, antes de os critérios se mostrarem permeáveis a abusos. Delgado criticava a idéia de se transformar a participação na luta política numa forma de ganhar dinheiro e, para exemplificar, criou uma frase síntese: "Se o Nelson Mandela fosse cobrar pelos 30 anos que passou na cadeia, o governo teria de entregar a África do Sul toda a ele".

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