Os impactos da Lava Jato

Especialistas comentam os reflexos da operação sob as óticas histórica, jurídica e econômica

Por Alexandra Martins
Atualização:

A Operação Lava Jato faz o País viver um momento histórico ao expor a necessidade de uma reforma administrativa. A ação terá impactos irreversíveis, à luz do maior desgaste até hoje visto na relação entre empreiteiros e poder público no Brasil. Essa é análise de especialistas das áreas da economia, do direito e das ciências sociais ouvidos pelo Estado.

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“As cenas impressionam justamente porque trazem algo de inédito. Historicamente quem é preso e punido no Brasil são pobres, negros e membros das classes populares, em oposição à impunidade que acomete os setores mais privilegiados da sociedade”, afirma o historiador Pedro Campos, professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e autor do livro Estranhas Catedrais (Ed. UFF, 2014), obra sobre a relação entre poder público e empresas de construção no Brasil.

Nesse processo de mudança, os acadêmicos divergem quanto ao grau de participação do Estado dentro da nova configuração da administração pública. O historiador, por exemplo, resgata o exemplo da agência estatal Ecex, responsável pela construção da ponte Rio-Niterói, no início dos anos 1970, para defender redução da presença do setor privado no processo de execução de obras públicas no País.

“A Ecex é um caso bastante emblemático porque ela foi criada para suprir falhas de algumas empresas privadas na construção da ponte. Quando a obra ficou pronta, em 1974, houve uma reação dura e até mesmo violenta do setor privado para que a empresa fosse desmantelada”, relatou.

O acadêmico lembra que as Forças Armadas são exemplo desse modelo estatizado. “Já existem agências públicas que tocam obras no Brasil, como os batalhões de engenharia e construção do Exército. Eles executaram trechos da obra de transposição do Rio São Francisco e ainda trabalham em obras rodoviárias. É uma forma de você ter maior fiscalização e menor custo de obras públicas no País.”

Já reforma administrativa proposta pelo economista Raul Velloso, o Estado deveria desaparecer da transação envolvendo contratos de obras públicas para assim reduzir os riscos com prejuízos nas contas derivados de atos ilícitos. “Só tem um jeito de acabar com a corrupção: é tirar o setor público do investimento. Como o governo não faz a obra, ele não tem como corromper.”, afirmou o ex-secretário de Assuntos Econômicos do Ministério do Planejamento entre 1985 e 1989.

O endurecimento das punições ou até mesmo a consolidação das políticas de governança podem não ter um “grande efeito”, diz, enquanto as condições das contratações do setor público se mantiverem. “Nós temos que fazer algo mais radical. O que estou dizendo de maneira mais ampla, e a concessão se encaixa aí também, é uma grande arrancada em prol das parcerias público-privadas. Eu chamo isso um golpe de morte na corrupção e um golpe de vida na eficiência pública”, destacou.

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Equilíbrio. O jurista Carlos Ari Sundfeld defende uma reforma administrativa com atuação equilibrada entre Estado e parceiros. “É uma aposta equivocada pensar que você vai resolver o problema da corrupção aumentando o rigor das leis ou diminuindo o campo de atuação do gestor público, que é sempre visto como o mau. É preciso investir em governança, mas também definir novos parâmetros de escolha do gestor responsável pelos contratos”, declarou. O professor da Fundação Getúlio Vargas, que participou da concepção do pregão, uma das modalidades de licitação, torce para uma combinação entre mercado, com sua expertise técnica na elaboração de contratos, e normas de governança.

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