Outro dia surgiu um bilhete embaixo da minha porta. Era o meu vizinho, convidando para tomar um café. Nós tínhamos nos encontrado algumas vezes no parque, um sujeito simpático. Pensei - bom, vou lá fazer a famosa política de boa vizinhança.
Antes de o café chegar, ele já tinha me contado que acabara de deixar o governo Bush, onde trabalhou durante 5 anos na agência para investimentos no exterior, e ia muito para o Iraque. Antes, foi candidato a deputado. Fez campanha para George W Bush. Disse que conhecia o presidente do Banco Mundial, Paul Wolfowitz (injustiçado, ele afirmou) e o ex-secretário de defesa Donald Rumsfeld. Gosta também de McCain. E achava a mídia americana uma porcaria.
"Fizeram muita coisa boa no Iraque, mas isso a gente não vê nos jornais. E você, o que acha? De que colunistas você gosta?", disparou, à queima roupa.
Fui espontânea.
"Gosto muito dos editoriais do Washington Post, do Frank Rich no The New York Times, e a Maureen Dowd tem tiradas maravilhosas....."
Senti um olhar de profundo desprezo, quase pena. Achei que ele ia jogar o café na minha cara.
"Você tem que parar de ler o editorial do Washington Post, não serve para nada. A Maureen Dowd não fala nada que seja útil. O único editorial que presta é o do The Wall Street Journal."
Tentei contemporizar.
"Olha, também gosto do editorial do The Wall Street Journal, embora às vezes não concorde, e adoro as matérias do jornal, são maravilhosas...."
Ele não se deteve.
"As pessoas que lêem jornais aqui têm uma idéia distorcida da realidade, não sabem exatamente o que está acontecendo no Iraque e nem no governo...."
Falou também sobre a ilusão de se aproximar do Irã para resolver o conflito do Iraque.
Papo vai, papo vem, saímos da política e entramos em terreno neutro - museus, raças de cachorro, ufa.
Foi ótimo, muito prazer, tchau e bênção.
No dia seguinte, um livro na minha soleira. "The case for democracy", de Natan Sharanski.
Sharanski é, ao lado de Leo Strauss, guru dos neoconservadores. Dissidente soviético, vive em Israel e é um dos defensores da abordagem linha-dura no conflito com os palestinos.
Bush recomendou a vários integrantes do governo que lessem o livro de Sharansky, um exemplo de política externa, disse na época da invasão do Iraque. Parte das idéias de exportar a democracia para o Oriente Médio vieram do livro.
O mundo precisa insistir na promoção da democracia para os povos oprimidos, e se recusar a simplesmente tolerar ditaduras e fazer negócios com tiranos, diz Sharansky.
Teoria diametralmente oposta ao realismo de James Baker, pregado no natimorto Grupo de Estudos do Iraque. E também oposto à nascente realpolitik da secretária de Estado Condoleezza Rice, que vem tentando aumentar contato com Síria e Irã. O governo Bush anunciou conversas entre Irã e EUA, embora ainda no nível embaixador-embaixador, nada de alto escalão. É sinal de que até Bush teve de admitir que são necessárias novas táticas para sair do atoleiro iraquiano. (Embora valha lembrar que, no caso da Coréia do Norte, a realpolitik bushiana ainda não rendeu frutos - os coreanos estão quase um mês atrasados no cumprimento das promessas nucleares que fizeram aos americanos, em troca da liberação de seus recursos congelados.)
PS - Conta-me uma amiga do Banco Mundial que, lá dentro, as pessoas só se referem ao imbróglio Wolfowitz-Shaha Riza como TCS (the current situation). Como o assunto é onipresente, inventaram uma sigla para facilitar as conversas.