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Presentes de Tarcísio ficam em depósito no Bandeirantes; Prefeitura tem teto de R$ 100

Governo e capital têm regras diferentes para os brindes e fiscalização; chefe do Executivo paulista já recebeu relógio, livro sobre presidente chinês, Bíblia e camisa do São Paulo

Foto do author Pedro  Venceslau
Foto do author Marcelo Godoy
Por Pedro Venceslau e Marcelo Godoy
Atualização:

Uma camiseta do São Futebol Clube autografada pelos jogadores e com o nome “Tarcísio” nas costas, duas miniaturas de carros da Polícia Civil, dois relógios da marca Orient avaliados em R$ 300 cada, uma Bíblia, uma miniatura do Monumento das Bandeiras, um calendário, um livro sobre o presidente chinês, Xi Jinping, e placas com homenagens. São esses poucos itens que o governador Tarcísio Freitas (Republicanos) ganhou desde sua posse.

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A falta de uma legislação única no País sobre os presentes cria realidades distintas nos Estados e municípios em relação ao governo federal, onde o controle dos mimos é exercido pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e pelos órgão do Executivo relacionados à incorporação de agrados valiosos recebidos por agentes públicos ao patrimônio da União. Esse é o caso do governo do Estado e da Prefeitura de São Paulo.

Os presentes recebidos nos primeiros três meses de mandato de Tarcísio estão amontoados nas prateleiras de uma sala de nove metros quadrados na garagem do Palácio dos Bandeirantes, em São Paulo, e ficarão por lá até o último dia do mandato, quando um conselho curador vai se reunir para definir o que tem valor histórico e/ou financeiro e o que pode ser levado como lembrança pelo chefe do Executivo. Caso não se interesse por nada, todo esse material será descartado para que o espaço receba as bugigangas do próximo governador.

Se o chefe do Executivo receber alguma obra de arte, objeto decorativo ou prataria com valor histórico, o material vai para outro espaço bem maior e climatizado, onde estão as 4.000 peças do acervo do museu do Palácio, que é aberto à visitação com hora marcada. “É muito custo manter um acervo que não faz sentido”, disse ao Estadão a advogada Marília Barbour, curadora do acervo.

Enquanto no plano federal o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) se envolveu em uma polêmica sobre o recebimento de presentes milionários que foram incorporados ao seu acervo pessoal, mas que terão que ser devolvidos por ordem TCU, o governo paulista e a prefeitura da capital têm protocolos próprios e rigorosos para o recebimento de presentes e outros benefícios.

Segundo o Código de Ética da Administração Pública Estadual, estabelecido por um decreto do então governador Geraldo Alckmin em 8 de maio de 2014, o agente público não receberá presentes, salvo nos casos protocolares”. “Não se consideram presentes os brindes que não tenham valor comercial; ou não tenham valor elevado e sejam distribuídos a título de cortesia, divulgação, ou por ocasião de eventos especiais ou datas comemorativas”, específica o decreto.

O artigo 6º diz ainda que o agente público “não utilizará bens ou recursos públicos, humanos ou materiais, para fins pessoais, particulares, políticos ou partidários, nem se valerá de sua função para obtenção de qualquer tipo de vantagem”. Também não poderá receber salário, remuneração, transporte, hospedagem “ou favor de particular que possa caracterizar conflito de interesses ou violação de dever”. O governador pode, porém, participar de seminários, congressos e eventos, desde que a remuneração, vantagens ou despesas de viagem não sejam pagas por pessoa que, de forma direta ou indireta, possa ser beneficiada por ato ou decisão de sua competência funcional.

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Já o Código de Conduta da Prefeitura é diferente e veda ao agente público, incluído o da alta administração, a aceitação de presentes, benefícios ou vantagens, exceto as decorrentes de premiações. “Mas não se consideram presentes para os fins deste artigo os brindes que não tenham valor comercial; ou que sejam distribuídos a título de cortesia, propaganda, divulgação habitual ou por ocasião de eventos especiais ou datas comemorativas, não ultrapassando o valor de R$ 100,00″. Acima desse valor, o presente deve ficar com a Prefeitura.

Na maioria dos casos, porém, os presentes recebidos pelos gestores se tornam um problema para ser resolvido no fim do mandato. As 1.928 peças do acervo reunido durante a primeira passagem de Geraldo Alckmin (então no PSDB) pelo governo paulista foram enviadas e ficaram encaixotadas em um porão do museu histórico de Pindamonhangaba, cidade onde o tucano nasceu, no interior de São Paulo. Doados de maneira informal por Alckmin – não há um documento que comprove como se deu essa transferência –, os objetos estão fora do alcance do público, que desde 2007 só pôde conhecer parte das peças.

Reserva técnica do Palácio dos Bandeirantes também guarda obras de arte recebidas pelos governadores Foto: Daniel Teixeira/Estadão

A informalidade levou, em 2016, o diretor do Conselho Municipal do Patrimônio Histórico, Gustavo Tótaro, a entrar com representação no Ministério Público Estadual em Pindamonhangaba questionando a incorporação do acervo. Procurada, a prefeitura da cidade não se manifestou. Já o agora vice-presidente não respondeu sobre o que foi feito do seu “acervo”.

A primeira polêmica envolvendo presentes recebidos antecedeu a criação do código de ética. Em 2006, o então deputado estadual Romeu Tuma Junior representou ao Ministério Público contra o que chamava de presentes supostamente irregulares recebidos pela primeira-dama, Maria Lúcia Alckmin – vestidos assinados pelo estilista Rogério Figueiredo. Em 2012, foi a vez do então secretário da Educação Gabriel Chalita ser investigado em razão de supostos presentes recebidos de um empresário do setor. Os dois casos foram arquivados.

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Desde 2006 até hoje, apenas cinco casos foram abertos pela Promotoria de Justiça de Defesa do Patrimônio Público para apurar o recebimento de presentes por autoridades como as joias das arábias recebidas por Jair Bolsonaro e sua mulher, Michelle. Atualmente, a promotoria não tem nenhum caso em razão da apropriação de presentes que deveriam ser do acervo público em andamento. O mesmo acontece com o Tribunal de Contas do Estado e com o do Município. O TCM chegou a informar que o controle do recebimento dos presentes não é feito pelo tribunal, apenas pela Controladoria do Município.

As regras diferentes sobre os presentes e a falta de procedimentos uniformes de fiscalização têm uma razão. Segundo o procurador-geral do Ministério Público de Contas de São Paulo, Thiago Pinheiro Lima, não se pode ter uma legislação nacional que controle o recebimento de presentes pelos funcionários públicos e ocupantes de cargos no Executivo. Portanto, inexiste uma uniformização sobre o tipo e o valor dos agrados que os agentes públicos podem receber. E há um motivo para isso: “A Constituição Federal diz que cada Ente Federativo deve regular a atuação de seus funcionário. Já as leis sobre os aspectos penais e de improbidade administrativa são de competência federal. A União, portanto, não pode interferir nos Estados e Municípios. Ela não pode dizer como cada cidade ou Estado vai regrar seus servidores.”

Questionada pelo Estadão, a Prefeitura de São Paulo declarou que há em seu poder uma lista com os bens doados em administrações anteriores. Entre os presentes estão livros, camisetas, calendários, chocolates, quadro, entre outros. Além disso, informou que todos os presentes recebidos pela administração atual “estão disponibilizados em áreas distintas da administração.” Já o agora vice-presidente não respondeu sobre o que foi feito do seu “acervo”.

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A Prefeitura de São Paulo informou ainda que foram abertos três procedimentos para análise de recebimento indevido de brindes e presentes. Dois deles foram concluídos, com a absolvição do agente público e uma demissão. O terceiro processo, que está sob sigilo, encontra-se em fase de apuração na Controladoria-Geral do Município.

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