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Pressionado, Marcos Cintra troca 'número 2' da Receita

Secretário tira auxiliar do cargo, mas preserva titulares de postos-chave no Rio, numa tentativa de deter pedidos de demissão em massa no órgão

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Foto do author Adriana Fernandes
Foto do author Lorenna Rodrigues
Por Adriana Fernandes , Lorenna Rodrigues (Broadcast) e Breno Pires
Atualização:

BRASÍLIA – O secretário especial da Receita Federal, Marcos Cintra, exonerou nesta segunda-feira, 19, o “número 2” do órgão, João Paulo Ramos Fachada, numa manobra para evitar pedidos de demissão em massa de seus auxiliares. Em troca, ele conseguiu preservar o superintendente da Receita no Rio, Mário Dehon, e o responsável pela fiscalização no Porto de Itaguaí (RJ), José Alex Nóbrega de Oliveira, e ganhou tempo para tentar contornar uma crise que ameaça até mesmo sua permanência no cargo.

Marcos Cintra, secretário especial da Receita Federal Foto: Dida Sampaio/Estadão

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O Estado apurou que Fachada resistiu a demitir os dois subalternos no Rio, o que expôs o governo. A opção por rifá-lo foi a saída encontrada para dar uma satisfação ao presidente Jair Bolsonaro e passar a imagem de que tem controle sobre o órgão. A ordem para demissões no Rio havia sido repassada a Cintra ao agora ex-auxiliar atendendo a uma determinação do Palácio do Planalto. O novo subsecretário-geral será José de Assis Ferraz Neto, que atua na área de fiscalização em Pernambuco.

Cintra negou ingerências sobre o órgão e afirmou ao Estado que “nunca mandou mudar nada”. “Sugestão de mudanças, eu recebo 20 por dia, de todos os lados, mas o interesse público prevalece”, disse, acrescentando que considera Oliveira, o delegado de Itaguaí, “um ótimo funcionário”. "Nenhuma razão para mudar.”

Delegado José Alex Nóbrega de Oliveira Foto: WILTON JUNIOR/ESTADÃO

A pressão por mudanças na Receita teve como origem o vazamento de investigações realizadas por auditores envolvendo autoridades do Supremo Tribunal Federal e reclamações do próprio Bolsonaro sobre investidas do órgão contra seus familiares, o que chamou de “devassa”. A acusação é de que auditores do órgão estariam agindo por interesses políticos.

A ameaça de interferência provocou uma crise interna, que ganhou força após a recomendação, por pessoas ligadas a Bolsonaro, da demissão de Oliveira, titular da Delegacia da Aduana de Porto de Itaguaí. A região é alvo da atuação de milicianos no contrabando de armas e outras mercadorias, além de foco de tráfico de drogas. A fiscalização tem sido reforçada no local.

Em mensagem compartilhada entre seus pares no fim de semana, Oliveira apontava a existência de “forças externas que não coadunam com os objetivos de fiscalização”. Ameaçado de demissão, ele se reuniu nesta segunda com o superintendente do Rio, Mário Dehon, e, após o encontro, disse ao Estado que sua situação estava indefinida. “Não saiu nada no Diário Oficial da União.”

A permanência de Oliveira e de Dehon – que também havia recusado dispensar o delegado –, é considerada essencial pelos subsecretários da Receita para afastar o risco de ingerência política nos trabalhos do órgão. Em reunião nesta segunda, em Brasília, com os subsecretários, Cintra se comprometeu a manter os dois no cargo. Diante da promessa, os subsecretários recuaram de um pedido de demissão coletiva.

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Os chefes da Receita, no entanto, consideram que ainda existe o risco de comprometimento de investigações, inclusive, as que envolvem autoridades. Um subsecretário disse, na condição de anonimato, que Cintra tem dado “azo” a interferências externas. Eles acreditam que, apesar das promessas do secretário, pode haver novas exonerações de subsecretários e que a estratégia do governo seria mexer aos poucos, para evitar rebelião entre os auditores.

Interferência. A troca do subsecretário-geral não encontrou resistência na cúpula da Receita, pois o substituto é considerado um bom técnico, embora pouco conhecido. Ferraz Neto foi o adjunto do atual subsecretário de Tributação, Luiz Fernando Nunes, quando ele comandava a Superintendência da 4ª. Região – Alagoas, Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Norte. Segundo um interlocutor de Ferraz Neto, o convite foi inesperado.

Ao Estado, Cintra elogiou o novo subsecretário, disse que a escolha foi uma “unanimidade”, mas se queixou do que chamou de “clima de fofoca” na Receita. “A quem interessa? Mudanças organizacionais em uma estrutura de 25 mil pessoas são normais.”

O secretário lembrou que, desde o início do governo, a Receita tem passado por reestruturação após a medida provisória que obrigou o corte de cargos comissionados na Esplanada dos Ministérios. Cintra disse que o foco não é “mudança de pessoas”, mas de estrutura funcional. “Estamos há meses reduzindo delegacias, agências e cortando pela metade as superintendências.”

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Autarquia. Ainda não há uma definição do ministro da Economia, Paulo Guedes, sobre a possibilidade de a Receita se transformar uma autarquia, como revelou o Estado. A mudança vem no rastro da migração do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) para o Banco Central.

Guedes ficou satisfeito com a “solução” do Coaf e quer um modelo parecido para blindar tecnicamente a Receita. Ele aguarda estudos da sua equipe. A eventual transformação do órgão em autarquia, no entanto, sofre resistência entre os auditores fiscais, que veem riscos de impacto nos trabalhos de investigação. 

Bolsonaro janta nesta terça-feira, 20, com os ministros do Tribunal de Contas da União (TCU). Na pauta, além da situação das contas públicas, estão o acesso a dados sigilosos de autoridades públicas federais por parte de auditores. Uma decisão do ministro Bruno Dantas determinou que a Receita passe a relação de servidores que tiveram acesso a dados – o prazo para resposta ainda não se esgotou. / COLABOROU MARIANA DURÃO

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