Dado que o cenário enfrentado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em seu terceiro mandato é bem diferente e mais difícil do que o encontrado em mandatos anteriores, o petista tem adotado estratégia distinta em meio à guerra quase diária em que se transformou a relação entre os Poderes em Brasília. Em linhas gerais, Lula escolheu ser sempre o último a apresentar suas cartas, ainda que precise enfrentar algum desgaste antes de suas decisões. Até aqui, entre solavancos e derrotas menores, entregando muito espaço a aliados e a outros nem tão aliados assim, ele tem conseguido se salvar do agravamento de crises usando essa manobra. Mesmo com uma articulação questionada, o governo tem conseguido aprovar o que prioriza no Congresso - e quando perde é em questões que interessam ao PT mas que Lula mesmo não está nem aí, como o marco temporal - e não sofre derrotas no Judiciário. Geralmente, os grandes focos de incêndio que enfrenta vêm mais de dentro do governo do que de fora, como os casos de Juscelino Filho e da dama do tráfico, revelados pelo Estadão.
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O caso da escolha de Flávio Dino ao Supremo Tribunal Federal (STF) exibe bem essa estratégia. O presidente foi pressionado por semanas para decidir logo entre três nomes que despontavam. Além de Flávio Dino, o escolhido, Jorge Messias (o preferido do PT), e Bruno Dantas (que tinha simpatia no Parlamento por abrir também uma vaga para o Senado escolher ao TCU). Se Lula tivesse escolhido Dino lá atrás, quando foi pressionado, estaria agora diante de uma enrascada na hora de negociar a paz com ministros do STF. Nesse jogo, o Senado apresentou suas cartas, aprovando uma redução de poderes dos ministros, e contando com o voto do líder Jaques Wagner e de seus aliados. Dessa forma, o governo conseguiu manter a paz com Rodrigo Pacheco, mas viu a ira dos ministros do Supremo. As indicações de Dino ao STF e de Paulo Gonet à Procuradoria Geral da República (PGR), os dois preferidos de Gilmar Mendes e de Alexandre de Moraes, acalmaram os ânimos entre Executivo e Judiciário. A decisão já tomada antes do problema virou solução para ele.
No caso da relação com o Congresso, a aliança com Pacheco vinha começando a se desgastar com a decisão do presidente de não indicá-lo ao STF como inicialmente queria o político mineiro, e com a necessidade de Pacheco e de seu aliado Davi Alcolumbre fazerem acenos ao bolsonarismo tanto pela manutenção do poder no Senado na próxima disputa da mesa (quando o amapaense deve ser o candidato), quanto na corrida eleitoral ao governo de Minas em 2026 (na qual Pacheco quer se apresentar). Ao impedir nos bastidores que Pacheco e Alcolumbre fossem derrotados na votação sobre a redução de poder do STF (com a manobra de Wagner) e ao entregar ao presidente do Senado a primazia da solução para a crise fiscal de Minas Gerais, Lula evitou sofrer consequências na Casa. Se Pacheco decidiu mirar no Judiciário e não no Executivo para agradar o bolsonarismo, o raciocínio é que, por enquanto, a estratégia do governo funcionou.
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Na Câmara também o governo vai cozinhando a relação com Arthur Lira (PP-AL) numa condição em que tenta evitar a subserviência vista no governo Bolsonaro. Lula não tem força para enfrentar o presidente da Câmara hoje, o que pode mudar na medida em que o mandato de Lira na Mesa for chegando ao fim. Assim, tem que ceder, mas escolhe o momento a dedo para também usar cada capitulação como uma solução de problemas. As trocas ministeriais exigidas pelo chefe da Câmara foram empurradas até o limite, usando condicionantes de votações importantes para isso. No caso da mudança na Caixa Econômica Federal isso ficou ainda mais claro. Lula teria que ceder a Lira de qualquer forma. Esse preço já estava calculado. Mas ele foi esperando até que surgisse um momento em que a fúria do presidente da Câmara atingisse o ápice. Quando Lira apareceu em uma lata de lixo em uma exposição patrocinada pelo banco, Lula fez a nomeação do aliado do PP e selou a paz com o deputado. Mais uma vez trouxe a solução para um problema que ainda não existia quando precisou decidir.
A questão é que a estratégia, repetida em várias ocasiões, vai ficando manjada. Em algum momento, pode não colar. O governo Lula conta, porém, com o seguinte raciocínio: aos comandantes dos outros Poderes não interessa romper todas as pontes com o Executivo. O que ocorreu com Rodrigo Maia deu esse exemplo. Aos ministros do Supremo, que vivem um embate com o Legislativo, também não. É preciso ver, porém, se todos sempre vão pensar assim.