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Análise|Sessão dos vetos presidenciais mostra que desarticulação do governo Lula continua no Congresso

Planalto adia votações para evitar derrotas, mas não garante apoio mais adiante; ‘às vezes, o empate dá vitória’, diz senador Randolfe Rodrigues, líder do governo

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Foto do author Vera Rosa
Atualização:

BRASÍLIA – A sessão do Congresso convocada nesta quinta-feira, 9, para analisar vetos presidenciais a propostas aprovadas por deputados e senadores mostrou que o governo ainda está desarticulado na política. Embora o Palácio do Planalto tenha conseguido adiar a votação do veto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao projeto de lei que proíbe a saída temporária de presos e também ao cronograma definido pelo Legislativo para pagamento de emendas parlamentares, ficou evidente a fragilidade das negociações ali entabuladas.

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Diante da falta de votos para impedir que a oposição, com apoio de alguns deputados do Centrão, desse uma rasteira no Planalto, a estratégia foi apelar pelo adiamento, na tentativa de haver um acordo nos próximos dias.

“Quem joga pelo empate também ganha. Às vezes, o empate dá vitória”, disse ao Estadão o senador Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), líder do governo no Congresso.

O ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, e o líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues: sem perspectiva de acordo. Foto: Wilton Junior/Estadao Foto: WILTON JUNIOR

O Planalto não quer que haja um calendário estanque para o desembolso de emendas porque a liberação desse dinheiro virou moeda de troca para barganhas políticas feitas pelo governo às vésperas de votações de seu interesse. Na avaliação de ministros ouvidos pelo Estadão, o modelo aprovado pelo Congresso é uma “camisa de força”.

Depois de muitas idas e vindas e discursos acalorados no plenário, a análise dos vetos presidenciais mais polêmicos ficou marcada para o próximo dia 28, às vésperas do feriado de Corpus Christi.

Na hora do almoço, enquanto parlamentares se revezavam na tribuna, uma televisão do cafezinho da Câmara exibia mensagens explicativas sobre aquela sessão. “O que é veto? É a discordância do Presidente da República com algum projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional, que pode dar a palavra final e dizer se o texto vai ou não virar lei”, dizia o letreiro.

Mensagem na TV explica o que é veto presidencial durante sessão do Congresso. Foto: Reprodução/Câmara dos Deputados via YouTube

Antes das 15 horas, líderes do governo anunciaram haver um acerto com a oposição para que, no lugar de um cronograma fixo de pagamento de emendas, o Executivo liberasse 55% das chamadas transferências especiais, ou PIX, até 30 de junho. Na prática, esses recursos caem diretamente no caixa das prefeituras e dos governos estaduais antes de qualquer licitação.

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‘Todo mundo aqui tem um prefeito e precisa de respostas’, diz Alcolumbre

A data de 30 de junho é o prazo limite por causa das eleições municipais, marcadas para outubro. “Esse é um ano atípico e todo mundo tem compromissos a cumprir”, argumentou o senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). “Todo mundo aqui tem um prefeito, uma prefeita, e precisa de respostas.”

Além disso, em troca da manutenção do veto ao calendário fixo de liberação das emendas, o Planalto também propôs o pagamento de emendas individuais destinadas à saúde. Mas tudo ficou para ser analisado no dia 28 e não há garantia de acordo.

“O que acontece nessa Casa é igual a uma música dos anos 80: ‘Tudo muda numa noite’”, resumiu Randolfe. “O problema é que, por trás disso tudo, existe um clima de insegurança política. Muitos vetos do presidente são derrubados porque não se confia no governo”, afirmou o deputado Danilo Forte (União Brasil-CE), relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).

Após muita confusão, deputados e senadores que ainda nesta quinta-feira aprovaram projetos do governo para envio de recursos às vítimas da tragédia climática no Rio Grande do Sul concordaram em cumprir um acordo feito com o Planalto e não derrubaram totalmente o veto de Lula, no valor de R$ 5,6 bilhões, para emendas de comissão. Com isso, o governo conseguiu ficar com R$ 2 bilhões dessa fatia do Orçamento.

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Em contrapartida, perdeu arrecadação em outras medidas. O Congresso barrou, por exemplo, o veto de Lula em um importante pedaço da lei que regulamenta as apostas esportivas on-line, conhecidas como “bets”. O trecho reabilitado indica como prêmios das apostas esportivas devem ser taxados pelo Imposto de Renda. A fórmula isenta de tributação ganhos de até R$ 2.259 e vai na contramão do que defende o Ministério da Fazenda. O governo também viu seus pontos de vista derrotados a respeito da flexibilização de registro de agrotóxicos e mudanças na lei das licitações, entre outros.

O ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, não passou recibo das dificuldades do governo. “Vim aqui fazer um agradecimento ao presidente Rodrigo Pacheco (que comanda o Senado) pela velocidade de aprovar medidas para salvar vidas no Rio Grande do Sul”, disse Padilha, ao desembarcar à noite no Salão Azul do Senado.

Aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro estavam prontos para derrubar o veto de Lula ao projeto que impediu a chamada “saidinha” de presos do regime semiaberto para visita a parentes. “Haverá mais um feriado do Dia das Mães no próximo domingo e centenas de presos poderão ir às ruas”, insistiu o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ). Seu colega Sérgio Moro (União Brasil-PR) foi na mesma linha. “Se houver uma tragédia, alguma responsabilidade será atribuída a nós”, concordou o ex-juiz da Lava Jato.

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O senador Flávio Bolsonaro tentou derrubar o veto do presidente a trecho do projeto que proíbe a 'saidinha'. Foto: Saulo Cruz/Agência Senado. Foto: div

O governo só conseguiu adiar essa votação com a ajuda do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), porque a oposição temia a derrubada de vetos de Bolsonaro, em 2021, a artigos da Lei de Segurança Nacional (LSN) revogados pelo Congresso. Os dispositivos vetados pelo ex-presidente preveem aumento de penas para crimes contra o Estado Democrático de Direito, muitos dos quais envolvendo atos de “comunicação enganosa em massa”, por exemplo. Nesse caso, os aliados de Lula querem tirar de cena as proibições impostas por Bolsonaro.

“Não gostaria, mas vou ser obrigado a aceitar, por responsabilidade à Lei de Segurança Nacional, o acordo para que o brasileiro veja mais uma vez, neste domingo, os milhares de presos saindo para visitarem familiares por ocasião do feriado do Dia das Mães”, ironizou Flávio Bolsonaro, líder da Minoria. “Nós precisamos manter o veto referente à LSN porque senão vamos inviabilizar as ações da Polícia Militar para evitar algo mais grave”, completou o deputado Alberto Fraga (PL-DF), integrante da bancada da bala.

E assim, de adiamento em adiamento de votações, o governo vai ganhando tempo. Pode até segurar por mais alguns dias derrotas anunciadas, como a da “saidinha”, mas, sem contar o revés esperado em propostas vistas como “ideológicas” pela oposição, a articulação política do governo com o Congresso ainda está levando bola nas costas. “Aqui é assim: cada dia com sua agonia”, admitiu Randolfe.

Análise por Vera Rosa

Repórter especial do ‘Estadão’. Na Sucursal de Brasília desde 2003, sempre cobrindo Planalto e Congresso. É jornalista formada pela PUC-SP. Escreve às quartas-feiras

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