Tese de crime permanente faz STF avaliar de novo alcance da Lei da Anistia

Ação do MPF que questiona validade jurídica da legislação que perdoou crimes do regime militar deverá ser julgada pela Corte

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O debate sobre o alcance e a validade jurídica da Lei da Anistia acaba de retornar à agenda do Supremo Tribunal Federal (STF). Tudo indica que a questão da punição a agentes de Estado que cometeram graves violações de direitos humanos durante a ditadura voltará a ser um dos grandes debates da Corte nos próximos meses.

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O retorno se deve principalmente ao Ministério Público Federal (MPF). Após 31 meses de tentativas e enfrentamento de resistências em primeiro e segundo graus da Justiça Federal, os procuradores da República conseguiram fazer chegar à mais alta Corte do País uma ação na qual pleiteiam punição penal a um grupo de militares que acusam de sequestro, homicídio, ocultação de cadáver, fraude processual e formação de quadrilha armada.

Trata-se de um caso emblemático: a vítima do grupo apontado pelo MPF é o ex-deputado federal Marcelo Rubens Paiva. Sequestrado em 1971, ele foi conduzido a uma repartição do Exército no Rio e nunca mais foi visto. Faz parte da lista de mortos e desaparecidos nos anos de chumbo.

Lei da Anistia acaba de retornar à agenda do Supremo Tribunal Federal (STF) Foto: Ed Ferreira/Estadão

Acordo político. O primeiro debate no STF sobre a Lei nº 6683, de 28 de agosto de 1979, mais conhecida como Lei da Anistia, ocorreu em 2010. Na ocasião, provocada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), com a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 153 (ADPF 153), a Corte definiu que a lei está de acordo com a Constituição promulgada em 1988.

A maioria dos ministros também reafirmou, acompanhando o voto do relator, o então ministro Eros Grau, o entendimento de que ela beneficia tanto os perseguidos pela ditadura quantos os agentes de Estado acusados de crimes cometidos no período de exceção. Segundo o relator, a lei resultou de um amplo acordo político, permitiu a redemocratização e não deve ser desrespeitada.

A discussão agora tem novo viés. Desde fevereiro de 2012, quando começou a levar à Justiça Federal ações propondo a penalização de agentes públicos apontados como autores de crimes na ditadura, os procuradores federais apontam duas questões para o debate jurídico.

A primeira é que a lei, embora de acordo com a Constituição, atropela acordos internacionais dos quais o Brasil é signatário e segundo os quais os chamados crimes contra a humanidade, como a tortura e a morte por motivos políticos, não podem ser anistiados.

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Sentença. O MPF ancora sua tese sobretudo na decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos que, em 2010, logo após o acórdão do STF, condenou o Brasil no julgamento de uma questão sobre a Guerrilha do Araguaia. A corte internacional sentenciou o Brasil a investigar os crimes da ditadura e punir os possíveis responsáveis.

A segunda tese dos procuradores federais é a do crime permanente. No caso de Paiva - e em outras sete ações semelhantes levadas à Justiça entre fevereiro de 2012 e janeiro deste ano - eles argumentam que os envolvidos não podem ter sido beneficiados pela anistia, porque seus crimes ainda estariam em andamento, uma vez que os corpos não foram localizados. A lei estabeleceu a anistia apenas para crimes ocorridos entre 1961 e 1979.

Nas ações, nas quais acusam 15 pessoas e descrevem com detalhes o horror da tortura nos porões da ditadura, os procuradores citam decisões do próprio STF. Mencionam pedidos de extradição feitos pela Argentina de militares acusados por crimes de sequestro e ocultação de cadáver no período da ditadura naquele país. Os ministros concedem a extradição alegando que o crime permanece até se descobrir o paradeiro das vítimas.

Ao se manifestar sobre uma dessas extradições, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, mencionou o Brasil. Disse que o País deve se submeter às convenções internacionais das quais é signatário e sugeriu a revisão da interpretação da anistia.

Familiares de mortos e desaparecidos políticos acompanham o debate com atenção. Acredita-se que a mudança de perfil dos ministros do STF ocorrida desde 2010 pode favorecer a revisão da interpretação da lei em vigor desde 1979.

1979

LEI DA ANISTIA

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Promulgada em 1979, no governo do general João Baptista Figueiredo, lei anistia cidadãos que, entre os anos de 1961 e 1979, foram considerados criminosos políticos. Aprovada após longa campanha nas ruas e debates políticos, lei garante retorno dos exilados ao País, restabelecimento dos direitos políticos e volta ao serviço de funcionários da administração pública.

2010

STF CONTRA REVISÃO

O Supremo Tribunal Federal rejeita pedido da Ordem dos Advogados do Brasil por revisão na interpretação da Lei da Anistia. Maioria na corte segue voto do relator, ministro Eros Grau, e afirma que lei beneficiou também agentes de Estado apontados como autores de crimes contra os direitos humanos, como a tortura e o desaparecimento forçado, na ditadura.

2011

ARAGUAIA

Em dezembro de 2010, a Corte Interamericana de Direitos Humanos condena o Brasil por violações de direitos humanos na Guerrilha do Araguaia e determina a investigação e punição dos crimes. Em 2011, o Ministério Público Federal começa a discutir maneiras de implementar a decisão da corte e a estudar casos de crime permanente, como sequestro e desaparecimento.

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2012

CORONEL USTRA

Nas ações iniciadas pelo MPF na Justiça Federal em 2012 destaca-se a presença do coronel da reserva Carlos Alberto Brilhante Ustra, que chefiou o DOI-Codi do II Exército, em São Paulo, entre 1971 e 1974. A ação na qual é acusado por crime de sequestro qualificado e continuado do corretor de valores Edgard de Aquino tramita na Justiça Federal.

2014

CASO RUBENS PAIVA

Em maio de 2014, o MPF apresenta ação contra cinco militares acusados de sequestro, homicídio e ocultação de cadáver no caso do ex-deputado federal Rubens Paiva. Após idas e vindas, o processo chega ao Supremo Tribunal Federal. Ministro Teori Zavascki concedeu liminar suspendendo a tramitação. O mérito será julgado pela Corte.

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