Um ano após PL das Fake News ser enterrado, propostas empacam no governo e se empilham no Congresso

Reuniões semanais na Casa Civil continuam a ser feitas, sem que os ministérios envolvidos cheguem a um consenso sobre o texto final; tema esfriou no Legislativo

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Foto do author Guilherme Caetano
Atualização:

BRASÍLIA – Um ano após o então presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), enterrar o projeto de lei conhecido como PL das Fake News e jogar à estaca zero a discussão do texto, propostas similares para regulação das plataformas digitais empacam no governo Lula e se empilham no Congresso.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, chegou a listar a regulamentação econômica das big techs entre as suas prioridades apresentadas em fevereiro aos presidentes da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP). Mas pouco esforço do Executivo foi empreendido para aprovar a iniciativa.

A Câmara dos Deputados chegou a aprovar a urgência do PL das Fake News em 2023, mas projeto saiu da pauta a acabou engavetado por Lira em 2024. Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados - 25/04/2023

Como o Estadão mostrou, o governo Lula elabora dois projetos sobre o tema — um no Ministério da Justiça e outro na própria Fazenda —, mas eles perderam força quando a Secretaria de Relações Institucionais, então comandada por Alexandre Padilha, passou a defender a aprovação de um projeto da oposição para resolver a questão.

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Desde então, reuniões semanais na Casa Civil continuam a ser feitas, sem que os ministérios envolvidos cheguem a um consenso sobre o texto final. Pessoas envolvidas nas discussões relataram ao Estadão temor de que o Executivo perca tempo demais e não consiga concluir a regulação antes do fim do ano, uma vez que as chances de aprová-la em ano eleitoral são baixas. Uma delas menciona uma música de Chico Buarque para expressar o sentimento: “Eu bem que mostrei a ela, o tempo passou na janela, e só Carolina não viu”.

Tramitam hoje no Congresso Nacional 159 projetos de lei visando algum grau de regulação nas redes. Vinte e cinco deles abordam o Código Penal, oferecendo novos tipos penais ou aumento de penas, 17 se referem à proteção de crianças e adolescentes, 14 tratam de combate a notícias falsas e 11 se referem à vedação do anonimato.

A regulação das redes, no entanto, é hoje um não assunto no Congresso. Após Lira engavetar o PL das Fake News, decorrência de uma avaliação de que o texto estava “contaminado” pela disputa ideológica e “não iria a lugar nenhum”, o tema jamais voltou a ser prioridade na Casa. Um grupo de trabalho “sobre a regulamentação das redes sociais” chegou a ser criado, mas nunca se reuniu nesses doze meses.

Em janeiro, houve um sopro de esperança para especialistas interessados no avanço do debate. A Advocacia-Geral da União (AGU) convocou a audiência para colher subsídios técnicos para seu posicionamento no Supremo Tribunal Federal (STF) em julgamentos sobre o tema, mas o evento serviu a uma estratégia mais ampla. O governo Lula aproveitou o evento para reavivar a discussão sobre regulação das redes sociais.

Nos bastidores, auxiliares do governo relatam que houve uma corrida para participar do evento assim que ele se tornou público, e o encontro impressionou pela mobilização inesperada. Houve 203 participantes online e 85 presenciais, além dos 45 convidados para se manifestar, incluindo os sete representantes das plataformas.

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No corredor ao lado de fora do auditório, os presentes debatiam sobre a necessidade de engrossar o caldo do debate, a fim de abrir uma nova janela de oportunidade para a aprovação de um projeto de lei no Congresso. Mas nada avançou.

Para o advogado criminalista Sérgio Rosenthal, a dificuldade em avançar com os debates reside na complexidade do tema e na politização sobre o projeto, tanto em âmbito legislativo quanto judiciário. Ele não vê o País atrasado sem uma regulação das plataformas como o PL das Fake News previa, por entender que o Marco Civil da Internet oferece uma legislação apta o suficiente para coibir abusos.

Rosenthal, no entanto, diz que a regulação existente pode ser aprimorada, principalmente no que se refere ao anonimato nas redes. Hoje, é possível criar contas e perfis em diversas redes sociais sem que seja possível identificar-se. Muitos usuários se escondem em perfis de sátiras para produzir conteúdo de humor, mas outros se valem da brecha para praticar crimes.

“Ao mesmo tempo em que nossa constituição garante a liberdade de expressão, ela proíbe peremptoriamente o anonimato. Uma vez que as redes sociais não podem ser punidas pelo conteúdo divulgado por um dos usuários, elas precisam criar condições para que os usuários que cometam abusos possam ser responsabilizados e punidos por seus atos”, diz ele.

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Já Dinovan Dumas, especialista em direito penal econômico pela Universidade de Coimbra e sócio do Maciel, Fernandes, Basso e Dumas Advogados (MFDB), diz que a aprovação de uma regulação para as redes é urgente. Ele defende o combate à desinformação e a transparência algorítmica previstos em um dos projetos já protocolados no Congresso e critica a regulação ficar a cargo de agências regulatórias e a responsabilização solidária das plataformas por danos causados por terceiros, contidos em outros textos.

“A proteção de crianças e adolescentes nas redes é a maior e mais urgente prioridade. A grande questão, contudo, está na aparente proliferação de propostas desconexas (no Congresso), como a criminalização de “crimes de opinião”, que, sob o pretexto de respeitar a liberdade, fragiliza o combate a discursos de ódio e ilícitos. Tenho para mim que é tempo de o Congresso focar em normas técnicas e consensuais, evitando polarizações ideológicas que distorcem o debate e o interesse público”, afirma Dumas.

As propostas para a regulação das plataformas

O projeto do Ministério da Justiça, elaborado na Secretaria de Políticas Digitais (Sedigi), mira a regulação dos serviços digitais e se volta mais ao direito do consumidor do que à punição às plataformas. O texto visa, por exemplo, dar maior transparência de informações aos usuários de redes sociais, como termos de uso e identificação de publicidade.

O projeto pensado pela Fazenda, por sua vez, mira o mercado das plataformas de redes sociais e trata de aspectos econômicos e concorrenciais. O texto amplia sobretudo o poder do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) para investigar e definir novas obrigações para as empresas. A ideia é combater, por exemplo, eventuais monopólios na oferta de serviços, anúncios ou buscas e outras formas de abuso de poder.

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Já o projeto proposto pelos deputados federais Silas Câmara (Republicanos-AM) e Dani Cunha (União-RJ) é o mais promissor entre todos da seara. Ele institui a Lei de Proteção às Liberdades Constitucionais e Direitos Fundamentais e designa a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) como autoridade competente para regular as plataformas, ao lado da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD).

O tema também deve ter definições no Judiciário. O STF julga, desde novembro, a constitucionalidade de um artigo do Marco Civil da Internet sobre a responsabilidade dos provedores de aplicação por conteúdo ilícito gerado por terceiros. A Corte se encaminha para obrigar as empresas a remover conteúdo criminoso antes mesmo de decisões judiciais. O julgamento foi suspenso por um pedido de vista e deve ser retomado neste semestre.

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