Checagem de fatos combate fake news para além da política e decisão da Meta expõe viés de Zuckerberg

Análise aponta conteúdos ‘politicamente sensíveis’ como só uma parte do universo de informações falsas disseminadas em plataformas como Facebook e Instagram, nos EUA; decisão da Meta de suspender programa de verificação ignora aspectos técnicos do trabalho realizado em mais de cem países

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Foto do author Vinícius Valfré

BRASÍLIA – A decisão anunciada pelo CEO da Meta, Mark Zuckerberg, de encerrar o programa de combate à desinformação em suas plataformas nos Estados Unidos deu força a uma concepção equivocada sobre o trabalho de verificação jornalística. A atividade não é censura. Não é um cabo de guerra entre opiniões discordantes. Verificação é simplesmente o clássico trabalho jornalístico de sobrepor narrativas sem lastro com fatos apurados com rigor e profissionalismo – e de fazê-lo com respeito às diferenças, sem ofensas pessoais ou a grupos.

Zuckerberg disse que baseou sua decisão na necessidade de “restaurar a liberdade de expressão”, livrando assim os conteúdos publicados do “viés político” dos checadores. O executivo ignorou, porém, que grande parte das verificações ajudaram os usuários das redes sociais a se proteger de notícias falsas com impacto ruinoso sobre suas finanças e de conselhos desastrosos para a saúde.

Mark Zuckerberg, CEO da Meta, anunciou fim do programa de checagem de fatos nos EUA Foto: David Zalubowski/AP

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Acima está apenas uma pequena amostra de desmentidos feitos nos últimos meses por serviços de checagem no Brasil.

Em sua imensa maioria, os conteúdos que são submetidos à verificação são indicados pelos próprios usuários ou pegos por sistemas de alerta automatizados das plataformas. Quando uma publicação é classificada por verificadores humanos como “falsa” ou “adulterada”, ela não é retirada do debate público. Apenas tem seu alcance reduzido e ganha um rótulo que indica o porquê da classificação. Ao mesmo tempo, o fato profissionalmente apurado é exibido.

Os verificadores são certificados pela entidade apartidária Rede Internacional de Verificação de Fatos (IFCN, na sigla em inglês) ou pela Rede Europeia de Normas de Verificação de Fatos (EFCSN). A certificação garante que o trabalho seja feito sob rigorosos critérios de transparência e apartidarismo, revisados periodicamente por avaliadores externos.

O passo a passo da checagem também é exposto, de modo que os usuários possam conhecer os critérios e auditá-los se assim o desejarem. No Brasil, fazem parte desse programa AFP, Agência Lupa, Aos Fatos, Estadão Verifica, Reuters e UOL Confere.

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Mark Zuckerberg anunciou no último dia 7 que a Meta, detentora do Facebook, do Instagram, do Threads e do WhatsApp, encerraria o programa de verificação e o substituiria por um sistema de Notas da Comunidade, semelhante ao já adotado pelo X, o antigo Twitter, de Elon Musk. Em pronunciamento nas redes sociais, o executivo contrariou suas convicções antigas a respeito da eficiência dos mecanismos de checagem, afirmando que “os verificadores de fatos foram politicamente tendenciosos e destruíram mais a confiança do que a criaram.” Em uma referência velada ao Supremo Tribunal Federal (STF) brasileiro disse que “países latino-americanos têm tribunais secretos que podem silenciosamente derrubar” conteúdos.

Os critérios do que sejam conteúdos checáveis foram definidos pela própria Meta e devem continuar vigorando nas plataformas da empresa fora dos Estados Unidos. Os mais fortes ataques aos programas de checagens da Meta se originam de grupos identificados com a direita e a extrema direita. Alexios Mantzarlis, ex-diretor do International Fact-Checking Network at Poynter, em artigo publicado no site do NiemanLab, reconhece que numericamente as verificações recaem majoritariamente sobre conteúdos que contrariam as convicções de pessoas daqueles espectros políticos. A explicação dele é a de que as publicações dos usuários de direita e extrema direita superam numericamente, em muito, os conteúdos falsos postados por usuários de esquerda e extrema esquerda.

Considerado uma referência global no tema, Mantzarlis, integrante também da Cornell Tech, em Nova York, analisou 100 alegações falsas escolhidas aleatoriamente e desmentidas recentemente pela PolitiFact, uma agência de checagens parceira da Meta nos Estados Unidos. Só 21% delas diziam respeito a temas “politicamente sensíveis” – enquanto 45,1% das postagens diziam a respeito a temas cotidianos.

“Zuckerberg não mencionou que uma grande parte do conteúdo que os verificadores de fatos têm sinalizado não é discurso político. Em vez disso, é o ‘spam’ de baixa qualidade que as plataformas Meta mercantilizaram”, escreveu Mantzarlis em um artigo recente publicado no site do NiemanLab, de Harvard.

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A devastação no debate público causada pela desinformação em temas de fora da polarização política também é realidade no Brasil. Mentiras sobre vacinas que impactam a imunização de crianças e golpes virtuais que levam prejuízos financeiros à população de baixa renda costumam consumir tempo no trabalho de checadores brasileiros. Mais recentemente, uma série de postagens inexatas se aproveitaram da baixa credibilidade das autoridades e dos políticos no Brasil para especularem sobre a possível taxação do Pix. Isso reduziu a utilização desse meio de pagamentos no País.

“Checagem de conteúdo político é apenas parte do trabalho dos fact-checkers. Conteúdos fraudulentos sobre temas como saúde, finanças e crise climática vão viralizar ainda mais se não houver checadores nas redes sociais”, pontuou Daniel Bramatti, editor do Estadão Verifica, ex-presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e integrante do conselho consultivo da IFCN.

Para Tai Nalon, diretora-executiva do Aos Fatos, a decisão da Meta deixa áreas sensíveis descobertas. “É muito popular a desinformação sobre curas milagrosas de doenças, vendas de falsos emagrecedores e golpes aplicados na venda de determinados remédios. Existe uma estratégia de golpistas que utilizam de desinformação para vender produtos. A decisão da Meta pautada em percepção ideológica deixa descoberta várias outras áreas que não estão politicamente expostas”, disse.

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Líder da organização que faz checagem e combate desinformação, ela alerta que um conjunto de temas, como os relacionados à vacinação, não tem inicialmente natureza política, mas acabam capturados por segmentos. “É muito difícil distinguir onde começam os interesses políticos por trás da desinformação e a mera desinformação como enganação e poluição do ambiente informacional”, completou.

“Fact-checkers seguem um código de princípios, e um dos itens mais importantes é o apartidarismo. Dito isso, é natural que determinado grupo seja mais afetado por checagens se ele espalha mais desinformação. Estudos mostram que, hoje, é a extrema direita quem mais dissemina falsidades como estratégia de engajamento nas redes”, afirmou Bramatti.

Até o fim do ano passado, o programa de checagem da Meta era algo do que a empresa se orgulhava. Em um comunicado sobre como se preparava para as eleições do Parlamento Europeu, divulgado em 2024, a empresa ressaltou que ao longo dos últimos oito anos “construiu o maior programa de verificação de fatos” das redes sociais “para ajudar a combater a disseminação de desinformação”.

Agora, Zuckerberg mudou o discurso e disse que “os checadores se tornaram politicamente enviesados demais” e mais “prejudicam do que ajudam o processo de criação de confiança”. Os dados oficiais da empresa depõem contra ele.

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Um relatório de transparência da Meta, publicado em outubro, mostra que só 3% das checagens realizadas por parceiros da União Europeia acabaram revistas. Entretanto, mais de 86% dos conteúdos rotulados como violentos ou de incitação à violência foram restaurados após reanálise. O número indica que a “taxa de erro” das verificações é mínima, se comparada com outras estratégias de controle de conteúdo.

A mudança brusca acabou por expor um viés do próprio empresário, na avaliação de especialistas. Ele estaria interessado em uma aproximação com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, para ganhar um aliado de peso em desafios jurídicos e econômicos que enfrenta.

“É pertinente a leitura de que a Meta age com viés ideológico. Ela joga a culpa de uma política que ela desenvolveu para cima dos parceiros. Durante anos, desenvolveu e usou o modelo e se vangloriou disso. Quando teve a mudança de governo, mudou completamente o discurso e passou a dizer que foi erro dos checadores. É uma iniciativa puramente política”, afirmou Caio Vieira Machado, pesquisador de Oxford.

Sistema de Notas da Comunidade é alvo de críticas

A substituição ao programa de checagens, segundo Zuckerberg, é estabelecer a política de Notas da Comunidade, a começar pelos Estados Unidos. Nesse sistema, são os próprios usuários que apontam alegações falsas e apresentam os desmentidos. A estratégia é repleta de críticas. Uma pesquisa de 2022 de especialistas do MIT sobre a Birdwatch, uma política de checagem comunitária do Twitter, apontou que os usuários são mais propensos a avaliar negativamente ou como inúteis publicações de adversários políticos. Ademais, 90% das notas da comunidade não chegam a ser exibidas para todos os usuários.

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Editor-chefe do Projeto Comprova e presidente do Projor, Sérgio Lüdtke, destacou que comentários de leitores sempre atraíram a atenção de checadores. Em muitos casos, eles dão pistas para as verificações ou revelam o impacto que uma determinada peça desinformativa causa em um grupo de pessoas. Mas transferir todo o processo aos usuários pode acarretar menos rigor técnico.

Conclui Lüdtke: “A metodologia de verificação de fatos exige que o checador tenha um compromisso pétreo com o apartidarismo. E uma das críticas mais contundentes que se faz às notas de comunidade é que esse não é um valor exigido e, portanto, nem sempre respeitado”.

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