BRASÍLIA – Usuários não identificados distribuíram o número do CPF do ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), em ao menos 58 chats de extrema direita no Telegram entre os dias 15 e 18 de janeiro. A circulação pode ter alcançado 100 mil pessoas.
O pesquisador Leonardo Nascimento, coordenador do Laboratório de Humanidades Digitais da UFBA, núcleo que monitora desinformação e extremismo em ecossistemas digitais, identificou um comportamento coordenado no episódio. Os diversos usuários envolvidos lançaram mão de uma estratégia de esconder seus nomes enquanto compartilhavam a informação.
A primeira mensagem com o CPF de Haddad no registro dos pesquisadores vem de uma usuária que depois omitiu sua identificação. Dezenas de outros usuários compartilham do mesmo comportamento, ocultando ou alterando seus nomes antigos antes de disseminar os dados do ministro, para não serem identificados.
Os chats que receberam os dados do ministro fazem endosso a ideologias de extrema direita, como FreedomNews (33,1 mil membros), Selva Brasil Oficial (20,8 mil membros), A TOCA DO COELHO (5,4 mil), PATRIOTA 24 HORAS (3,7 mil), GRUPO OLHAR SOBERANO (2,9 mil), Os Patriotas BR (2,8 mil), Confederação Direita Brasil (2,7 mil), Humor Negro (1,7 mil), DIREITA DE SANTA CATARINA (621) e Amigos do Ancap Troll (560).
Nos chats, os usuários sugerem aos colegas alguns usos para a informação pessoal de Haddad. “Quando te perguntarem: CPF na nota? Responda SIM. E passe esse”, diz uma das mensagens, antes de compartilhar o número do CPF do ministro. “Ele vai ver o quanto é bom ter que declarar”, completa.

Na semana passada, o Ministério da Fazenda pediu que a Polícia Federal apurasse o uso do CPF de Haddad. O responsável estaria disseminando o dado pessoal do ministro em grupos de aplicativo de mensagem a partir do Estado da Bahia, sugerindo implicitamente que o CPF fosse usado como meio de identificação em compras e uso de serviços que solicitam a identificação do cliente.
A ofensiva contra Haddad vem na esteira de uma onda de desinformação contra o governo Lula, a respeito de uma suposta taxação de transferências via Pix — o que nunca ocorreu. Como mostrou o Estadão, um levantamento interno da Secretaria de Comunicação Social do governo federal indica que notícias falsas sobre esse tema alcançaram ao menos 22,5 milhões de pessoas entre 9 e 13 de janeiro — o número pode ser maior, já que o monitoramento não inclui o YouTube.
As menções ao Pix no Telegram aumentaram de patamar a partir de 4 de janeiro, no momento em que a campanha desinformativa sobre o recurso começava a ganhar tração. Entre 1º de dezembro e 3 de janeiro, o termo era citado em média 67 vezes ao dia. A partir de então, saltou para 425.
Em 15 de janeiro, data em que o governo recua e revoga a medida da Receita Federal que ampliava o monitoramento sobre transações financeiras, há o pico de menções ao Pix no Telegram: 1.682. Cai para 1.101 no dia seguinte, e consecutivamente para 255 no último domingo, 19.
O vídeo do deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG), que ajudou a turbinar a onda desinformativa ao sugerir que o Pix pode vir a ser taxado no futuro, engrossou o caldo das publicações no Telegram. O dia 15 é também a data em que o conteúdo do parlamentar mais circulou nesses chats.
Nascimento, coordenador do grupo que monitora 1.654 canais e 550 grupos extremistas no Telegram, diz ter percebido a volta à plataforma de usuários “que estavam meio adormecidos” nos últimos dois anos.
“Percebemos um retorno à atividade de perfis, grupos e canais no Telegram que tinham ficado arrefecidos em 2023 e 2024, repetindo padrões semelhantes, em termos de distribuição de conteúdo com uso de estratégia multiplataforma, semelhante ao que ocorreu em 2022. É urgente o fortalecimento de atividades científicas de monitoramento de rede sociais como forma de entendermos o que nos espera em 2026”, afirma ele.