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Apaixonado por carnaval, professor de filosofia de SP é autor de mais de 50 sambas-enredos

Compositor há mais de 20 anos, André Dalpicolo, o ‘André Filosofia’, assina a letra da música que será cantada pela Gaviões da Fiel no desfile do Grupo Especial deste ano

Por Caio Possati

Quando não está na sala de aula, conversando com estudantes ou corrigindo provas, o professor de filosofia André Christian Dalpicolo, de 44 anos, o “André Filosofia”, empresta seu tempo e talento para outro tipo de escola. Compositor há mais de 20 anos, o paulistano é autor de mais de 50 sambas-enredos de agremiações carnavalescas espalhadas pelo Brasil. E neste carnaval, seu trabalho vai ecoar pelo sambódromo do Anhembi nas vozes dos intérpretes da Gaviões da Fiel, mais precisamente na madrugada de sábado, às 5h45, no primeiro dia dos desfiles das escolas do Grupo Especial de São Paulo.

Nessa vida de dupla ocupação, o senso do educador de André Dalpicolo se soma à sensibilidade do artista André Filosofia na hora de escrever um samba-enredo. Os “dois” entendem que as músicas carregam um poder pedagógico que deve ser explorado e apresentado aos foliões.

O professor universitário André Filosofia é um dos autores do samba-enredo da Gaviões da Fiel, que desfilará no Grupo Especial do Carnaval de São Paulo deste ano.  Foto: Daniel Teixeira/Estadão

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“Como eu sou professor, eu acredito que o carnaval pode nos ensinar”, diz o compositor ao Estadão. “Quando eu era jovem, eu aprendia muito sobre a história do Brasil a partir dos sambas-enredo de carnaval e retomar assuntos históricos é algo que está faltando nos carnavais hoje em dia.”

Para André Filosofia, um bom samba-enredo apresenta coerência e capacidade de contar uma história. Mas também, segundo ele, é preciso que a letra e a melodia toquem o público. “Um grande samba tem que emocionar as pessoas, não pode passar impassível. Tem que deixar algum rastro”, diz. “Carnaval é a sinergia entre quem desfila e quem assiste. É essa conexão o alimento que nutre a festa.”

O tom de propriedade na fala é efeito dos 15 anos em que o professor participa de forma ativa dos carnavais paulistanos e também de outros Estados, como Rio de Janeiro, Espírito Santo, Rio Grande do Sul e Santa Catarina.

Nessa caminhada, ele já compôs letras para escolas do grupo de acesso, como também para as que fazem parte do grupo especial da capital. Acadêmicos do Tucuruvi, Águia de Ouro, Pérola Negra e Leandro de Itaquera são algumas das agremiações que estão no portfólio do carnavalesco professor.

Além da Gaviões da Fiel, outras três escolas vão levar as composições de André Filosofia para a passarela este ano: Unidos do Peruche, Imperador do Ipiranga e Primeira da Cidade Líder. “A felicidade de ouvir o (sambódromo do) Anhembi cantando o seu samba é indescritível. É algo que você leva para o resto da vida”, diz.

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Mas para poder ter essa satisfação, André leva uma rotina apertada. Ele dá aulas em um colégio nos períodos da manhã e da tarde, e à noite cumpre com a função de coordenador de dois cursos de graduação no Centro Universitário Paulistana. O tempo que resta para escrever os sambas-enredo é, na maior parte das vezes, de madrugada.

“Para dar tempo, a gente também usa o Whatsapp o dia inteiro. Um lança uma ideia, outro lança outra ideia, um terceiro diz que não gostou. Temos um mês para escrever, gravar e entregar para a escola”, diz.

A composição, como André indica ao usar os pronomes no plural, é feita em várias mãos. E nesse processo coletivo, cada integrante tem a sua função. Há os que têm mais facilidade com a letra, como André; os que são mais “de ouvido” e que ficam com a melodia; tem os que escrevem a sinopse do enredo; e tem aqueles que esperam o samba ficar pronto para revisar a obra e apontar o que pode ser melhorado. “É como um time de futebol, cada um tem a sua posição”, diz o compositor.

Gaviões da Fiel

Para ter um samba-enredo cantado no desfile é necessário se submeter a um processo competitivo e cheio de etapas. Exige-se tempo, organização, dedicação e capacidade para trabalhar em equipe. É difícil até para compositores com experiência e currículo, como André.

Há escolas que encomendam as letras contratando o compositor diretamente para a função, mas as agremiações mais tradicionais costumam definir a música do desfile por meio de um concurso aberto para vários profissionais. Quanto maior a escola, explica André Filosofia, maior a concorrência.

André Filosofia compôs mais de 50 samba-enredos para agremiações carnavalescas nos seus 20 anos de carreira.  Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Para conseguir ser selecionado pela Gaviões da Fiel, o professor e os seus sete colegas de composição tiveram que bater 15 candidatos para ganhar o certame. “É dificílimo ganhar um concurso”, diz Dalpicolo, que define a tradicional escola da torcida corintiana como a mais “midiática” de todas para as quais compôs.

O samba-enredo da Gaviões da Fiel recebe o título “Em Nome do Pai, dos Filhos, dos Espíritos e dos Santos… Amém!”. Junto com André, a música foi escrita também por Araken (Araken Quedas), Fabinho do Cavaco (Cristiano Fábio), Armênio Poesia (Eduardo Costa), Nando do Cavaco (Fernando Wagner de Araújo), Bruno Jaú (Bruno Otero Teixeira), Maestro Jota Ilhabela (Jefferson Augusto Jesus) e Sebastian (João Francisco Ribeiro).

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De folião à carnavalesco

André Filosofia se descreve como um “peixe fora d’água” nesse ecossistema folião. Diferente de outros carnavalescos, que herdam da família a paixão e uma posição no carnaval, o compositor diz que pegou gosto pela coisa sem ser influenciado por alguém. “É comum as pessoas que estão no carnaval terem uma herança familiar. Mas eu não tive isso. Minha família nunca foi muito chegada”.

O interesse pela folia veio cedo. Aos 8 anos, o pequeno André, apaixonado por futebol, se encantou com o desfile da escola carioca Beija-Flor de Nilópolis de 1986, que se apresentou com o enredo “O Mundo é uma Bola”, de Joãosinho Trinta. O tema foi uma homenagem à seleção brasileira, que estava prestes a disputar a Copa do Mundo do México naquele mesmo ano.

De telespectador mirim, André virou um folião assumido. Aos 20 anos, viajou para o Rio e realizou o sonho de desfilar na Marquês de Sapucaí, uma das mecas do carnaval brasileiro. E em 2002, quando já cursava o mestrado em Filosofia — fase que lhe rendeu o atual nome artístico —, escreveu seu primeiro samba-enredo a convite de um amigo com quem André compartilhava o gosto pelo gênero e pelo carnaval.

Em 2008, mais maduro musicalmente, teve a sua primeira composição cantada por uma escola, a Unidos de São Lucas. Foi quando de folião ele passou a ser carnavalesco. “Foi a partir daí que eu passei a viver mais o cotidiano das escolas de samba mesmo”, diz.

André considera que escrever para Gaviões da Fiel é um pontos altos da sua carreira como compositor de sambas-enredos. Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Ao todo, André escreveu 28 sambas-enredos que foram usados em desfiles no sambódromo do Anhembi, e mais de 50 considerando os carnavais dos outros Estados com os quais ele já colaborou. “Para mim, o que importa é o samba na avenida, independente de qual grupo (acesso ou especial) seja”, diz André.

Embora considere que ter uma letra sob o domínio da Gaviões seja um dos pontos mais altos da carreira, ele também lembra com muito carinho do samba que compôs para a Acadêmicos do Tucuruvi, em 2010, quando a escola também estava no Grupo Especial. Naquela edição, a agremiação ficou em oitavo lugar, mas no quesito samba-enredo levou nota 10 de todos os jurados.

Rever a própria trajetória deixa André emotivo e com a voz embargada. Embora seja grato, ele afirma que o carnaval já realizou 99% de tudo o que ele gostaria de viver. O 1% que falta, diz, seria ganhar um samba para ser cantado na Marquês de Sapucaí. “Para mostrar para a minha filha. Isso iria coroar a minha carreira.”

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