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Ele conhece cada lápide do Cemitério da Consolação - e agora prepara seu substituto

Francivaldo Gomes, guia da necrópole mais antiga de São Paulo, está próximo de se aposentar e passar o bastão para o filho Patrick

Foto do author Gonçalo Junior
Por Gonçalo Junior

Durante a visita monitorada ao Cemitério da Consolação, o guia Francivaldo Gomes pede que algum participante cite qualquer rua da capital com nome de pessoa. “Washington Luiz”, arrisca a reportagem do Estadão no grupo de 20 visitantes, entre guias de turismo, estudantes universitários e turistas. Popó, esse é seu apelido, olha para o sol quente de rachar mamona e diz a localização do túmulo, o ano de falecimento e uma rápida biografia do ex-presidente.

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O ex-coveiro de 56 anos sabe de cabeça onde estão sepultados todos os personagens importantes na necrópole mais antiga da cidade. Mas existe uma pergunta que Popó não sabe responder: a hora em que ele vai parar. Depois de 23 anos como funcionário do Serviço Funerário da Prefeitura de São Paulo e único guia do cemitério da Consolação, a aposentadoria está próxima, mas ainda sem data. Enquanto deixa essa questão ali no cantinho, à espera, Popó prepara o sucessor.

O filho Patrick Gomes acompanha as visitas, observando, escutando e absorvendo, uma palavra que aparece sempre nas falas do rapaz de 28 anos. Dá um pitaco ou outro, mas se comporta como aprendiz. Uma parte do comportamento parece timidez, um cuidado para testar onde pisa. A outra é para não roubar a cena do pai.

Quando criança, o caçula de três irmãos brincava entre as lápides enquanto o pai trabalhava. Em fevereiro, o rapaz foi contratado pela Consolare, nova gestora do cemitério, para levar adiante o ofício do pai. “É sensacional. Vai demorar para chegar ao nível dele, mas também pretendo ter minhas próprias ideias”, diz o “filho do Popó” - muita gente se refere a ele dessa forma.

É uma simbólica passagem de bastão, aquela imagem clássica das provas de revezamento do atletismo. Mas ainda não é bem o momento da troca de mãos. Esse é aquele instante em que os dois corredores, o da frente e o de trás, seguram o bastão ao mesmo tempo. Eles compartilham e esticam o momento.

Pai e filho têm uma plateia grande. Entre agosto e setembro, mais de 700 pessoas participaram das visitas. A procura tem sido tão grande que a empresa decidiu abrir mais uma turma.

Francivaldo Gomes, mais conhecido como Popó, prepara o filho Patrick para ser seu sucessor como guia das visitas monitoradas ao Cemitério da Consolação Foto: TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO

Algumas pessoas vão mais de uma vez, como Alfredo Simões, de 68 anos. “O Popó faz um apanhado das obras, com detalhes e curiosidades, e fala da importância do cemitério na história da cidade”, diz o engenheiro em sua terceira visita.

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Nos passeios, Popó usa um tom solene e repete as frases mais importantes, como um professor. Ele usa uma varinha para apontar lápides e esculturas e ditar o ritmo da aula. Tem orgulho da voz grave que, segundo ele, já foi elogiada até em uma entrevista na Rádio Jovem Pan. Mesmo baixinho - ele não passa de 1,65m -, Popó cresce, ganha corpo e projeta o vozeirão pelas alamedas.

Coveiro demorou para se acostumar ao cemitério

Francivaldo continua como guia mesmo após a concessão dos serviços funerários e cemiteriais à iniciativa privada, em março, graças a um acordo entre o poder municipal e a concessionária. “A parceria entre a Consolare e o Serviço Funerário do Município de São Paulo foi fundamental para a continuidade dos passeios no Consolação e do Popó como mediador e protagonista da preservação do patrimônio histórico e cultural de São Paulo”, diz Fadlo Oliveira, gerente de Operações da Consolare.

Vinte anos atrás, foi um longo período de desemprego que empurrou o antigo porteiro para o concurso público no cemitério. O cearense de Crateús sofreu no início como sepultador porque sentia a dor das famílias em luto. Foi difícil. “Comia pouco, vivia de água e suco. A comida não descia”. Foi um mês assim até se adaptar. “O que aprendi com a morte? Aprendi a ter mais amor com as pessoas”, diz.

O guia aprendeu tudo sobre a necrópole com o advogado e historiador do cemitério Délio Freire dos Santos no início dos anos 2000. Ele ouvia de longe, com cuidado para não parecer que estava “folgando” no trabalho. Conta que anotava tudo na mão, muita coisa se perdia com o suor. Ele tirava dúvidas com o próprio professor ou na Biblioteca Mário de Andrade – ainda hoje ele prefere livros à internet. Foram dois anos assim.

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Com a morte de seu mestre, Popó assumiu a bronca, ou melhor dizendo, “a honra de ser guardião da história e da arte funerária do Cemitério da Consolação, um museu a céu aberto”, como gosta de falar. Das esculturas, Popó tem carinho especial pela obra “Vencedores”, feita em 1921 pelo artista italiano Luigi Brizzolara, que retrata um ancião passando a tocha para um jovem. Ele acha que aquela é a imagem da sua vida.

Quase no final do passeio, Popó e Patrick se abraçam e caminham lado a lado, olhando para o chão. O Estadão estica o ouvido, mas não dá para ouvir. Nem todos os visitantes se deram conta, mas a amizade entre pai e filho também faz parte do roteiro da visita guiada pelo Cemitério da Consolação.

Amizade entre pai e filho é uma das marcas da visita guiada pelo Cemitério da Consolação Foto: TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO

Serviço

Visitas mediadas ao Cemitério da Consolação

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O quê: Conhecido como um museu a céu aberto, o cemitério da Consolação possui túmulos de personalidades como Monteiro Lobato, Tarsila do Amaral, Mário e Oswald de Andrade, além de obras de importantes escultores, tais como Victor Brecheret e Luigi Brizzolara.

Onde: Rua da Consolação, 1660 - Consolação.

Quanto: Grátis

Ingressos: Sympla – https://www.sympla.com.br/produtor/visitasguiadasconsolare

Duração do passeio: 2h

Dúvidas ou informações: agendamento@consolare.com.br

Capacidade: 65 ingressos por visita.

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Quando: alternadamente, às sextas e sábados:

Outubro:

  • 14/10, sábado, às 10h e às 14h
  • 20/10, sexta-feira, às 10h e às 14h
  • 28/10, sábado, às 10h e às 14h

Novembro:

  • 3/11, sexta-feira, às 10h e às 14h
  • 11/11, sábado, às 10h e às 14h
  • 17/11, sexta-feira, às 10h e às 14h
  • 25/11, sábado, às 10h e às 14h

Dezembro:

  • 1/12, sexta-feira, às 10h e às 14h
  • 9/12, sábado, às 10h e às 14h
  • 15/12, sexta-feira, às 10h e às 14h

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