Colapso ambiental, cidades devastadas e mais de 220 mil desalojados

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Por Henrique de Carvalho
Atualização:
Ilustração do autor (Henrique de Carvalho)  

Enchentes no Rio Grande do Sul. Antes de qualquer ponderação, o cenário é desolador. Pessoas perdendo casas, parentes, amigos, amores, negócios, empregos, esperanças, filhos, netos, bichos, chão.

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São mais de 220 mil pessoas desalojadas e elas precisam do suporte mais básico, como água potável, alimentos, banho quente, um cobertor, roupa limpa, algum teto, paz.

catástrofe

A catástrofe climática se apresenta a cada dia que passa, e precisamos de planos de ação prontos para ocorrências dessa ordem, mas não só. Estoque de abrigos temporários, sistema de entrega rápida de barcos, plano de mobilização de helicópteros, canais captadores de doações, convocação e transporte de médicos para as áreas afetadas, isso vai ser parte da infraestrutura básica do país. Contudo, como prevenir mais tragédias como essas?

Parte disso passa por reflorestar áreas devastadas; outra parte passa por fazer isso e, mesmo assim, relocar cidades inteiras para fora das áreas de alagamento.

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Esse é o resultado obtido com a saturação da atmosfera por gases do efeito estufa, basicamente carbono no ar, e os lucros serão destinados ao luxo de poucos, à manutenção da rota de autodestruição e à jogatina bancária.

2019, guerras e devastação

Em 2019 tivemos uma pandemia global devastadora que nos obrigou a superar barreiras e diferenças para combater a ameaça de um vírus devastador. No âmbito do sentido das coisas, independente da postura adotada por cada um, tivemos de lidar com a emergência de um grande problema global e muito real: um vírus, que afetaria nosso corpo. Significados ganharam, naquele momento, um sentido físico, palpável, concreto. Estávamos diante do inescapável. Enquanto muitos fizeram o melhor que podiam e contribuíram largamente para a solução, outros ofereceram o seu pior, prejudicando a mitigação de danos.

É como se um impulso maior e irreconhecível, vindo de nossa natureza mais profunda, uma instância pré-linguagem, induzisse todo mundo a lidar com os mesmos problemas, independente da localidade e das circunstâncias. Mesmo onde as urgências são outras, países aparentemente menos dependentes dos eventos naturais entraram em conflitos violentos. Ainda durante o abre e fecha, no ciclo de saída da pandemia, guerras emergiram.

Todas as guerras tratam, basicamente, de assassinos de Estado brigando com assassinos de Estado. Rinhas de cachorro, de galos e peixes-de-briga são proibidas e punidas com o rigor da lei. Rinhas de grupos humanos, organizados para tomar terras e riquezas, são permitidas desde que endossadas por algum órgão oficial, que pode ser o governo de algum país, por exemplo, alegando coisas vagas como "a defesa da nossa liberdade". E assim vem sendo, justifica-se a violência opressora de hoje pela opressão violenta de ontem. Ameaças de ontem justificam ofensivas hoje, e ofensivas hoje justificam ameaças amanhã. Dezenas de mortes são descontadas com centenas de mortes. Jovens saudáveis, pressionados pela escassez da razão, seguem ordens de homens senis, sem saúde nem coragem, apegados ao conforto material e ao poder. Discursos autodeclaram direitos sobre territórios para disfarçar o óbvio interesse pelas riquezas dessas terras - porque ninguém faz guerra por terrenos podres - ou mirando as riquezas geradas pela guerra.

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Todo lucro com armas é lucro sobre a morte. Toda economia de dinheiro destinado à contenção das enchentes foi descontada com morte e destruição. Certos agrupamentos humanos, entendidos como menores e descartáveis, com menor direito à vida, recebem bombas, venenos, lama tóxica e águas da morte.

As guerras, com o poder destruidor do fogo, impõem aos inimigos consequências semelhantes às apresentadas pelo poder destruidor da água no Rio Grande do Sul. Destruição sem pólvora, resultado de guerra sem guerra.

Radicaliza-se o sentido de urgência ainda não percebido por todos. Não podemos mais nos dar ao luxo de executar tarefas ambientais pela metade.

verde? onde?

Tragicamente, a mesma turma que foi às salas internacionais dizer que preserva a natureza aproveitou para anunciar que pretende explorar petróleo em regiões que não podem sequer correr os riscos envolvidos nesse tipo de operação. Estou falando da foz do Rio Amazonas, por exemplo. Se um eventual vazamento já é desastre impossível de ser assimilado nessas localidades, inclua-se aí que qualquer exploração petrolífera trará consigo outros problemas, como o rápido inchaço populacional de cidades sem estrutura e pacote urbano precário, ao modo brasileiro: desmatamento, má qualidade do ar, lixo descartado indevidamente, narcotráfico, milícias, mineração ilegal e mais rios poluídos.

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Barragens de caldo venenoso seguem ameaçando romper, e nossas abundâncias serão como superpoderes, que precisam de atenção para não se tornarem armas descontroladas contra nós mesmos. A água é um desses itens.

Ciclos de chuva, ora insuficientes, ora excessivos, refletem em rios originalmente caudalosos secando no Norte e, agora, em transbordamentos no Sul do país.

plantas, agora e rápido

Estamos atrasados, em décadas, na apropriação das tecnologias mais complexas para a solução dos problemas da chuva e do aquecimento global: plantas. Elas são o único sistema capaz de resgatar carbono atmosférico em larga escala, absorver a água do solo, aumentando sua permeabilidade, regular ciclos de chuva para que se tornem mais recorrentes e, portanto, reduzidos em intensidade. Plantas também podem agir em conjunto para a descontaminação da água com o tratamento de esgoto e metais pesados, por exemplo.

Para que isso aconteça, é preciso mobilizar todos os meios de educação e conscientização sobre nossa urgência climática, com menos fala e mais ação, numa pedagogia de terra, pá e mudas.

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Não adianta ficarmos só cuidando dos vasos em nossas casas. Isso é ótimo para a qualidade de vida, saúde mental e deve ser incentivado. Afinal, quem tem plantas em casa sabe do bem que fazem ao mundo. Entretanto, nem sempre vale o "primeiro em casa e depois na rua". Não há mais tempo para essas desculpas. O mundo precisa da floresta em casa e na rua, agora, e rápido. - Ressalto aqui a importância de seguirmos canais e instituições confiáveis para fazer doações. Ainda que sejam centavos, faça sua doação para ajudar aqueles que mais precisam neste momento. As agências dos Correios estão arrecadando doações e enviando gratuitamente.

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