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Moradores ficam sitiados na Cracolândia, um ano após inauguração de moradias

Residentes das primeiras unidades do Complexo Julio Prestes relatam rotina de insegurança e assédio no centro de São Paulo

Por Juliana Diógenes
Atualização:
Cercados.Apesar dos muros e cercas de arame farpado, as 656 famílias vivem medo constante de caminhar pelas ruas Foto: Felipe Rau/Estadão

Um ano após a inauguração das primeiras unidades habitacionais no Complexo Julio Prestes, a poucos metros da Cracolândia, no centro de São Paulo, os moradores dos apartamentos construídos por uma parceria público-privada vivem uma rotina sitiada. Separadas por muros e cercas de arame farpado, as 656 famílias das 5 torres, com 17 andares cada, vivem medo constante de caminhar à noite nas ruas vizinhas e são assediadas por usuários de drogas até mesmo quando estão na varanda de casa.

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O Estado apurou que a Secretaria Estadual da Habitação recebeu relatos de arremesso de pedras às janelas dos apartamentos de moradores do complexo. A situação tem feito aumentar as desistências de futuros moradores. A pasta estuda solicitar uma reunião e um estudo para a realização de uma força-tarefa para monitorar a relação entre os moradores e os usuários de droga.

A analista de departamento pessoal Raquel (nome fictício), de 29 anos, conta que é repreendida por pessoas do chamado “fluxo” (o grupo maior de viciados que caminha pelas ruas) quando, da varanda do 7.º andar, mexe no celular. “Alguns ficam revoltados, pedem para a gente entrar. Às vezes, tem uns que estão armados. Vemos tudo lá de cima.” Nem os muros altos conseguem proteger os moradores. “Eles jogam lixo, garrafas, cachimbos e muito lixo por cima do muro. Dia desses, morderam uma criança que mora aqui”, diz Raquel. “Viemos sabendo que este espaço é deles há décadas. Sinto medo, mas já me acostumei. Na verdade, eu não ando para os lados do fluxo, nunca passei para lá.”

Todos os dias, ela sai da faculdade, no Largo de São Bento, às 22 horas. Para evitar surpresas, traçou um caminho seguro para chegar em casa. “Só vou pelas ruas com segurança na porta. Aquelas com comércio que fecha às 18 horas eu não ando.”

Mãe caminha comduas filhas e um bebê na região da Cracolância, no centro de São Paulo Foto: Nelson Almeida/AFP

A questão da segurança também é um desafio para a assessora parlamentar Larissa D’Alkimin, de 31 anos, que acabou de se mudar com o filho de 5 anos para um apartamento no Complexo. “Ainda preciso descobrir o jeito mais seguro de chegar à noite aqui, já que saio do trabalho quando está escuro.”

A moradora tem esperança de que a situação melhore quando os muros forem derrubados, o que não tem previsão. “A gente sabe que a ideia é abrir os muros. E já ouvi falar que há planos de instalar um supermercado aqui dentro. Vai ser maravilhoso.”

No ano passado, o número de furtos na área do DP de Campos Elísios, onde está a Cracolândia, cresceu 37% em relação a 2017, quando houve a megaoperação do governo e da Prefeitura. No mesmo período, a alta de furtos na capital ficou em 4%.

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Praça continua cercada

Também entregue há um ano pelo governo estadual, a Praça Julio Prestes continua cercada por um gradil, sem prazo para ser retirado. O local é aberto todos os dias às 8 horas e trancado novamente às 20 horas. Durante o dia, é vigiado por dois seguranças e não costuma ser frequentado pelos novos moradores.

As crianças acabam brincando dentro dos muros do complexo, em uma quadra e nas áreas abertas do terreno. Quando saem do prédio, são levadas pelos pais para ambientes fechados, como o Sesc 24 de maio.

O 'quadrilátero de crack' na Cracoândia, no bairro dos Campos Elíseos; ao fundo, a construção de unidades habitacionais na região Foto: Alex Silva/Estadão

No mesmo terreno do complexo, o governo estadual entregou há um ano 67 lojas, o chamado “boulevard comercial”, mas elas estão fechadas. Segundo a Secretaria de Habitação, não há prazo para a derrubada dos muros que isolam os edifícios das lojas e o complexo como um todo, por questões da segurança no entorno.

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“Há uma sequência de ações entre várias secretarias, coordenadas entre Município e Estado, e a nossa busca é por trazer o mais rápido possível a Escola de Música, a creche e outras construções”, afirma o secretário Flavio Amary. “As PPPs farão 3 mil apartamentos no centro, e essa é a solução. Quando a gente leva moradia, lojas, escola de música e creche, há melhora na região, no convívio e no conceito urbanístico.”

Desde maio do ano passado, já foram entregues 1.131 unidades habitacionais da PPP do Centro, sendo 914 delas no complexo. Ao fim do processo, contabilizando toda a PPP do Centro, o governo prevê entregar um total de 3.683 moradias, sendo 2.260 habitações de interesse popular (HIS) e 1.423 habitações de mercado popular.

Cracolândia tem 40 processos de desapropriação da Prefeitura em andamento 

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A região da Cracolândia continua na mira das desapropriações e a paisagem urbana ainda será transformada nos próximos anos. A Prefeitura de São Paulo move 40 processos de desapropriações de casas no "quadrilátero do crack", próximo ao fluxo. Destes, 21 são nas quadras que ainda não foram demolidas, à frente e ao lado da Praça Coração de Jesus. 

Dependentes químicos sentam em frente a prédios antigos na região da Cracolândia, em São Paulo; Prefeitura tem 400 processos de desapropriação em andamento Foto: Nelson Almeida/AFP

As desapropriações estão em processo de perícia judicial, segundo a Secretaria Municipal de Habitação. A previsão é de construção de 680 unidades de habitação de interesse social. Após demolir casas em uma quadra inteira em 2017 – cercada pela Avenida Rio Branco e as Alamedas Helvetia, Nothmann e Barão de Piracicaba –, para tirar do papel o projeto Nova Luz, que prevê unidades habitacionais por Parceria Público-Privada em parceria com o governo estadual a Prefeitura precisa derrubar residências em mais duas quadras. 

O projeto é construir unidades habitacionais nas duas quadras, além de uma Unidade Básica de Saúde (UBS) e um Centro Educacional Unificado (CEU). A previsão era de que fossem entregues até o fim deste ano, mas as obras não começaram.

Um muro foi erguido pelo governo no espaço ao redor de toda a quadra onde as casas foram demolidas. Ali, usuários de crack utilizam o muro como apoio para a construção de barracas, com o apoio de papelão e sacolas plásticas, criando casebres onde moram. 

"A destinação dessas unidades prevê duas modalidades, uma delas é a aquisição com subsídio da PMSP e a outra, para famílias sem renda, aquisição por meio da Locação Social em um dos edifícios a serem construídos", explica em nota a Secretaria Municipal de Habitação. 

"No que diz respeito à construção dos equipamentos, o projeto original será mantido com adequações do dimensionamento dos equipamentos previstos de acordo com a demanda real existente", informou a pasta. "A data de início depende da conclusão do processo de desapropriação, pelo fato desse tipo de processo ser bastante longo, a atenção prioritária foi dada ao Conselho Gestor das Quadra 36, onde será construído o Hospital Pérola Byington. No dia 30/04, foi realizada uma reunião do Grupo de Trabalho do Conselho Gestor das Quadras para retomar os trabalhos e uma reunião do Conselho será convocada em breve."

Questionada, a Secretaria Estadual da Saúde não informou o novo prazo de entrega da unidade do Hospital Pérola Byington. Em nota, a pasta disse que as obras terão início “tão logo sejam emitidos Termo de Permissão de Uso e o Alvará de Construção” e que o governo estadual “tem realizado todas as medidas administrativas e legais necessárias para começar as obras”.

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