Quatro cantoras negras fazem show único no Sesc Pinheiros; relembre suas trajetórias

Alaíde Costa, Eliana Pittman e Zezé Motta, com participação de Rosa Marya Colin, interpretam compositores pretos e pretas

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Por Gonçalo Junior
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O show Pérolas Negras é uma reverência dupla à contribuição do povo preto à música brasileira. Três intérpretes mulheres fundamentais para a nossa história musical - Alaíde Costa, Eliana Pittman e Zezé Motta, com a participação especial de Rosa Marya Colin – dão vida às canções de autores de gêneros e estilos diversos, de Cartola a Salgadinho, de Milton Nascimento a Leci Brandão. Todas essas “pérolas” estarão no Sesc Pinheiros nesta sexta-feira, 16, às 21h.

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O show marca o lançamento do CD “Perolas Negras Ao Vivo”, pela Companhia de Discos do Brasil e a Nova Estação. Com produção e a direção artística de Thiago Marques Luiz, o álbum também ganhará um vinil, previsto ainda para o primeiro semestre de 2024.

São três mulheres negras com trajetórias individuais importantíssimas na história da música brasileira. Aos 88 anos, Alaíde Costa sempre se guiou pelo que acreditava fazer melhor, mas não foi fácil. Seu primeiro álbum foi lançado dois anos antes de Chega de Saudade (1958), música que marca o início da bossa nova, mas só recentemente ela passou a ser reconhecida.

Alaíde Costa, Zezé Motta e Eliana Pittman fazem o show Pérolas Negras em São Paulo Foto: Murilo Alvesso

Nos últimos anos, parcerias revigoraram a carreira histórica. Pode parecer um paradoxo, mas ela conta que está sendo descoberta depois dos 80 anos. “As gravadoras e produtores diziam que eu tinha de cantar uma coisa mais animada, um sambinha. Mas não era isso que eu queria para mim”, desabafou ao Estadão no mês de dezembro.

Há quem se lembre de Zezé Motta apenas como atriz - difícil mesmo dissociar sua figura da bela Xica da Silva -, mas essa é apenas uma das facetas da artista de 78 anos. Sempre na televisão, cinema e shows como a mais importante atriz-cantora do País, Zezé Motta eleva sua voz poderosa desde os antigos anos setenta, quando gravou seu primeiro disco solo em que Rita Lee e Moraes Moreira entregaram canções inéditas para ela gravar.

Imortalizou clássicos como Trocando em Miúdos de Chico Buarque e Francis Hime. Ela reestreou o show “Coração Vagabundo – Zezé canta Caetano” e já possui apresentações confirmadas no Rio de Janeiro e São Paulo.

Rosa Maria começou a carreira no Rio de Janeiro aos 18 anos, cantando bossa nova e jazz no Beco das Garrafas, depois de trabalhar como operária. Firmou-se como cantora de jazz ao lado da Tradicional Jazz Band. Com alguns discos gravados, mas ainda pouco conhecida depois de mais de 20 anos de carreira, uma gravação despretensiosa para um comercial de TV em 1988 alçou-a ao topo das paradas. Uma regravação cool de “California Dreamin’”, do grupo The Mamas & The Papas, para uma loja de departamentos tornou-se o seu grande sucesso.

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Eliana Pittman em dose dupla

Eliana Pittman iniciou sua carreira em 1961, ao lado do saxofonista norte-americano Booker Pittman, seu padrasto, cantando standards do jazz e da bossa nova em boates no Rio de Janeiro. Quase 60 anos depois, a cantora vai comprovar seu ecletismo ao estrelar dois shows diferentes. Quando estiver ao lado de Zezé e Alaíde, o público relembrar a virtuose vocal que marca seus mais de 20 discos gravados e momentos memoráveis como o musical “7″.

Após um hiato de 17 anos longe dos estúdios, ela voltou a gravar em 2019 (”Hoje, Ontem e Sempre”) e, na sequência, “As Divas do Sambalanço”, dedicado exclusivamente ao gênero, em que Eliana divide as interpretações com Claudette Soares e Doris Monteiro.

No dia 17, um dia depois do show Pérolas Negras, Eliana vai subir novamente aos palcos, agora para celebrar as cinco décadas de lançamento do disco “Tô chegando, Já cheguei” com a estreia do show “50 Anos de Carimbó”, na Casa de Francisca.

Em 1974, o carimbo era um gênero restrito a Belém do Pará. Com dez anos de carreira internacional e grande prestígio também por ser filha do saxofonista americano Booker Pittman, Eliana não tinha ainda “estourado” nacionalmente. Foi numa viagem ao Maranhão que ela ouviu na praia o ritmo e se apaixonou. Precisou convencer a gravadora RCA Victor a inclui-lo no disco. O carimbó fez de Eliana uma das artistas de maior sucesso no Brasil nos anos 70 e fez com que o ritmo passasse a ser conhecido e respeitado nacionalmente.

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Para o professor, ativista e consultor Helio Santos, o olhar sobre as cantoras negras mudou nas últimas décadas. “Antigamente, a mulher negra era anti-musa, deixou de ser. Isa, Ludmilla e a Anitta, que se identifica como negra, são grandes sucessos hoje. Então, isso mudou. Agora, você tem artistas como Bia Ferreira, Make Sofia, que elas têm público, mas não conseguiram furar a barreira”, diz o presidente do Conselho Deliberativo do Centro de Estudos e Dados sobre Desigualdades Raciais (Cedra) e presidente do Conselho da Oxfam Brasil.

“A estética da mulher negra é vitoriosa. Então o Brasil se descobriu, o negro vem se descobrindo negro”, diz o professor. Em sua visão, no entanto, o movimento ainda é recente. “Todos continuamos sentindo o racismo estrutural, ou melhor, o racismo sistêmico, mas isso está em mudança”.

“Existe uma constatação, hoje mais consensuada a partir de pesquisas qualitativas e quantitativas e por um arcabouço teórico, que revela o lugar que foi destinado, não necessariamente ocupado e assumido, às mulheres negras na sociedade brasileira”, afirma Diana Mendes, professora visitante do Centro de Estudos de Cultura, Identidade e Educação da Universidade de British Columbia, no Canadá.

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Nesse contexto, Diana afirma que o show ‘Pérolas Negras’ é muito mais que uma redescoberta ou um reconhecimento. “Elas sempre estiveram em lugares que, a princípio, não lhe foram destinados. Elas sempre estiveram na arte, cultura, música, ciência. E está na hora de oferecer essa igualdade, essa equidade em relação aos lugares sociais que elas ocupam e que sempre ocuparam”, diz.

* Este conteúdo foi produzido em parceria com o Centro de Estudos e Dados sobre Desigualdades Raciais (Cedra).

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Serviço: Pérolas Negras

Serviço: 50 anos de Carimbó

  • Show: 50 Anos de Carimbó com Eliana Pittman
  • Data: 17 de fevereiro de 2024, às 20h
  • Local: Casa de Francisca
  • Endereço: Rua Quintino Bocaiúva, 22 – Sé, São Paulo/SP
  • Ingresso: site da Casa de Francisca - www.casadefrancisca.art.br
  • Tel: (11) 3052-0547
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