Suspeitos de relação com morte de delator do PCC são soltos por suposta irregularidade na prisão

Tio e sobrinho foram presos nesta sexta-feira e liberados menos de 24 horas depois; defesa afirma que clientes não são os donos de munições atribuídas a eles

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Foto do author Ítalo Lo Re
Foto do author Marcelo Godoy
Atualização:

Dois dos homens presos sob suspeita de participação no assassinato do empresário Antonio Vinicius Lopes Gritzbach, o delator do Primeiro Comando da Capital (PCC) fuzilado no Aeroporto de Guarulhos, região metropolitana de São Paulo, foram soltos por volta das 15h deste sábado, 7, menos de 24 horas após sua detenção. A decisão se deu após audiência de custódia realizada pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP), que indicou suposta irregularidade na prisão.

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Como mostrou o Estadão, na tarde de sexta-feira, 6, policiais da Rota (Rondas Ostensivas Tobias Aguiar) prenderam o estudante de Direito Marcos Henriques Soares Brito, de 23 anos. Com o acusado, teriam sido encontradas 110 munições de fuzis de calibre 7,62 mm e 5,56 mm, segundo o boletim de ocorrência. Elas estariam na motocicleta do acusado e em um carro que seria de propriedade de seu tio, Allan Pereira Soares, de 44 anos, que também foi detido.

Ao Estadão, o advogado Guilherme Vaz, que representa Marcos e Allan, afirmou que “durante a audiência ficou comprovado que tinha algo estranho na história da PM”. Um dos pontos questionados por ele é que, após ser abordado em casa, Allan ligou para Marcos, que é seu sobrinho, ir até lá. “Como alguém vai ao encontro da polícia carregado de munições na moto?”, questionou. A defesa afirma que os clientes negam ser os donos das munições ou ter qualquer relação com o caso Gritzbach.

Movimentação na Delegacia de Homicídio e Proteção à Pessoa (DHPP) na R. Brigadeiro Tobias, 577 em São Paulo, após prisão de um dos suspeitos de participar do assassinato de Antônio Vinícius Lopes Gritzbach, empresário delator do Primeiro Comando da Capital (PCC). Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Marcos e Allan foram levados nesta sexta para o Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) sob a acusação do porte ilegal das munições e acabaram autuados em flagrante. Uma das prisões chegou a ser comemorada pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) nas redes sociais. “Após um trabalho de inteligência, policiais de Rota acabam de prender um dos criminosos envolvidos no assassinato de Vinicius Gritzbach”, escreveu, em publicação no Instagram.

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No termo de audiência de custódia, obtido pelo Estadão, a juíza Juliana Pirelli da Guia afirmou que o flagrante se mostrou “irregular e ilegal”. Ela apontou que, conforme informações da boletim de ocorrência, policiais da Rota foram até a casa onde Marcos mora averiguar uma denúncia anônima de que ele teria participado do assassinato do delator do PCC.

Ao chegar lá, eles teriam encontrado diversas munições e armas de fogo no interior de um veículo, de modelo Fiesta, que estava parado em frente à casa. Segundo os policiais, o veículo estava destrancado, com as portas abertas. Assim, eles teriam aberto o carro e realizado buscas no interior, localizando armas e munições de armas de fogo sob o banco dianteiro.

“Consta que os policiais solicitaram a presença de um morador, quando surgiu na garagem Allan, identificando-se como morador e tio de Marcos, que não estava na casa”, diz o documento. Os agentes afirmaram que Allan teria autorizado que entrassem na residência, onde nada encontraram de ilícito.

A pedido dos policiais, Allan também telefonou para Marcos, que era o alvo da ação, para que fosse para casa porque estavam procurando por ele. Quando o sobrinho chegou, teriam sido encontradas mais munições de arma de fogo em um baú de transporte da moto em que estava, segundo o boletim.

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Allan e Marcos afirmaram que os objetos não seriam deles. “No que se refere às munições e armas encontradas no veículo, observo que nada relaciona o veículo a nenhum dos custodiados, nem Allan, nem Marcos, nada indicando que era da propriedade deles. E, ainda que fosse de propriedade destes, apenas poderia ser objeto de buscas mediante autorização do proprietário ou possuidor, ou se houvesse mandado de busca e apreensão judicial”, afirma a juíza.

A magistrada afirmou ainda que a autoridade policial nada requereu em relação ao caso Gritzbach, “sequer mencionado objetivamente nada a respeito de sua suposta participação naquele crime”. Ressaltou ainda que ambos são primários, sem registros de antecedentes criminais. A juíza concluiu, portanto, que o flagrante não foi feito de forma regular e, diante disso, relaxou a prisão dos dois.

O delegado Osvaldo Nico Gonçalves, secretário-executivo da Secretaria da Segurança Pública, comentou a decisão neste sábado na porta do DHPP, no centro de São Paulo. “Não vamos baixar a guarda, vamos continuar trabalhando”, disse. Ele ressaltou que, ao todo, foram apreendidos sete celulares durante a incursão. Interlocutores da polícia afirmam que a expectativa é obter informações decisivas a partir dos aparelhos.

Segundo ele, o fato de as abordagens de Marcos e Allan terem sido feitas a partir de denúncia anônima não foi um problema. “A gente tem nosso setor que recebe informações e todas elas são checadas. A polícia foi lá no local e a munição com eles, então não precisa de mandado para prender”, disse Gonçalves, que está à frente da força-tarefa para investigar a execução de Gritzbach. “Não vejo irregularidade nenhuma (na abordagem)”, acrescentou.

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Como mostrou o Estadão, polícia desconfiava que Marcos tivesse sido o responsável por dar fuga para Kauê do Amaral Coelho, de 29 anos. Coelho é apontado pela polícia como o olheiro que, de dentro do aeroporto, indicou quem era Gritzbach para os executores que aguardavam o empresário do lado de fora. Ele teria se refugiado depois do crime no Complexo do Alemão, no Rio, de onde foi obrigado a sair por ordem de traficantes da região, que temiam ver seus negócios atrapalhados por operações policiais para prender o suspeito.

Quem teria trazido o acusado de volta a São Paulo é o irmão de Marcos, Mateus Soares Brito, que acabou detido na madrugada deste sábado pelos policiais do DHPP. Mateus teve a prisão temporária pedida pelo DHPP. Ao depor, o acusado teria confessado que auxiliou Kauê na fuga por ter recebido essa missão do PCC. Ele disse ser integrante da facção e ter comprado telefones celulares para ajudar o comparsa. O suspeito segue detido, até a última atualização.

A força-tarefa, além de apreender os sete aparelhos telefônicos, concluiu que o telefone celular dele esteve ligado a uma Estação Rádio-Base na região do aeroporto de Cumbica, no dia 8 de novembro, uma hora antes do crime, o que pode indicar uma participação direta no delito. A reportagem tentou contato com a defesa de Mateus, mas não obteve retorno.

Além de Kauê, que foi flagrado por câmeras dentro do aeroporto e contra o qual existe uma recompensa de R$ 50 mil por informações que levem à sua captura, a polícia também procura Matheus Augusto de Castro Mota, um comerciante de carros suspeito de fornecer os dois veículos usados pelos executores do crime. A reportagem não conseguiu localizar a defesa do suspeito.

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