SÃO PAULO - Em uma manhã de 2011, o arquiteto e publicitário José Roberto D’Elboux acordou inspirado. Quis fazer diferente a já tradicional caminhada fotográfica de investigação pelo centro de São Paulo. Em vez de descer na Estação São Bento do Metrô e caminhar até a Praça Antônio Prado, conhecida por abrigar o antigo Banespão, optou por sair na Sé, no coração de São Paulo, e entrar na Rua 15 de Novembro.
Caminhava no tradicional calçadão para pedestres, levemente inclinado, quando viu três letras enormes no topo de um edifício antigo: BSP. Embora a paixão por tipografia e fotografia – que antes motivava passeios no centro por pura curiosidade pessoal – já tivesse se transformado em um projeto de pesquisa tendo como foco os edifícios antigos de São Paulo, e ele já passara outras três vezes pelo local, aquelas letrinhas haviam passado despercebidas.
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Em seu mestrado na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da Universidade de São Paulo (USP), D’Elboux pesquisou o uso da tipografia como elemento arquitetônico, focado em edificações de estilo art déco, que dominou a capital de 1928 a 1954. Após concluir a pós, transformou o acervo fotográfico de pesquisa no projeto Tipos Paulistanos, uma espécie de catálogo cartográfico com estudo detalhado da origem tipográfica de letras em 71 edificações.
No interior das letras BSP, D’Elboux supôs que haviam bolas enfileiradas, mas, do chão, àquela distância, não conseguia identificar o material. Tentou subir em edifícios vizinhos, pediu para acessar heliportos da redondeza, mas ainda não era possível visualizar. Percebeu, então, que havia uma sala no interior do topo onde estavam esculpidas as letras. Decidiu pedir autorização aos donos das letras: o Banco de São Paulo, de sigla BSP.
Do topo do edifício, entendeu que as bolas eram espaços onde se encaixavam lâmpadas. Ali, as letras BSP formavam um luminoso entre as décadas de 1930 e 1970, quando o banco foi incoporado ao Banespa. O edifício, cuja tipografia segue o estilo art déco, é um dos preferidos de D’Elboux, pela riqueza e diversidade arquitetônica. Segundo o arquiteto e publicitário, a construção conserva características ornamentais típicas do período arquitetônico clássico, mas traz traços mais simples.
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“Naquela época, o letreiro começava a ter papel arquitetônico, não só como sinalização, como nome do prédio”, explica ele. O estilo art déco marca a transição da arquitetura clássica, com ornamentos de influência romana e grega, para a moderna. “O centro de São Paulo se desenvolveu muito nos anos 20, foi um período de grande verticalização. Passamos a ter um conglomerado de prédios mais modernizados, clean e geométricos. Era um tipo mais evidente de uma sociedade de consumo maior, que privilegiava bancos e comércios. Então, o nome dos locais aparece em destaque. Nessa verticalização, as letrinhas começam a ganhar os prédios como elementos comunicativos”, afirma.
No projeto Tipos Paulistanos, o professor oferece acesso a um mapa público da capital em que constam informações como endereço, ano do projeto, data de conclusão, estado de conservação, características tipográficas e material utilizado, entre outros detalhes. Cada prédio tem uma ficha com detalhes técnicos sobre a tipografia do nome.
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Inspiração no centro. O centro de São Paulo concentra a maioria dos edifícios estudados por D’Elboux. Além do Banco de São Paulo, estão no projeto as letras inscritas no Majestic, no Cine Marabá e no Edifício Cícero Prado, por exemplo.
Perto do Banco de São Paulo, o Edifício Gabriel Gonçalves segue traçado semelhante: verticalizado e geométrico. A hipótese do arquiteto é de que a tipografia do banco tenha servido de inspiração e o próprio autor pode ter reproduzido os moldes para prédios da redondeza.
Também no centro, a geometria típica do estilo art déco pode ser vista em edifícios como o Prédio Classes Laboriosas, onde as letras são formadas por recortes de círculos e quadrados. Entre os prédios selecionados para o projeto, há um que despertou envolvimento emocional do próprio autor: o Estádio Municipal do Pacaembu. “Sou fascinado por aquelas letras desde garoto, quando ia assistir aos jogos com meu pais”, relembra o professor. Mesmo após o fim do mestrado, em 2013, D’Elboux continuou sua pesquisa. Enquanto caminhava com o Estado no Banco de São Paulo, fotografou a assinatura do autor do piso de mosaico. “Olha só, é geométrico e moderno. Você vê que até na assinatura tem uma preocupação em manter o estilo”, afirma.
Nos últimos cinco anos, o projeto cresceu e ganhou corpo virtualmente, transformando-se nas paginas Tipos Paulistanos em Instagram e Facebook. Em agosto de 2017, D’Elboux participou da Jornada do Patrimônio, evento organizado pela Prefeitura de São Paulo com visitas a imóveis históricos, roteiros de memória, oficinas, palestras e apresentações artísticas. No passeio Letras Art Déco dos Prédios de São Paulo, em um trajeto estimado em 2,5 quilômetros, o arquiteto e publicitário levou 25 pessoas para descobrir a capital. “As pessoas ficam espantadas porque a gente mostra detalhes que passam totalmente despercebidos pela maioria.”
O público que segue as redes sociais do Tipos Paulistanos é ligado, em geral, às áreas de design, arquitetura e publicidade, mas as páginas têm atraído também curiosos por aspectos antigos da cidade. “Tem gente que acha bonito. Fico surpreso de ver que o projeto também atingiu pessoas que veem beleza e riqueza na história”, afirma D’Elboux, que agora quer oficializar o Tipos Paulistanos como roteiro turístico.
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