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Diagnosticada com autismo nível 1, conhecido como autismo leve, a jornalista Renata Simões vai debater abertamente sobre o tema

Opinião|Quem definiu o que é ser normal? Ideia de padrão para as pessoas surgiu no século 19

Neurodivergente é quem se enquadra em alguma minoria neurológica; neurodiversa é a população

No dia anterior ao fechamento desta coluna tive um mal-estar que me derrubou na cama às nove da noite. Noite essa em que acordei várias vezes. Eram pensamentos desconexos sobre as tarefas do dia seguinte, “Preciso terminar o texto do Estadão... E o Metrópolis? Será que aviso para desmarcar a pauta da manhã...”. Parece que o botão da eficiência permanece ligado em qualquer situação. Não precisa ser autista para sentir isso, a briga entre a baixa na saúde e a pressão das entregas da vida moderna.

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Semana passada, no lançamento do novo livro do Sérgio Vaz no Sarau da Cooperifa, uma poeta se apresentou e em seu texto havia a menção ao autismo. O mais visível para mim foi a ansiedade que se torna uma bola na garganta, faz a gente se embolar nos sentimentos e iniciar uma avalanche. Normal, né? Assim como quando tive o diagnóstico e a impressão era que todo dia descobria alguém no espectro, recentemente tudo apontava para a percepção entre normalidade e divergência.

Quem definiu o que é ser normal? Tudo começa com um astrônomo belga no início do século 19. Adolphe Quételet teve seus planos de construção de um observatório arruinados pela guerra, e ficou obsessivo em desenvolver uma ciência para lidar com a sociedade, algo que sempre o interessou bem pouco, conta Todd Rose no artigo Como a Ideia de uma “Pessoa Normal” foi inventada, publicado no The Atlantic. Aplicando fórmulas matemáticas da astronomia aos dados que começavam a ser coletados na Europa, Quételet desenvolve a ideia de padrão para as pessoas.

Se sinto tudo igual a você, por que não sou considerada igual?”

Esse Homem Médio era a perfeição, o resultado da natureza livre de erro. A ideia foi aplicada por outros cientistas e filósofos a tudo, de salário a tamanho do tórax. O conceito se diluiu através do tempo. Do homem de Quételet chegamos aos estereótipos: “Neuróticos”, “líderes natos”, “faria limers”, “sem-teto”, “autistas”. Tudo sobre o indivíduo é presumido a partir da média do grupo do qual ele faz parte, e isso afeta como pensamos sobre nós mesmos, sobre os outros e como essas métricas são úteis ou nos aprisionam.

“Neurodivergente é quem se enquadra em alguma minoria neurológica, como autistas, disléxicos e TDAHs, e até pessoas com neurodivergência temporária, com sintomas neurológicos pós-covid. Neurodiversa é a população”, escreveu Tiago Abreu, autor de O Que É Neurodiversidade. Será que a competição individual hiperestimulada pelo modo de vida atual não está transformando qualquer diferença de interesse, capacidade ou sensibilidade em limitação?

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Estava no carro com um amigo, que comentou com o motorista sobre o narrador do Waze. Eu só ouvia a música que tocava no rádio. Foi aí que percebi a voz, um humorista da Paraíba. O que para ele era alto, a mim estava imperceptível. Desatei a rir. Uma gargalhada daquelas boas pausas da vida, que a gente se solta. Então, se sinto tudo igual a você, por que não sou considerada igual?

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