Não é novidade que muitas pessoas estão insatisfeitas com o próprio corpo – e que o desejo de boa parte delas é perder peso e gordura corporal. Essa vontade de emagrecer leva (e continuará levando) muitos a experimentar dietas de todos os tipos. Possivelmente, esses indivíduos também tentam programas de exercício e, com sorte, alguns seguem firmes treinando, apesar de todos os desafios de se manter fisicamente ativo em nossa sociedade.
Dentre as muitas dietas que apareceram nos últimos tempos, o jejum parece ter conquistado um cantinho especial no coração de muita gente. O motivo? Difícil definir, mas tenho a impressão de que a popularidade se deva, ao menos em parte, por ações comunicacionais agressivas e sensacionalistas de médicos e outros profissionais que alardeiam sobre supostos benefícios quase milagrosos do jejum.
Para ter ideia, muitos chegaram até a alegar que o trabalho do ganhador do prêmio Nobel de medicina, Yoshinori Ohsumi, mostrava que a prática do jejum poderia prolongar a expectativa de vida. Em tempo: Yoshinori elucidou mecanismos de autofagia em leveduras – um processo em que as células destroem e reciclam componentes celulares que já não funcionam como deveriam. Ou seja, ele não estudou o jejum como o concebemos, mas sim condições de deficiência de certos nutrientes no meio de cultura de leveduras. Convenhamos, bastante diferente de seres humanos ficando horas sem comer, não?

Jejum não é dieta – e precisa ser intermitente
Tecnicamente, fazer jejum não é exatamente seguir uma dieta, já que as dietas definem “o que” ou “quanto” se pode comer, ao passo que o jejum foca no “quando” se pode comer.
O jejum pode ser definido como uma abstinência voluntária de alimentos por um período específico de tempo. Existem diferentes formas de praticar o método, e todas, por definição, são intermitentes. Isso ocorre porque todo jejum precisa ser intercalado com períodos de alimentação (caso contrário, a pessoa vai a óbito). Além disso, se o objetivo é emagrecer, não faz nenhum sentido realizar uma única janela de jejum – e daí o fato de se repetir períodos de jejum intercalando-os com momentos de alimentação.
Quando nos alimentamos, entramos, logo após a refeição, em um estado denominado pós-prandial. Nesse período, que dura cerca de duas a três horas após a refeição, os nutrientes abundam em diversos compartimentos de nosso organismo, que cumpre o trabalho de absorvê-los e armazená-los. Passado esse período, começa, então, o estado pós-absortivo, em que, como o nome sugere, os nutrientes já foram absorvidos, e agora os estoques corporais começam a ser quebrados para manter os órgãos nutridos. Esse período dura até quatro a cinco horas após a refeição e, após isso, já consideramos que o corpo está em jejum.
Entende-se que essa situação pode ser mantida por até 24 horas após a última refeição – depois desse tempo, considera-se que a pessoa está em inanição. Por esse motivo, os protocolos mais comuns não incluem janelas de jejum superiores a 24 horas.
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Jejum atrapalha quem faz exercício?
Não. Por mais que isso possa parecer contraintuitivo para muitos, períodos de jejum de até 24 horas tendem a não piorar o rendimento nos exercícios, sejam eles de força ou de endurance (ou resistência). No entanto, se o jejum incluir abstinência de fluidos, é provável que ocorra desidratação, o que pode, sim, prejudicar o desempenho.
Para entender melhor essa questão, é importante saber sobre a importância dos estoques de glicose (e energia) que residem dentro dos músculos: o glicogênio muscular. O glicogênio é tão importante para o exercício que, quando os estoques caem, nossa capacidade de contrair os músculos também é reduzida. Quando esses estoques se esgotam, vem a exaustão física e a pessoa não consegue seguir se exercitando.
Embora a prática de jejum seja frequentemente associada à redução dos nossos estoques de glicogênio, o fato é que isso geralmente não acontece. Por outro lado, a restrição de alimentos tende a reduzir a quantidade de glicose no sangue (glicemia), o que poderia, em tese, prejudicar o desempenho. Em tese. Pessoas saudáveis conseguem regular muito bem a glicemia, de modo que episódios de hipoglicemia severos o suficiente para causar sintomas e prejudicar o desempenho são muito incomuns.
Jejum aumenta a queima de gordura?
Sim. Esse efeito é muito bem descrito na literatura, e é quase certo que todas as pessoas em jejum irão apresentar aumento na queima de gordura, sobretudo durante o exercício. Mas alerto o leitor a não se animar demais com essa informação. Embora essa mudança no metabolismo tenha implicações interessantes para atletas, isso é absolutamente irrelevante para o processo de emagrecimento.
Jejum prejudica a construção de músculos?
Não. Estudos mostram que a capacidade do músculo de responder à musculação com aumento da síntese de proteínas (processo fundamental para o crescimento muscular) não é afetada pelo jejum, mesmo quando o músculo já apresenta redução de seu glicogênio.
Por outro lado, a prática constante de jejum intermitente pode reduzir o consumo de calorias e de proteínas na dieta, favorecendo a perda de peso e também a de massa muscular.
O jejum não é um perigo à saúde como alguns acreditam, tampouco um remédio milagroso como outros propagandeiam. Felizmente, nosso corpo dispõe de diversos mecanismos regulatórios que lhe permitem adaptar-se a períodos de escassez de alimentos e seguir executando muito bem suas funções, mesmo em condições adversas. Agradeça à evolução!