Nobel de Medicina premia responsáveis pela tecnologia da vacina da covid-19

Bioquímica húngara Katalin Karikó e o imunologista americano Drew Weissman foram laureados; imunizantes de RNA, desenvolvidos em tempo recorde, foram chave na vitória contra a pandemia

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Foto do author Roberta Jansen
Por Roberta Jansen e Victor Vieira
Atualização:

O Prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina deste ano foi para os responsáveis por criar a tecnologia da vacina de mRNA: a bioquímica húngara Katalin Karikó e o imunologista americano Drew Weissman. As descobertas da dupla, fruto da pesquisa em ciência básica, levaram ao desenvolvimento em tempo de recorde de imunizantes contra a covid-19 em 2020, menos de um ano após o surgimento do novo coronavírus. Essa foi a principal arma da humanidade para frear a maior pandemia do último século, com quase 7 milhões de vítimas (700 mil delas no Brasil).

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O anúncio dos vencedores foi feito nesta segunda-feira, 2, na Suécia. Além da medalha e do diploma, os laureados levam para casa uma quantia substancial em dinheiro, 11 milhões de coroas suecas (em torno de R$ 4,8 milhões). O prêmio de Medicina vem sendo entregue desde 1901, quando a premiação teve início, seguindo as diretrizes deixadas postumamente no testamento do químico e inventor sueco Alfred Nobel (1833-1896).

Em entrevista logo após o anúncio do resultado, a bioquímica de 68 anos contou que não conseguia parar de rir. “É inacreditável ganhar este prêmio”, afirmou.

Katalin contou que ao receber a notícia de que tinha ganhado o Nobel lembrou imediatamente da mãe, a única que a apoiou durante muitos anos.

“Ela está ouvindo lá de cima, com certeza”, disse. “Há 10 anos eu não conseguia nem ser reconhecida como professora, não tinha equipe, havia sido rebaixada de posto. Mas minha mãe dizia que meu nome seria legitimado — eu respondia que nunca ia acontecer.”

O mRNA é um material genético sintetizado em laboratório que tem a função de “levar instruções” para as células agirem. Na vacina da a covid-19, ele induz as células a produzirem uma proteína do vírus que será reconhecida pelo sistema imunológico como ameaça, o que levará à produção de anticorpos.

A dupla descobriu que essa técnica pode ser usada para bloquear a ativação das reações inflamatórias e aumentar a produção de proteínas quando o mRNA é distribuído para as células. Eles publicaram os resultados da investigação em 2005, mas receberam atenção tímida da comunidade científica.

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Na época, revistas de mais prestígio, como Nature e Science ahegaram a negar a publicação do primeiro artigo, segundo Weissman. A pesquisa foi relatada na Immunity, uma revista de nicho. Os dois se conheceram na Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos, após Katalin se mudar para lá após perder financiamento para suas pesquisas na Hungria.

“Não trabalhavamos pensando em recompensas”, contou Katlin, em entrevista concedida logo após a divulgação da premiação. “O objetivo era conseguir um produto que pudesse ajudar as pessoas.”

Weissman, que também é professor na Universidade de Penn, nos EUA, disse que ganhar o Nobel “era um sonho da vida toda” e que se lembrava de trabalhar intensamente com Katlin durante mais de vinte anos, trocando emails de madrugada já que ambos padecima de insônia.

“Se você não gosta do que faz, você não deveria fazer isso”, disse Katlin, na entrevista. “Se o que você quer é ser rico, não sei como responder a isso; mas se você gosta de resolver problemas, então a ciência é para você.”

Inicialmente, havia obstáculos para o uso clínico da tecnologia, uma vez que o mRNA produzido in vitro era instável e aumentava as reações inflamatórias. Ao longo dos anos, porém, os dois pesquisadores conseguiram fazer fabricar vários tipos de mRNA e fizeram vários testes em camundongos. Resolveram o mistério e praticamente eliminaram a resposta inflamatória exacerbada.

Dupla publicou trabalho sobre a tecnologia em 2005 Foto: Eugene Hoshiko / POOL / AFP

Somente a partir de 2010, duas biotechs fundadas, uma alemã e outra americana, resolveram apostar na tecnologia. BioNTech e Moderna (você deve se lembrar desses nomes por causa da pandemia), justamente as primeiras empresas a apresentarem resultados extraordinários de eficácia de uma vacina anticovid (95% e 94%, respectivamente).

Em 2013, Katalin foi convidada a trabalhar na BioNTech, que testava a tecnologia de RNA em tratamentos contra o câncer. Com a crise sanitária em 2020, a húngara, já no cargo de vice-presidente da empresa, participou do desenvolvimento da vacina feita em parceria com a Pfizer.

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Até então, não havia nenhum imunizante registrado no mundo usando a tecnologia do RNA. A rapidez no desenvolvimento e alto índice de eficácia dos novos produtos surpreenderam a sociedade acadêmica. A expectativa é de que, no futuro, a vacina sirva para outras doenças, como vários tipos de câncer.

Os fundadores da BioNTech, que atuaram com Katalin no desenvolvimento da vacina anticovid, estimam que antes de 2030 um imunizante contra câncer om base na mesma tecnologia pode chegar ao mercado. A BioNTech já trabalhava em vacinas contra o câncer com base em RNA mensageiro antes da pandemia, mas priorizou os produtos contra a covid-19 diante da emergência. Entre os alvos, estão tumores no intestino e melanomas.

Katalin Karikó é 13ª mulher a ganhar o prêmio

Em mais de um século de premiação, só 12 mulheres foram agraciadas com o Nobel de Medicina antes de Katalin Karikó. A primeira delas foi apenas em 1947, a americana Gerty Cori, que dividiu a honraria com dois homens. Um deles era seu marido, Carl Ferdinand Cori, com quem desenvolveu pesquisas essenciais para a melhor compreensão da diabetes.

A única mulher a conquistar a láurea sem compartilhá-la com outros cientistas nesta categoria foi Barbara McClintock, em 1983, por suas descobertas sobre os chamados “genes saltadores”, que transitam no genoma e são capazes de se mover e se replicar em segmentos do DNA.

Em 1951, o Prêmio Nobel de Medicina também exaltou o desenvolvimento de outra vacina: contra a febre amarela. O ganhador foi o microbiologista sul-africano Max Theiler.

Geneticista ganhou em 2022

No ano passado, o grande vencedor foi o geneticista sueco Svante Paabo, responsável pelo sequenciamento do DNA dos Neandertais – uma espécie extinta de hominídeos. Paabo também foi o responsável pela descoberta de uma nova espécie de hominídeo, os Denisovan. E, o mais importante: o geneticista demonstrou como esses hominídeos atualmente extintos se relacionaram com o Homo sapiens há 70 mil anos, quando nossos antepassados começaram a deixar a África para conquistar o restante do planeta, nos legando parte de seu código genético.


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O cientistas sueco Svante Paabo, vencedor do Nobel de Medicina em 2022, segura a réplica de um crânio Neandertal  Foto: Hendrik Schmidt/AP

Em 2021, o Nobel de Medicina foi para David Julius e Ardem Patapoutian “pela descoberta dos receptores de temperatura e tato”. No ano anterior, Harvey J. Alter, Michael Houghton e Charles M.Rice foram os laureados por conta da descoberta do vírus da hepatite C.

William G Kaelin, Peter J. Ratcliffe e Gregg L. Semenza foram premiados em 2019 “por terem descoberto como as células se adaptam à disponibilidade de oxigênio”. /COM THE NEW TORK TIMES

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