COP-28: hesitação de Lula sobre petróleo na Margem Equatorial do Amazonas ofusca esforço antidesmate

País chega na COP-28 com melhora no combate ao desmatamento, mas incerteza sobre exploração de combustível fóssil na Margem Equatorial do Amazonas atrapalha

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Por Paula Ferreira
Atualização:

O Brasil tem planos de se mostrar como uma liderança na Cúpula do Clima das Nações Unidas (COP-28), que começa nesta quinta-feira, 30, em Dubai. O objetivo é aumentar o protagonismo do País até a conferência de 2025, em Belém. Um tema, porém, promete dar dor de cabeça ao governo federal: a hesitação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em bloquear planos de explorar petróleo na Margem Equatorial, próximo à foz do Rio Amazonas, o que desgastou a imagem do País na agenda ambiental.

Lula quer usar resultados de queda de desmatamento para convencer países ricos a dar mais dinheiro para a preservação da floresta Foto: Wilton Junior/Estadão

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Por um lado, o governo quer usar os dados positivos no combate ao desmatamento da Amazônia (queda de 22% em um ano) para convencer os países ricos a dar mais dinheiro para a preservação florestal. Por outro, a possibilidade de novas frentes de combustíveis fósseis, principal fonte de emissão de gases do efeito estufa no planeta, atrai questionamentos.

A extração de petróleo na Margem Equatorial divide o governo internamente. A área ambiental resiste em conceder licenças para que a Petrobras pesquise petróleo na região. Já a pasta de Minas e Energia defende que que seja feita o estudo com o propósito de extrair o recurso. Em falas recentes, o presidente tem minimizado a questão.

“Se encontrar a riqueza que se pressupõe que exista lá, aí é uma decisão de Estado se vai explorar ou não. Mas veja, é uma exploração a 575 quilômetros à margem do (Rio) Amazonas. Não é uma coisa que está vizinha do Amazonas”, disse Lula, em setembro.

Em maio, o Ibama negou licença para perfurar um poço na bacia da Foz do Amazonas para a Petrobras. O órgão argumentou, entre outros pontos, que era necessária Avaliação Ambiental de Área Sedimentar. O Ministério de Minas e Energia discordou da avaliação e pediu parecer técnico da Advocacia-Geral da União (AGU). Esse parecer está previsto para o início de 2024.

Também há desgastes com parceiros importantes. Em agosto, na cúpula que reuniu líderes de países amazônicos no Pará, o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, alfinetou Lula. Na ocasião, Petro defendeu que os países da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) assumissem o compromisso de não explorar petróleo na região e classificou como “negacionismo” a expansão das frentes de combustível fóssil.

Não se trata de uma exploração diretamente na floresta. A foz do Amazonas faz parte da Margem Equatorial, que se estende por uma área de mais de 2,2 quilômetros quilômetros de litoral do Amapá ao Rio Grande do Norte. Nesse região, há grande potencial de descoberta de petróleo, perto da Guiana, que também espera lucrar com a exploração de petróleo na região.

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Para Marcelo Laterman, do Greenpeace Brasil, um projeto desse porte fragilizaria a posição de exemplo climático almejada pelo Brasil. “(O projeto na Foz do Amazonas) ignifica grave ameaça à biodiversidade e aos povos da região e, possivelmente, perda de credibilidade, de margem de negociação, e de uma oportunidade única de protagonismo internacional”, diz.

A gestão Lula tem adotado a estratégia de minimizar o impacto do tema em discussões globais. O argumento é de que há outras nações com situação mais preocupante, como a Grã-Bretanha, que vai abrir novos poços de petróleo. A visão é de que o Brasil seria “peixe pequeno” no futuro de uso do carbono.

“A decisão sobre combustível fóssil não é uma decisão só nacional, de cada um dos países. Temos de ter um acordo global sobre isso. Qual é o acordo? Cadê as propostas?” disse a secretária Nacional do Clima, Ana Toni, ao Estadão.

Estudo do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), de novembro, mostra o mundo na contramão dos alertas de cientistas. A análise revela que os países planejam produção em 2030 de combustíveis fósseis 110% acima do limite necessário para cumprir o Acordo de Paris.

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“Em 2020, o mundo consumia 99 milhões de barris de petróleo por dia. Hoje consome 103 milhões de barris por dia, apesar da entrada de muitos renováveis, como eólica, solar, biocombustiveis. Mas não conseguimos compensar o aumento da demanda”, diz Roberto Ardenghy, presidente do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás. “O mundo precisa encontrar alternativas competitivas, ou uma maneira de reduzir a demanda de energia.”

Mudança nos rios ameaça matriz limpa brasileira

Segundo dados compilados pelo Instituto Talanoa, entidade que defende a agenda climática, metade da matriz energética brasileira (50,8%) se baseia em combustíveis fósseis. O petróleo e seus derivados têm maior presença nesse total (35,7%).

O Plano Nacional de Energia 2050, finalizado em 2020, considera o avanço na exploração de petróleo como “oportunidade de desenvolvimento”. O documento fala da transição energética, um processo é “complexo e longo”, com base em biocombustíveis, a eficiência energética, a eletrificação e o gás natural.

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“O Brasil chegará no fim da década como 4º maior produtor de petróleo. Exportaremos essas emissões e temos o desafio de evitar a carbonização da nossa matriz elétrica”, diz Natalie Unterstell, presidente do Talanoa. “Com a mudança do clima, as vazões (dos rios, que servem às hidrelétricas) estão mudando, e o governo tem optado por abastecer o Sistema Interligado Nacional com fontes fósseis de energia”

Pesquisa da Agência Internacional de Energia Renovável diz que é preciso triplicar a capacidade global de produção de energias renováveis e dobrar a eficiência energética até 2030 para colocar a transição energética em um caminho capaz de manter a temperatura global até 1,5º acima da era pré-industrial.

Plano de transição energética é aposta do governo

Uma das frentes do governo para expandir a oferta de energias renováveis é o marco legal das eólicas offshore no Congresso. Caso a legislação passe, há expectativa de que as primeiras usinas eólicas, que geram energia pela força dos ventos, sejam construídas em alto mar no fim da década.

A transição energética é um dos eixos do Plano de Transformação ecológica conduzido pelo Ministério da Fazenda. Entre outros pontos, a proposta do ministro Fernando Haddad pretende criar linhas de crédito voltada para o desenvolvimento de alternativas sustentáveis e a criação de um mercado regulado de carbono. A estratégia será lançada na COP-28, nesta sexta-feira, 1º.

Para Beto Mesquita, membro da Coalizão Brasil, não há expectativa de que o mundo pare de consumir petróleo de uma hora para outra. Mas que ao menos indique um caminho rumo ao “phase out” (a eliminação gradual desse consumo).

“O que precisamos, urgente, é de um plano estratégico que aponte o phase out, estabeleça os passos e a trajetória necessários para um modelo de transição energética que priorize fontes renováveis e limpas, em modelos de produção e distribuição inclusivos e sustentáveis ao longo da cadeia”, argumenta ele, diretor de Florestas e Políticas Públicas da BVRio, organização sem fins lucrativos que defende soluções de mercado inovadoras e sustentáveis.

Para Mesquita, é um contrassenso investir bilhões na exploração de novas áreas de petróleo. “O Brasil tem enorme vantagem comparativa em relação a países desenvolvidos no que se refere a sua matriz energética. Se insistir na aposta de que só com a ampliação da exploração de fósseis terá condições de avançar na transição, perderá a vantagem que tem hoje na corrida por energias renováveis”, defende.

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