COP-28: Quanto Brasil prevê de captação para fundo global de proteção de florestas?

Proposta de pagar pela proteção de biomas mira aporte inicial de US$ 250 bilhões para até 80 nações, mas êxito da proposta envolve superar divergências inclusive entre vizinhos amazônicos

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Por Paula Ferreira e Karla Spotorno (Broadcast)
Atualização:

ENVIADAS ESPECIAIS A DUBAI* - O Brasil propôs nesta sexta-feira, 1º, a criação de um fundo de investimento global que distribuirá parte dos rendimentos para países que preservam as suas florestais tropicais. O projeto, ainda bastante preliminar, nasce com a meta de captação inicial de US$ 250 bilhões (R$ 1,23 trilhão) para até 80 nações - não há valores específicos para cada uma delas. Mas, para avançar nisso, o Brasil precisa ganhar confiança de parceiros ricos e superar divergências de interesses entre os países florestais, incluindo vizinhos amazônicos.

Lula tem ganhar protagonismo na agenda climática, mas divergências de interesses e lacunas na agenda ambiental são gargalos Foto: EFE/EPA/ALI HAIDER

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A proposta do Fundo Floresta Tropical para Sempre (FFTS, na sigla em inglês) foi apresentada na Cúpula do Clima das Nações Unidas (COP-28) em Dubai. O modelo está ainda aberto a contribuições dos países que abrigam florestas - entre os principais, Congo, Indonésia e Colômbia. Esse plano é uma das principais apostas da gestão Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de consolidar liderança nesse grupo.

O Brasil também usa os dados positivos de queda de desmate na Amazônia (22% em um ano) para se apresentar como um dos principais potenciais beneficiários desse fundo. Mas o governo Lula tem enfrentado críticas pelas falhas no planejamento de prevenção a queimadas na floresta e também no Pantanal, dois biomas que tiveram recordes de incêndios.

Vista aérea da Amazônia em Parauapebas, no Pará; governo reduziu desmate na floresta, mas viu alta de queimadas no Amazonas Foto: Daniel Teixeira/Estadão

O FFTS deverá remunerar os cotistas com juros de mercado equivalente a de um titulo soberano de nação desenvolvida. A diferença para a rentabilidade conseguida pelo gestor – ou seja, a rentabilidade da carteira subtraída da taxa livre de risco – será destinada para o pagamento dos países que comprovam a preservação ou a restauração de suas florestas tropicais.

A gestão será feita por um organismo global, que capta recursos via emissão de títulos de baixo risco (AAA). A estimativa é de US$ 25 por hectare preservado ou restaurado, mas esse valor ainda passará por mais estudos. É prevista uma penalidade de 100 hectares no valor para cada hectare desmatado.

Inicialmente, o FFTS captará recursos de fundos soberanos, ou seja, pode ser criado pela decisão de poucos agentes econômicos (países florestais e algumas nações com fundos soberanos. “Esse recurso não será de doação. Não é caridade”, disse a ministro do Meio Ambiente, Marina Silva. Segundo ela, o fundo seria abastecido pelos rendimentos extras, o que não traz prejuízos aos fundos.

Segundo o presidente do Serviço Florestal Brasileiro, Garo Batmanian, os 13 maiores fundos soberanos do mundo têm US$ 1,3 trilhão investido em ativos de baixo risco. Ainda deverá ser definido o gestor ou organismo global a gerir o fundo.

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Divergência na Amazônia expôs desafio de consenso entre países florestais

Em agosto, o Brasil sediou uma cúpula de países amazônicos em Belém, na tentativa de firmar sua liderança entre os países que abrigam o bioma. A iniciativa, porém, comprovou as dificuldades em os conciliar interesses diversos. O documento final do encontro frustrou especialistas pela falta de consenso nas metas antidesmate e no veto a novas frentes de exploração de combustíveis fósseis.

A gestão Lula queria adesão de todos os vizinhos amazônicos à meta, já assumida pelo Brasil, de zerar o desmate na floresta até 2030, mas não obteve sucesso. Por outro lado, o governo recursou a proposta do presidente colombiano, Gustavo Petro, de incluir no documento final o compromisso de não abrir novas frentes de exploração de combustíveis fósseis na região.

Lula tem hesitado sobre os planos de explorar petróleo na Margem Equatorial do Amazonas. O projeto divide o governo internamente. A área ambiental resiste em dar licenças para que a Petrobras pesquise petróleo na região. Já a pasta de Minas e Energia defende fazer o estudo com o propósito de extrair o recurso. Em falas recentes, o presidente minimizou a controvérsia.

“É uma exploração a 575 quilômetros à margem do (Rio) Amazonas. Não é coisa que está vizinha do Amazonas”, afirmou, em setembro. A foz do Amazonas faz parte da Margem Equatorial, que se estende por mais mais de 2,2 quilômetros quilômetros de litoral do Amapá ao Rio Grande do Norte. Na região, há grande potencial de descoberta de petróleo. A Guiana, por exemplo, também espera lucrar com a extração no local.

Outro elemento de desestabilização na área é a escalada de tensão entre Venezuela e Guiana. Na quinta-feira, 30, o Brasil intensificou a presença de militares em Parcaraima, na fronteira norte do país, após o aumento da tensão entre os dois vizinhos.

Isso ocorre às véspera de um referendo na Venezuela convocado pela ditadura de Nicolás Maduro com o objetivo de anexar a região do Essequibo, equivalente a 75% do território da Guiana.

Modelo reduz risco em trocas de governo, diz especialista

Maria Netto, diretora executiva do Instituto  Clima e Sociedade, elogia a proposta. “É uma espécie de pagamento por serviço ambiental. Talvez dê certa continuidade em medidas, independentemente de mudanças em governos ou em situações que já vimos no Brasil e outros países”, avalia.

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O Fundo Amazônia, por exemplo, foi paralisado por quatro anos na gestão Jair Bolsonaro (PL), sob o argumento de suspeitas de irregularidades no programa, que nunca foram confirmadas.

*A repórter Paula Ferreira viajou a convite do Instituto Clima e Sociedade

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