Por Marcos Woortmann
O mundo entrou em uma nova era climática. Em 2024, ultrapassamos o limite crítico de 1,5°C de aquecimento global estabelecido pelo Acordo de Paris, revelando sem margem de dúvidas uma realidade alarmante: as mudanças climáticas já não são apenas previsões científicas, mas um fato que impacta milhões de vidas ao redor do globo. Quem vive na Amazônia, no Pantanal e no Rio Grande do Sul pôde ver essa realidade com os próprios olhos.
Neste ano, o Brasil terá a responsabilidade de liderar as discussões globais sobre clima na COP 30, em Belém, capitaneadas pelo embaixador André Correa do Lago e a Secretária de Mudanças do Clima do MMA, Ana Toni. A COP representa uma oportunidade histórica para o país, se formos capazes de avançar no aprimoramento das políticas globais de mitigação e adaptação às mudanças climáticas, neste momento em que o mundo revisará suas respectivas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) para conter o aquecimento global. No entanto, para isso, além de enfrentar pressões externas do populismo hostil à pauta ambiental, uma liderança brasileira exigirá coerência e enfrentamento a desafios internos significativos.
Embora o Brasil esteja em posição de protagonismo no cenário climático mundial, carrega contradições internas que podem comprometer sua credibilidade, sendo um dos maiores produtores de petróleo do mundo. A recente adesão à OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo), priorizou interesses econômicos de curto prazo sobre as demandas globais de transição energética, e a exploração de petróleo na margem equatorial da Amazônia ameaça a maior bacia hidrográfica do planeta, imprescindível regulador climático global de serviços ambientais insubstituíveis.
Essa postura pragmática contrasta com avanços importantes, como a aprovação do marco regulatório da energia eólica offshore em 2025 e a queda do desmatamento, que devem ser elogiadas. Contudo, a despeito destes e outros avanços dignos de nota, são muitos mais os desafios: a dependência da matriz energética hidrelétrica do Brasil, por exemplo, vulnerável às mudanças no regime de chuvas, é outro ponto de preocupação, pois o desmatamento da Amazônia, atualmente em 17%, se atingir 20% a 25%, conduzirá à savanização da floresta e à escassez de chuvas em boa parte da América do Sul, para muito além de nossas fronteiras. Esse calcanhar de Aquiles sabemos ser de difícil solução, mas sabemos também que ela a transformação ocorrerá apenas se houver uma linha narrativa e de projeto de país clara e que mobilize a sociedade civil para fazer o enfrentamento democrático pelos rumos do país, que não podem mais carregar tais contradições em seu bojo por muito mais tempo.
A mitigação das mudanças climáticas está profundamente ligada à democracia. O Brasil passou por momentos de enorme tensão política nos últimos anos, e precisa consolidar instituições democráticas fortes para poder implementar políticas climáticas robustas, que não dependam de maiorias parlamentares, mas simplesmente de fazer valer os princípios vigentes na Constituição Federal.
A delegação brasileira nas COPs anteriores foi a maior do mundo, refletindo seu engajamento e compromisso. No entanto, desafios logísticos e financeiros, se não forem resolvidos, limitarão grandemente a participação destes atores-chave na COP 30, em Belém. Garantir essa presença é essencial para que as decisões globais e compromissos atendam à realidade que já se impõe sobretudo sobre as populações mais vulneráveis à enchentes, ondas de calor, má qualidade do ar, secas e tempestades tropicais, cada vez mais frequentes.
A COP 30 é mais do que uma conferência climática, é uma oportunidade para redefinir as bases da cooperação internacional e estabelecer um multilateralismo forte e sustentável como um freio à ascensão negacionista e populista que ameaça as democracias mundo afora. O momento histórico exige que o Brasil vá além de declarações e intenções, e lidere medidas concretas que incluam reformas no sistema financeiro global para viabilizar a justiça climática, avanços reais na transição energética que reduzam a dependência de combustíveis fósseis, garantindo também a diversidade e a representatividade neste espaço de decisão que afeta toda a humanidade
O mundo está em um ponto de inflexão, e as decisões tomadas em Belém terão impactos que transcendem fronteiras e gerações. Um futuro digno pode ser construído, mas, como dizia Guimarães Rosa da vida, a vida nos exige coragem.