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Desafios do Brasil no século 21

Opinião|Para cumprir suas metas, o Brasil precisa dos servidores ambientais

Por Marcos Woortmann, Cientista político e coordenador de Política Socioambiental do IDS; e Luiza Chaer, Cientista social e assessora de Advocacy do IDS

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Nos últimos anos, testemunhamos ataques constantes à preservação do meio ambiente, em diversos níveis. Assistimos ao desmonte das estruturas de proteção, e as carreiras ambientais do Estado acumulam demandas de melhora há pelo menos sete anos. Não será possível cumprir as metas ambientais ambiciosas e necessárias, que o Brasil tem pela frente, sem ter quem as cumpra por todo o país.

Em paralelo ao desmonte pela inação no governo passado, os servidores do meio ambiente enfrentaram anos de assédio institucional e moral, como quando um ex-presidente do Ibama os chamou publicamente de loucos. Retaliações por posicionamentos técnicos e outros episódios indignos da gestão pública foram rotina entre 2019 e 2022. Neste sentido, os avanços recentes são notáveis, ainda que insuficientes.

O Brasil tem enormes responsabilidades em relação ao meio ambiente. Embora os números relativos à Amazônia tenham melhorado significativamente, o desmatamento continua, e não existe, ainda, segurança em relação a evitar o ponto de não retorno no bioma. Em outras palavras, o limite de desmatamento que não pode ser atingido, antes do qual ainda seria possível que o bioma se regenere, segue cada vez mais próximo. Embora num ritmo menor, o desmatamento continua, e um colapso em poucas décadas não pode ser totalmente excluído como possibilidade.

Nos biomas contíguos à Amazônia, em especial o Pantanal e o Cerrado, não fomos capazes de apresentar resultados satisfatórios como país. O impacto da degradação desses biomas é global, com consequências severas sobre as mudanças climáticas. Ondas de calor, escassez hídrica, desertificação e perda de safras e zonas agricultáveis são algumas das consequências prováveis, se não conseguirmos evitar o colapso desses três biomas brasileiros, e ficarmos com apenas três dos seis.

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As metas de zerar o desmatamento ilegal na Amazônia até 2030, reduzir em 48% as emissões de carbono, sediar a COP30 em 2025, e realizar a transição ecológica da economia são compromissos que o Brasil assumiu perante o mundo, e são proporcionais à nossa responsabilidade com a estabilidade climática do planeta. Todo o trabalho necessário para concretizar tamanhos desafios será viável somente se o país puder dispor de um adequado quadro de servidores ambientais bem treinados, valorizados, com plena capacidade de trabalho e integrados nos níveis municipal, estadual e federal, cobrindo todo o território nacional.

O novo PAC e grande parte do projeto econômico brasileiro guardam estreita relação com as carreiras ambientais: as obras previstas de infraestrutura, por exemplo, exigem licenciamento e planejamento ambiental estratégico para evitar o desmatamento colateral, como no caso das "espinhas de peixe", que historicamente seguiram-se a grandes projetos de pavimentação e abertura de rodovias na Amazônia. Precisamente, é o que o Congresso Nacional tenta fazer avançar, no caso da BR-319. Se apenas essa obra for aprovada sem o devido cuidado, os seus impactos ambientais inviabilizarão todas as metas citadas, tamanho o desmatamento, a degradação, a emissão de carbono e a aproximação do ponto de colapso do bioma amazônico que se seguirão.

Enquanto, em 2010, havia no Ibama 791 processos ativos sendo analisados por 316 técnicos, em 2023 esse número saltou para 3.299 processos sob a responsabilidade de 228 técnicos. Muitos defendem que há de se reduzir as exigências ambientais, mas a história recente dos desastres de Mariana, Brumadinho e Maceió devem nos ensinar alguma coisa. Não se pode precarizar ainda mais tal realidade, cujas consequências são sentidas por milhões de pessoas.

Dos servidores nomeados no último concurso para o Ibama, 18% já desistiram de seus postos. O Instituto já chegou a contar com 6.200 servidores, mas hoje tem um efetivo em torno de 2.500, que, segundo a Associação Nacional dos Servidores de Carreira em Meio Ambiente (Ascema), tende a diminuir ainda mais com a aposentadoria de cerca de mil servidores nos próximos três anos. É evidente que não haverá metas cumpridas sem quem trabalhe por elas.

Diversos estudos já demonstraram a ligação do crime organizado com os crimes ambientais, especialmente na Amazônia. Para mover drogas, financiar operações e lavar dinheiro, facções criminosas, como o PCC e o Comando Vermelho, interiorizaram sua presença e ampliaram seu leque de atividades: grilagem de terras, garimpo, pesca ilegal e desmatamento passaram a integrar seu portfólio de crimes. Os servidores do meio ambiente, em alguns casos, são a única linha de frente no combate ao crime organizado, arriscando suas vidas em nome da segurança pública, da soberania do território nacional e das metas internacionais do governo brasileiro.

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As demandas de reestruturação de carreira desses servidores não são apenas justas, são imprescindíveis e urgentes. A economia, a segurança climática e o estado de direito dependem do fortalecimento dos órgãos ambientais e da valorização de seus profissionais, sem os quais não será possível cumprir os compromissos assumidos pelo Brasil diante do mundo.

Opinião por Equipe IDS
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