Namoro e acasalamento nunca estiveram tão quentes - e isso nem sempre é uma coisa boa.
Veja a libélula macho, que tenta impressionar a fêmea com impressionantes desenhos amarelos, vermelhos, marrons e pretos nas asas como um esvoaçante Pablo Picasso. No entanto, alguns machos estão descobrindo que o aspecto atraente de pigmentos mais escuros não vale a pena em um mundo em aquecimento. Agora, muitos estão perdendo o brilho em suas asas para ajudar a diminuir o calor - mesmo que isso possa desapontar as fêmeas.
As mudanças climáticas nos ensinam que a aparência não é tudo.
No mundo animal, a seleção de certas características tem sido o maior impulsionador de como algumas espécies sexuais irão evoluir. Se uma característica, comportamento ou dança ajudar a atrair ou competir por um parceiro, elas irão adotá-los mesmo que isso não seja tão útil em outros casos. Mas à medida que nosso planeta atinge temperaturas impensáveis, algumas espécies são forçadas a repensar seus hábitos de namoro.
Esses ajustes vêm em muitas formas. Muitos animais estão desistindo de características atraentes, enquanto outros mantêm essas características e encontram maneiras diferentes de economizar energia. Alguns animais estão se ajustando mudando totalmente os atributos que valorizam em um parceiro. E embora a pesquisa seja muito limitada, há até mesmo algumas evidências sugerindo que os hábitos humanos de acasalamento também estão mudando em um mundo em aquecimento.
Atualmente, os animais não estão se adaptando de forma rápida o suficiente para acompanhar as mudanças climáticas. Mas, a longo prazo, as mudanças na seleção sexual podem ser um componente importante para algumas espécies de animais se adaptarem de forma mais rápida e eficiente a um clima de aquecimento rápido - e isso será essencial, pois a mudança climática pode levar até 1 em cada 6 animais e espécies de plantas à extinção.
“Estamos todos percebendo: ‘Ah, precisamos estudar a reprodução, além da sobrevivência, se quisermos entender como os organismos vão responder ao clima nos próximos 20 a 50 anos’”, disse Michael Moore, um biólogo evolutivo da Universidade do Colorado em Denver.
Veja alguns animais que estão adaptando seu comportamento de acasalamento no calor intenso.
Eu gosto de bons fenótipos e não vou mentir.
O leão macho com a juba maior e mais escura. O pavão macho com as penas mais longas e coloridas. O competidor do “Bachelor” ou “Bachelorette” com a melhor aparência (chegaremos ao acasalamento humano momentaneamente).
Normalmente, muitos animais sexuais encontram um parceiro com base em características observáveis, conhecidas como fenótipo. O animal com características mais grandiosas, chamativas ou extravagantes do que seus concorrentes é o preferido. Essas características geralmente são focadas em machos, mas nem sempre (vejam o caso dos cavalos marinhos fêmeas).
Os biólogos evolucionistas dizem que essas exibições atraentes geralmente são indicadores de bons genes, que as fêmeas desejam passar para seus descendentes. Em algumas comunidades de animais, como bandos de leões, os machos preferidos acasalam com muitas fêmeas, e essas características são transmitidas com mais frequência.
“Os machos que podem cultivar esses ornamentos ou sinais muito grandes ou fazer sons mais altos e derrotar todos os outros machos são de alguma forma geneticamente superiores”, disse Rob Knell, ecologista evolutivo da Queen Mary University of London. “Para machos de boa qualidade, em sistemas de forte seleção sexual, você deve ver uma adaptação mais rápida a ambientes em mudança.”
Mas muitos desses traços chamativos drenam energia. Por exemplo, grandes quantidades de pigmentação escura nas asas de uma libélula podem aquecer o inseto em até 2 graus Celsius. Isso é demais para uma libélula no clima de hoje. O mesmo pode ser dito para o estresse em qualquer número de espécies.
“Há definitivamente evidências de que, à medida que nosso clima esquenta e nosso ambiente se torna mais estressante de várias maneiras diferentes, torna-se cada vez mais difícil para esses organismos produzir essas características que são realmente importantes para atrair parceiros e intimidar rivais reprodutivos”, disse Moore.
Ao estudar mais de 3.000 observações de libélulas, Moore e seus colegas descobriram que os machos optaram por menos pigmentação nas últimas décadas. Durante os anos mais quentes da Terra, os machos exibiam a menor quantidade de cor.
“A melhor evidência que temos até agora é que a seleção natural está matando os machos realmente ornamentados nos anos mais quentes”, disse Moore, que está estudando como as fêmeas estão respondendo à mudança para machos menos coloridos. Ou os machos com muita coloração “são incapazes de chegar aos lugares onde se envolvem nesses comportamentos de acasalamento e onde lutam com outros machos por territórios”.
Mas perder o traço chamativo não é a única opção. Craig Packer, que estuda os leões há décadas, disse que os animais podem manter sua ostentação e optar por desenvolver outras características para equilibrar a carga extra de energia.
Por exemplo, leões com jubas escuras que absorvem o calor podem desenvolver melhores habilidades de respiração, procurar sombra com mais frequência ou fazer intervalos mais longos após o sexo (durante os quais machos com jubas mais claras podem atacar as leoas). A pesquisa mostra que os machos de juba mais escura também bebem mais água, o que presumivelmente os ajuda a se refrescarem.
As jubas escuras são basicamente um macho dizendo ao mundo: “Olhe para mim, eu aguento o calor”, disse Packer, ecologista da Universidade de Minnesota. “Contanto que alguns machos sejam mais capazes de lidar com isso, eles ainda manifestarão uma coloração um pouco mais visível e as fêmeas ainda poderão se basear nisso” para selecionar parceiros.
As fêmeas estão se tornando menos exigentes
Quando as fêmeas estão sentindo o calor (literalmente), elas podem parecer menos exigentes na seleção.
Sob temperaturas mais altas, disse Moore, algumas fêmeas alteram o que valorizam ou até mesmo o número de amantes. Os cientistas ainda estão estudando esses ajustes na natureza, mas observaram mudanças no gosto de uma fêmea em estudos de laboratório.
Um estudo de laboratório descobriu que as mariposas do gênero Ostrinia se tornaram menos seletivas em relação a um determinado feromônio sedutor nos machos, ou “perfume”, como a pesquisadora Genevieve Kozak o chamou, em temperaturas mais altas. Ela argumentou que as fêmeas podem ficar estressadas em temperaturas mais altas ou até mesmo lutar para sobreviver, então elas estão “colocando tudo neste acasalamento porque pode ser o último”.
“Elas podem ficar menos exigentes. Elas ainda têm as preferências, mas não as expressam”, disse Kozak, bióloga evolutiva da Universidade de Massachusetts em Dartmouth.
Outro estudo de laboratório descobriu que as moscas das frutas fêmeas, que normalmente acasalam com apenas um macho, aumentaram o número de acasalamentos em temperaturas mais altas. Em suma, as moscas das frutas fêmeas tornaram-se mais promíscuas - embora o pesquisador da Universidade de Saint Louis, Noah Leith, prefira dizer que elas são “mais receptivas a mais parceiros sob as mudanças climáticas”.
Leith, que publicou uma revisão dos hábitos de acasalamento dos animais sob temperaturas mais altas, explicou que as fêmeas alteravam seu comportamento para garantir o sucesso reprodutivo. Sob temperaturas mais quentes, alguns machos têm problemas para produzir esperma. Assim, as fêmeas acabam acasalando com vários machos para garantir que recebam espermatozoides viáveis suficientes para fertilizar todos os seus óvulos.
Quando as vidas amorosas humanas esquentam
E as pessoas? Os pesquisadores dizem que provavelmente seria impossível desvendar o efeito da mudança climática em nossas vidas amorosas, por conta de muitas outras influências sociais. Mesmo assim, algumas pesquisas mostram que as pessoas sentem a influência do calor e ficam incomodadas com ele.
Como nas moscas das frutas, a saúde reprodutiva nas pessoas também pode ser influenciada por altas temperaturas. Um estudo, que se concentrou em pessoas nos Estados Unidos, mostrou que oito a 10 meses após dias acima de 26 graus Celsius, a taxa de natalidade diminuiu 0,4%. Os pesquisadores descobriram uma ligeira recuperação nos nascimentos nos próximos meses, sugerindo que as pessoas podem evitar o parto induzido pelo calor ao mudar o mês em que fazem sexo.
Pesquisas separadas sugeriram que as taxas de natalidade provavelmente eram mais baixas porque temperaturas mais altas diminuem a saúde reprodutiva, não necessariamente porque as pessoas procriavam menos em dias mais quentes.
É difícil dizer como o acasalamento humano evoluirá em um mundo em aquecimento, porque isso envolve muito mais com quem queremos namorar e procriar.
“Eu tento ficar fora da evolução dos sistemas de acasalamento humano porque as pessoas são muito estranhas”, disse Knell. “As pessoas são selecionadas sexualmente de forma fraca a moderada e, portanto, esses efeitos não serão fortes em humanos de qualquer maneira. Então, temos enormes influências de coisas como a cultura para além disso.”
Culturalmente, a mudança climática pode estar afetando um aspecto dos românticos: o namoro online. Os dados do OkCupid mostram que os usuários, especialmente os millenials e a geração Z, aumentaram as menções de termos ambientais e climáticos em seus perfis. Analisando os perfis de mais de 385.000 usuários do OkCupid de agosto a novembro deste ano, pessoas que disseram acreditar que a mudança climática é real receberam 43 por cento mais curtidas. Eles também receberam 28,5% mais mensagens.
Isso, no entanto, é provavelmente um problema apenas para os humanos. Os leões provavelmente não estão pedindo a opinião de parceiros em potencial sobre o aquecimento global./TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES/WASHINGTON POST
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