Festival de Parintins divide cidade em azul e vermelho

Azul do Caprichoso e vermelho do Garantido dividem a população de Parintins durante a festa dos bois bumbás

PUBLICIDADE

Por Agencia Estado
Atualização:

Nem Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense nem Sport Club Internacional. O azul e o vermelho, em Parintins, cidade a 420 quilômetros de Manaus, têm outros donos: os bois-bumbás Caprichoso e Garantido, respectivamente. Ambos capazes de despertar paixão e rivalidade que só o futebol e a política conhecem bem. Mas tudo na base da cordialidade, é claro. Os dois tons, saídos das cores da bandeira do Amazonas, pintam - e dividem - a cidade, marcando a vida daqueles que vivem em função dos bois o ano inteiro. Só que é nesta época que ganham um significado ainda mais especial, reforçados pelas demãos de tinta nas casas, pelos adereços dependurados nas soleiras, pelas bandeiras que são hasteadas em mastros improvisados. Nos três últimos dias do mês, o pequeno município de 99 mil habitantes celebra o maior festival folclórico do Norte, o Festival de Parintins, agora em sua 39.ª edição. Todo 28 de junho, independentemente do dia da semana, a cidade amanhece agitada pelo ir e vir da ondulação do Rio Amazonas, reflexo da movimentação, em sua margem direita, de barcos e gaiolas que transportam e hospedam milhares de turistas. A véspera do Dia de São Pedro marca a largada da disputa mais aguardada da região, em que os bois se enfrentam numa arena fervilhante, um "bumbódromo" com capacidade para fanáticas 35 mil pessoas, com o formato estilizado de uma cabeça de boi. A rixa, que termina dois dias depois, é mais séria que de escola de samba. Quem torce para um dos bumbás nem sequer pronuncia o nome do outro, referindo-se a ele apenas como "contrário". A guerra divide a cidade num Tratado de Tordesilhas folclórico, levado muitíssimo a sério. Sigilo do enredo até os últimos dias, investimentos de mais de R$ 1,5 milhão por agremiação e um roteiro predefinido - que conta pontos e culmina com um vencedor - ajudam a dar mais emoção à disputa. Para se ter uma idéia, patrocinadores e apoiadores oficiais do festival adaptam seus logotipos nas duas cores dos "contrários", para que nem Caprichoso, nem Garantido sejam favorecidos. Há dois anos, a Coca-Cola, que distribui R$ 900 mil para cada boi, ofereceu ali suas tradicionais latinhas vermelhas de refrigerante e uma versão inédita Brasil afora: na cor azul, uma marca da fabricante concorrente. O tema, uma espécie de samba-enredo dos bois, é dividido pelas três noites, como uma ópera em capítulos, deixando sempre um gostinho de quero mais. O Caprichoso, que ostenta 16 títulos, inclusive o do ano passado, depois de um jejum de dois anos (em 2000, houve empate), sempre abre seu espetáculo com muitos fogos de artifício e um grito de guerra que ecoa longe e estremece arquibancadas e camarotes celestes. Parintins dos parintintins, índios e caboclos formam o caldo cultural levado à cena pelo boi-bumbá azul. O enredo deste ano é Amazonas, Terra do Folclore - Fonte de Vida. Já o "boi do povão", o Garantido (campeão em 23 oportunidades), apresenta sua Amazônia, Coração Brasileiro, de onde saem evoluções teatralizadas que compõem um mundo mitológico à base de coloridas alegorias e fantasias, cenários apoteóticos e rituais. Seu grito de guerra, como não poderia deixar de ser, vem no ritmo da música Vermelho, de Chico da Silva. Tudo isso diante de uma platéia incansável, que segue à risca uma coreografia contagiante, que arranca aplausos dos convidados ilustres, acomodados em camarotes, e do povão, espalhado em arquibancadas de cimento e cadeiras numeradas. E quem pensa que o calor amazônico tira o pique da galera, como são chamadas as torcidas, se engana. Não tem 40 e tantos graus nem cansaço que afaste um caprichoso ou um garantido do bumbódromo. Como num culto, a festa merece respeito. De ambas as partes. Enquanto um boi se apresenta, a torcida do contrário mal se mexe. Ai de quem pensar em vaiar o adversário. Perdem-se pontos a menor manifestação de oposição. * Viagem feita a convite da Echo Tour Operator, do Guanavenas Pousada Jungle Lodge e da Amazonastur

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.