Castelli Romani: história e gastronomia ao lado de Roma

Acredita-se que a capital italiana tenha se desenvolvido a partir dessa região, mais fresca que a capital, onde também está a residência oficial de verão do Papa

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Por Carlos Marcondes
Atualização:

Ariccia, nome que não significava nada para mim, tampouco imaginaria que se transformaria em uma pequena paixão. Era a coordenada de um velho amigo italiano que dizia viver em Roma - na verdade, pertinho da capital italiana. Apenas 25 km (ou 50 minutos em trem) e, segundo a referência, sua casa ficava a 50 metros da igreja central. 

"Dio Santo!", exclamou o taxista. Nem ele nem eu acreditávamos, mas o endereço era quase dentro da última obra-prima de Bernini; a suntuosa igreja de Santa Maria Assunta, encomendada pelo Papa Alexandre VII, em 1662. 

Lago Albano, em Castel Gandolfo Foto: Carlos Marcondes

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Era o prelúdio de uma visita marcante. Mas afinal, o que era esse território, no topo de uma colina, de onde da varanda de sua casa, além da magistral Ponte de Ariccia, avistava-se as luzes do litoral de Roma? 

Já em posse de uma taça de um vinho da região de Frascati, depois de um caloroso abraço no velho amigo, começo a sabatinar meu cicerone especial com milhões de perguntas. A história é mais ou menos essa: estamos em Castelli Romani (Castelos Romanos), uma área de colinas, com 17 pequeninas cidades, que somadas abrigam 350 mil pessoas, entre muito verde, cultura, gastronomia e importância histórica expressiva; afinal, foi por aqui que teria surgido Roma. 

Diz a lenda que após Rômulo ter matado seu irmão gêmeo Remo, teria fundado, em 753 a.C. Roma, bem perto de onde estava a cidade de Albalonga (bem mais antiga, do século 12 a.C), e que hoje estaria em algum ponto entre Albano e Rocca di Papa, no coração de Castelli Romani. Embora a fábula dos irmãos não possa ser comprovada e nem a localização exata sobre Albalonga (que realmente existiu), todos os historiadores e pesquisadores são categóricos em afirmar que Roma se desenvolveu com o apoio das comunidades de Castelli Romani, que já eram estruturadas.

Praça da República, no centro de Ariccia Foto: Carlos Marcondes

Já o curioso nome ‘Castelos de Roma’ refere-se ao período do Papado de Avignon, no século 14, quando a residência oficial dos papas foi transferida de Roma para a cidade do sul da França durante um período de turbulência geopolítica. Com a mudança de sede, Roma se tornara perigosa, o que fez com que a nobreza buscasse refúgio seguro nas vilas das colinas afastadas da cidade, construindo propriedades muradas que dariam origem ao termo Castelli Romani.

Além dessa forte herança histórica, a natureza abundante - com campos verdes repletos de trilhas e dois estonteantes lagos (Albano e Nemi)fez de Castelli Romani uma região de refúgio para quem vive na loucura de Roma. É uma escapada rápida de bate-volta ou de fim de semana, para desfrutar de rica gastronomia e de uma tranquilidade impossível de encontrar no centro da capital italiana. 

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Praça da República, no centro de Ariccia Foto: Carlos Marcondes

Falamos de uma área autêntica, que embora ofereça boa estrutura turística, tem como principal marca o forte senso de comunidade. São pequenas cidades que não vivem para o turismo, a atividade é complementar à rotina de um povo que se orgulha de lá pertencer. Tanto que, em cada uma das 17, há uma festa regional simbólica, como o Sagra dell”Uva de Marino - que faz jorrar a bebida por algumas horas de uma fonte no centro da cidade - ou a chamada ‘L’infiorata de Genzano’, onde transformam a avenida principal em um imenso carpete desenhado em flores. 

Clima fresco no verão

Castelli Romani é região também de 10 vilas Tuscolanas muito bem preservadas e suntuosas. Elas retratam o poder da aristocracia romana entre os séculos 16 e 17, com enormes mansões e generosos jardins. E, claro nesse contexto de roteiro arquitetônico, há o principal, um dos palácios mais icônicos do mundo católico: a residência de verão do Papa, em Castel Gandolfo, a atração mais visitada de Castelli Romani. 

A região é de 3 a 5 graus mais fresca que o forno da capital durante o verão, e seus bosques dão um tom romântico e de serenidade no inverno. Soma-se à essa imersão uma gastronomia singular, que atrai gente da capital apenas para um bate-volta, em busca de autênticos restaurantes. Si, se mangia molto bene. 

Os jardins de Castel Gandolfo, residência papal de verão Foto: Max Rossi/Reuters

Poucas experiências turísticas são tão ricas como as ofertadas por lugares capazes de atrair seus vizinhos. É a essência real do turismo local. São nessas regiões que temos - nós, forasteiros - acesso ao melhor de dois mundos: atrativos cobiçados por quem mora ao redor e a experiência de observar e interagir com gente da terra. 

Das 17 cidades da região, sete entraram em nosso roteiro. Uma seleção especial com um overview de Castelli Romani que é possível ser explorada em apenas dois dias, sendo três o ideal. 

Grottaferrata e sua abadia milenar

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No afã de cumprir a missão pessoal de ser surpreendido, munido de raras informações sobre o que iria encontrar, chego à simpática Grottaferrata. Aquele clima de interior gostoso e sou levado por meu guia, diante de um edifício impressionante: a Abadia de San Nilo, também chamada de Santa Maria di Grottaferrata. Um monastério construído há 1018 anos, quase tão antigo quanto a própria fundação da cidade. Há vestígios de que a região já fora ocupada há mais de 1000 anos antes de Cristo. 

Abadia fundada em 1014 em Grottaferrata Foto: Carlos Marcondes

Cercada por uma imensa muralha de ameia, tem a peculiaridade de seguir o rito bizantino, da igreja católica de Constantinopla. O complexo possui uma biblioteca com mais de mil manuscritos antigos e 50 mil livros muito bem preservados. Aos sábados e domingos, o visitante pode conhecer o Museu Arqueológico (€ 4) com artefatos da região recolhidos por monges ao longo de séculos.  Grottaferrata também oferece a oportunidade de se ter uma bela visão de todo o território, inclusive avistando Roma, do topo do parque da propriedade da Villa Cavalletti. O lugar é lindo, rodeado de vinhas, oliveiras e outros produtos agrícolas, tudo gerido de maneira orgânica e sustentável. 

“Queremos transmitir a filosofia verde para a nova geração de Castelli Romani”, conta Tiziana Torelli, uma das herdeiras da propriedade, que oferece experiências de workshop de cultivos orgânicos para alunos de diversos cantos do país.

No coração da área verde está uma histórica vila tuscolana, de 1596, que está sendo restaurada e preparada para se tornar uma hospedagem boutique, com abertura prevista para este ano. Além de oferecer atividades como mountain bike guiada pelas trilhas do vale, ioga e cavalgadas (a partir de € 45), há um prédio anexo onde funciona uma escola de gastronomia e uma hospedagem rural.

Décadas atrás, era usada para receber membros da igreja católica onde funcionava um respeitado centro de estudos teológicos. Um de seus mais ilustres hóspedes era nada menos que o cardeal Ratzinger, que posteriormente seria aclamado Papa Bento 16. Um cantinho especial de uma cidadezinha minúscula, mas de imensa importância religiosa, e bem escondida de Roma. 

Frascati: a cantina da Capital

Se um dia lhe for oferecido uma taça de um rótulo romano, muito provavelmente será daqui, da principal produtora de Castelli Romani e talvez a mais estruturada entre as 17 cidades. A distância de menos de 20 km de Roma - com um trem prático e barato (€ 2,10) – aliado a uma razoável vocação para bons vinhos, foram fatores que contribuíram com o desenvolvimento de Frascati, transformando-a na maior produtora da bebida na região e com farto portfólio gastronômico. 

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É umas das opções que podem servir de base para a exploração de Castelli Romani, com confortáveis hospedagens, como o charmoso Hotel Flora, de diárias a partir de € 90 (casal com café). A localização central é excelente, a poucos metros da Piazza Gugliemo Marconi, onde avista-se ao alto a impressionante Villa Aldobrandini, com seus portões abertos para visitar, gratuitamente, as dependências da parte de fora do palácio. É imperdível a visita aos jardins, de onde tem-se uma vista espetacular de Frascati e de seu território. 

Uvas frescas que vão virar vinho em uma das bodegas de Frascati Foto: Carlos Marcondes

Aldobrandini é uma das quatro vilas Tuscolanas da cidade, juntamente com Falconieri, Lancellotti e Torlonia.

Outro destaque arquitetônico é a catedral barroca de San Pietro, também no centro. Assim como toda Frascati, a igreja foi duramente castigada em 1943, durante a Segunda Guerra, em um ataque dos Aliados que destruiu boa parte de seu telhado e outras áreas internas. Em 1975, o Papa Paulo VI decidiu incluí-la na seleta lista das ‘pequenas basílicas’.

A cultura vitivinícola em Frascati é de séculos. Antes da rodovia e da linha férrea chegarem, os produtores levavam seus tonéis no lombo de animais para vender na capital, percorrendo 20 km. Por anos foi estigmatizado como um vinho simples, mas que movimentava muito a economia local. 

Hoje, o cenário mudou, como pude conferir na Bio de Sanctis Vini, chegando na vinícola quando o enólogo e proprietário Francesco estava com a mão massa, no meio da vindima. “Temos na região pessoas com formação universitária e investimentos tecnológicos que têm contribuído para a elevação da qualidade de nossos rótulos”, celebra o membro da família De Sanctis. 

São ao todo cerca de 50 vinícolas em Castelli Romani, onde as Malvasias di Candia e a Del Lazio, além da Trebianno, reinam soberanas, responsáveis pela maioria dos hectares plantados. Elas são as principais utilizadas nas três Denominações de Origem Controlada e Garantida (DOCG): Frascati Superiore, Superiore Riserva e o famoso colheita tardia Cannellino - um vinho de sobremesa, elaborado de vinhas velhas, com mais de 50 anos. 

Francesco traz a boa notícia que há um movimento forte dos produtores em transformar seus cultivos na filosofia orgânica, chamado de ‘biológico’ na Itália. O seu Amacos Superiore Riserva (€ 13) é uma bela prova que os investimentos para ampliar a qualidade na região estão no caminho certo. 

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Mas para ser completa a experiência do vinho em Frascati é preciso sentar na rua e provar da curiosa cultura da Fraschetta, uma singularidade de Castelli Romani. Chego a uma viela diante da Osteria Dell’Olmo. Teria sido ali, no final do século 19, com o avô do simpático Remigio, que surgiria o conceito de oferecer uma mesa para que as pessoas levassem sua própria comida e apenas comprassem o vinho da casa, feito de uvas, do quintal. 

Hoje, Remigio, que também cantarola com uma bela viola, mantém uma osteria clássica para atender quem não leva sua própria comida. Por definição, as osterias só servem pratos frios, no caso, embutidos e alguns incríveis queijos regionais. A experiência é compulsória e, segundo nosso anfitrião, só há três casas em Castelli Romani que ainda mantêm viva essa tradição. “A intenção é receber as pessoas como se viessem à minha casa, jamais penso no lucro”, comenta, entre uma canção e outra. 

Frascati também tem investido em experiências gastronômicas mais sofisticadas. É provavelmente a única das 17 que busca inserir esse perfil em seu portfólio de restaurantes. Um exemplo é o Belvedere, do chef Alain Rosica, que propõe uma cozinha criativa utilizando apenas ingredientes regionais. É um contraponto interessante, em uma terra que respira comida caseira e tradição. 

Nemi: a terra do morango e de aventuras de Calígula

Subo, rumo a beira de um vulcão extinto. Escondida na borda, está a pequena medieval Nemi, repleta de história e de morangos em todas as suas facetas saborosas. De frente para um hipnotizante lago homônimo, a vila vulcânica é outra entre as 17 cuja visita é compulsória.

Morangos cultivados emNemi: variedade de produtos feitos com a fruta na cidade Foto: Turismo de Nemi

É minúscula e, porque não dizer, saborosa. É tentador andar pelas ruas recheadas de lojas que vendem todas as versões possíveis de quitutes que têm o morango como protagonista, sendo a tortinha e licores os mais procurados. Há ainda graciosas lojas que vendem embutidos, bijuterias, artesanatos e até joias que têm como tema o fruto. 

Se der sorte de visitá-la no final de maio, início de junho, durante a Sagra delle Fragole (Festival do Morango), além de uma experiência charmosa e culturalmente fascinante, ainda verá a famosa competição de flores nas varandas, que deixam a vila ainda mais pitoresca. 

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O final da caminhada no centro termina em um mirante chamado Terraça dos Apaixonados. A bela vista revela onde Calígula mantinha duas enormes embarcações para receber convidados especiais. Minha guia disse que as festinhas não eram ‘aquelas’ tão quentes como pensamos. Será? 

Para quem quiser conhecer mais da relação do imperador com seus barcos, vale a visita, na base do lago, ao Museu dos Navios Romanos (€ 3), que mostra parte dos cascos intactos das embarcações de Calígula resgatadas. Nemi também é célebre por ter sido um local de forte crença. É possível conhecer as ruínas do templo de Diana Nemorense, onde além cerimônias de adoração à deusa, realizavam diversos rituais de sacrifícios. 

Genzano: pétalas ao chão e pão à mesa

L'inforata, realizada em junho em Genzano di Roma Foto: Turismo de Genzano

Sigo para a outra ponta do Lago di Nemi com cuidado para não pisar em flores. Não, infelizmente minha visita não foi em junho, época em que a pequena Genzano di Roma vira notícia nacional pela espetacular tradição de sua L’infiorata, uma manifestação cultural folclórica iniciada em 1778, que resiste até hoje e que movimenta toda a comunidade de pouco mais de 20 mil habitantes. 

São impressionantes 2 mil metros quadrados de mosaicos que formam um dos carpetes floridos mais belos da Europa. De tão expressiva, o governo federal incluiu a cidade como ‘Patrimonio d'Italia per la tradizione'. 

Mas se perdi essa maravilha, tinha o consolo de ter estado durante a vindima (outubro) e pude presenciar uma cena curiosa, jamais vista durante minhas andanças por mais de 100 regiões vinícolas no mundo. No meio da avenida principal, uma pequena bodega enchia mais de 10 tambores repletos de uvas brancas, recém chegadas das videiras. Tudo na calçada, na área urbana da cidade.

Ali mesmo, era feito o desengace dos cachos e no fundo da casa, a uva já ia para seguir os passos de seu destino final: virar vinho. Claro, vendido lá mesmo, em galões ou garrafas. Privilégio ter visto a família toda da Cantina Costantini em ação, no momento mais aguardado do ano. 

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Poucos metros dali, chego à padaria Gran Fornaio. Pão, vinho e basta. Mas não falo de qualquer amontoado de trigo, trata-se do ‘Pane Casareccio di Genzano’, o primeiro produto de forno na Europa, a ser regulamentado com o selo de Indicação Geográfica Protegida (IGP), há mais de 20 anos. 

O chef Marco Bocchini mostra o pão típico deGenzano Foto: Carlos Marcondes

São vários quesitos que precisam ser respeitados. Um deles é usar farinha 100% italiana. “É um dos pães mais valorizados do país e um dos mais falsificados também”, conta o chef Marco Bocchini, enquanto tira um quentinho de seu forno de 75 anos de idade.  Não é heresia afirmar que seja o pão mais cobiçado da Itália, embora esse desejo seja super acessível; custa em média € 3,50 o quilo.

Sua característica principal é a crocância da casca escura que sofre um ataque intenso do forno, gerando uma coloração de queimado falsa, aliada a uma morbidez harmoniosa da parte interna, revelando aromas de avelã e de café tostado. 

É símbolo em Genzano, que se orgulha de manter uma tradição iniciada no século 15. Ao provar dessa iguaria, saiba que aquele pão italiano que estamos acostumados no Brasil, jamais será o mesmo.

Castel Gandolfo: refúgio papal 

Esticar de Roma a Castelli Romani apenas para visitá-la já vale a pena. Seja você católico ou não, tanto o palácio de verão do papa, como a charmosa vila de Castel Gandolfo são imperdíveis. 

Para se ter uma ideia da grandeza da propriedade papal, entre o palácio e o estonteante complexo de jardins chamados de Villa Pontificia, são ao todo 55 hectares, 11 a mais que o próprio Vaticano em Roma. É como se a maior parte daquele que é o menor país do mundo estivesse em Castel Gandolfo.  Aliás, vale uma ressalva: o papa Francisco nunca se hospedou em Castel Gandolfo, por achar que a propriedade é muito ostensiva e imensa, consequentemente, antagônica a sua filosofia de simplicidade. 

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Varanda de Castel Gandolfo, residência papal de verão: papa Francisco não se hospedou no local por ser muito suntuoso Foto: Max Rossi/Reuters

De tão vasta, a visita à Villa Pontifícia é feita em um micro-ônibus (€ 20). O tour no Palácio custa € 11, tendo um desconto no combo que sai por € 27. O complexo fica no alto da cratera do outro vulcão extinto de Castelli Romani, que forma o fotogênico e fabuloso Lago Albano – o segundo mais profundo da Itália (170m). É palco de aluguéis de atividades náuticas no verão como caiaque, vela e kitesurfe, além de contar com ciclovia e áreas para piqueniques. 

De volta ao topo, o Palácio tem uma de suas faces voltadas para a praça principal, com diversos cafés, onde encontra-se o ‘buraco de cartas’ do correio mais antigo da Itália (1820), que mesmo na era WhatsApp, ainda funciona bem ao estilo retrô.

Estou acompanhado da guia Jessica Proieti, da operadora storywalking.tours que customiza visitas temáticas pela região com foco em arte, cultura e, especialmente, em experiências gastronômicas (a partir de € 129, por cinco horas). 

Na praça, paramos no Bar Carosi para um café e para provarmos a ciambella al mosto, um pão-doce feito à base de uva, típico de Marino (uma das 17) mas que só é elaborado na época da vindima – em outubro. É uma excelente pedida. 

Ao caminhar pela praça abrem-se vielas charmosas que revelam panorâmicas do lago, prontamente reconhecidas entre os principais cartões-postais da cidade. Definitivamente, é a campeã do Instagram.

A simplicidade das ruas de Castel Gandolfo Foto: Carlos Marcondes

Empolgado por estar em uma das aldeias mais belas da Itália, encontro em meu caminho, pertinho da praça, a igreja rosada de San Tommaso de Villanova, projetada por Bernini em 1658. É daquelas que não impressionam por fora, mas fascinam por dentro. 

No meio do pequeno boulevard central, Jéssica havia reservado uma parada no restaurante Arte e Vino. Na verdade, é uma gruta-restaurante, com salas temáticas, como a dedicada especialmente ao Pinóquio, ícone da literatura italiana.

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O lugar histórico é do século 16 e, ao descer pelo labirinto da gruta, me perco complementamente e acabo saindo em outra parte do restaurante, só que do outro lado do boulevard, como em túnel subterrâneo em um percurso repleto de garrafas de vinhos antiquíssimas.

A visita por si só já é encantadora, mas o dono, chef e sommelier Giulio Mariani não quis transformar o espaço que herdou de sua família em um canto apenas com apelo turístico. Há muita qualidade em sua gastronomia e nos vinhos produzidos por ele. Provei uma lasanha dos deuses e a ‘bruschetta umbriaca’ com creme de grão de bico, que era de outro mundo. Tão bom saber que em uma vila turística é possível encontrar uma comida justa e de autor. Bravo, Giulio. 

Albano Laziale: badaladinha 

Os jardins do Palácio de Verão Papal fazem divisa com uma das vilas mais ‘agitadinhas’ da região.Há muitas lojas no centro comercial de Albano e ela faz hub direto com trem até a estação Roma Termini, no centro da capital, e fica colada a Castel Gandolfo. 

Mas um de seus principais atrativos, além de três museus, é o anfiteatro romano construído no século 3º D.C. Foi idealizado para divertir os soldados, com capacidade para 16 mil pessoas. Hoje, festivais, concertos e eventos são realizados, principalmente no verão, neste que é uma das obras públicas mais antigas da região. 

Decidi incluir Albano nesse roteiro pelo aspecto gastronômico. Al Grottino, a gruta, como sugere o nome, é super despretensiosa. Trata-se de um pequeno espaço construído em 1740, do tempo em que funcionava como uma das cozinha oficiais dos nobres do palácio. 

Na verdade, não espere comer tão bem, encare como algo cultural. A associação que hoje toma conta do lugar propõe um ‘Aperitivo Antico Romano’, na intenção de mostrar a alimentação que os soldados romanos faziam no século 3, época em que eles colocavam mel em tudo, inclusive no vinho. À mesa, cenoura e ovos cozidos são servidos ao lado de pão, batata, azeitona, carne de porco e pão. Tudo meio seco e sem muito gosto, mas uma vez em Roma, comemos o que eles comiam.

Ariccia: uma ponte, uma porchetta e uma praça

Retorno à minha primeira parada em Castelli Romani, já revelada como uma pequena paixão. É como mergulhar em um minúsculo centro de diversos momentos italianos. E quase tudo pode ser sentido na Praça da República, onde encontra-se a soberba igreja de Santa Maria Assunta, já mencionada.

A história de Ariccia é tão intensa, que diz a lenda ter sido fundada pelo filho de Teseu, aquele que teria concebido Atenas. A origem é controversa, mas seguramente ela é muito mais velha que Roma, tendo sido identificada a ocupação ao menos no século 8º a.C..

Porchetta di Ariccia, prato típico da região, feito com porco recheado Foto: Turismo de Ariccia

Antes de contar mais sobre a Praça da República, é preciso mencionar uma instituição da região, a célebre Porchetta IGP. Trata-se de um porco inteiro, recheado com ervas finas, assado lentamente e servido em fatias em forma de sanduíche. É uma instituição no país, e muitos romanos esticam até a região só para degustá-la. Há em diversos restaurantes do centro histórico, ou na área das famosas Fraschettas de Ariccia. Busque pelo Cioli, na Piazza di Corte, um dos mais tradicionais da cidade (€ 3,50). 

De volta à praça, a recomendação é tentar chegar um pouco antes do despedir do dia. Diante da Igreja de Santa Maria Assunta, é compulsório visitar a o suntuoso Palazzo Chigi, uma obra prima barroca, também projetada por Gian Lorenzo Bernini, finalizada no início do século 17. 

Além de retratar com todos os detalhes, a vida da poderosa família Chigi, de forte relação com o alto clero da igreja, ainda é possível visitar um museu barroco romano expressivo, que traz entre outras relíquias, mais de 600 quadros que retratam os tempos desse movimento arquitetônico icônico.

Atravesso a rua de volta à praça e caminho por 100 metros para a cênica Ponte Monumental, construída em 1854 a pedido do Papa Pio IX. Com três magníficas fileiras de arco, ela é considerada um dos trabalhos de engenharia mais significativos do século 19. Apoiado no parapeito, quase entro em meditação vendo o sol partir, onde ao fundo está o mar que banha os arredores de Roma e à minha esquerda, prédios históricos e a já familiar varanda de meu amigo. 

Depois de receber essa energia e de entrar em ‘modo reflexão’, volto à praça, pois ali está a definição do que é Castelli Romani. Há dois cafés: Il caffè del Bernini e Bar Centrale, que colocam mesinhas simples de ferro para seus clientes e onde provei o melhor cappuccino da vida. 

Não, ali não havia turistas. Apesar de estar em um dos pontos mais famosos da região, eram todos italianos da gema, juntos para um final de tarde cotidiano.  Personagens da comunidade, sentados falando sobre a vida. Cerca de 20, entre senhores, algumas senhoras e homens de meia idade. Crianças também brincavam na praça. Fiquei arrepiado e emocionado com uma cena que parecia ser do século passado. Senti naquele momento que estava em uma Roma de outrora. 

ANTES DE IR

Covid-19 Desde o dia 1º de junho de 2022 não há mais necessidade de comprovação de vacinas ou quarentena para entrar no país. Vale ficar atento ao site do Ministério da Saúde da Itália antes de embarcar, já que dependendo dos índices de contaminação tudo pode mudar. 

Como chegar

Voos

As companhias aéreas vêm retomando as frequências que haviam sido canceladas durante a pandemia de covid-19, mas os preços de passagem para a Europa ainda estão altos. A italiana ITA Airways começou, neste agosto, a operar voos diários entre São Paulo e Roma. Os preços das passagens São Paulo-Roma-São Paulo começam em R$ 5.955 na classe econômica. A Latam também retomou seu voo para Roma, três vezes por semana a partir de São Paulo. Numa pesquisa para o fim de outubro, o preço ida e volta ficou em R$ 6.579,03.

Carro

De carro, desde Roma são entre 20 e 25 km de estrada dependendo em qual das cidades for o primeiro destino. De trem, partindo de Roma Termini, é prático, barato (€ 2,10) e dá acesso a 4 cidades: Marino, Albano e Castel Gandolfo - todas na mesma linha – além da opção de ir direto à Frascati - a mais rápida (30 min).

Também chega-se a Ariccia descendo em Albano e caminhando por cerca de 10 minutos. O trem é boa opção para quem quer explorar apenas duas cidades. Embora haja ônibus que conecta as 17, perde-se muito tempo se a missão for uma exploração mais ampla e com liberdade. 

Site  O site oficial do Turismo de Castelli Romani traz bastante informação relevante, com boa parte já traduzida para o português visitcastelliromani.it/pt/

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