Vizinho ao Catar, Arábia Saudita também quer conquistar turistas

País começou a receber visitantes estrangeiros em 2019 e vem relaxando regras; repórter conta sua impressão como mulher no país

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Por Valeria Bretas

RIADE - Enquanto a bola rola na Copa do Mundo do Catar, um país vizinho também vem se empenhando para conquistar visitantes. A Arábia Saudita não tem poupado esforços para reverter a reputação de ser um dos países mais fechados e conservadores do mundo. A aspiração faz parte da reforma promovida pelo príncipe herdeiro Mohammed bin Salman para diversificar a economia e colocar o destino no radar do turismo internacional.

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A nação é hoje a maior exportadora de petróleo do mundo, mas a estratégia do líder saudita é reduzir a dependência ao atrair mais capital de investidores ocidentais.

O turismo é uma das principais apostas. O governo espera que o setor represente 10% do Produto Interno Bruto (PIB) e atraia mais de 100 milhões de visitantes por ano até a próxima década.

O primeiro passo veio em 2019, com o lançamento de vistos online para cidadãos de 49 nações. Até a recente mudança, o reino só abria as portas para fins comerciais, convites oficiais do Estado e peregrinação à Meca e Medina.

O edifício e mirante Sky Bridge, localizado em Kingdom Center, no centro comercial de Riade  Foto: Valeria Bretas/Estadão

Nos últimos dois anos, as autoridades também relaxaram algumas regras sociais, como a separação de homens e mulheres em áreas públicas (em restaurantes e cinemas, por exemplo). Mas os sauditas não abandonaram as raízes. As mulheres continuam a usar hijabs e abayas (vestido parecido com um manto que cobre todo o corpo), e os homens kandura (túnicas) e ghutra (lenço na cabeça).

Não há exigências no caso dos estrangeiros e já é comum encontrar diversas pessoas tirando fotos dos edifícios modernos e atrações que se mostram preparadas para o turismo local. A recomendação do Ministério do Turismo, porém, é o uso de peças “modestas”. Na prática, é esperado que as mulheres cubram os ombros e joelhos e homens evitem bermudas. O consumo de álcool continua estritamente proibido no país.

O que há para fazer na Arábia Saudita

Mesmo com a pandemia, o número de turistas cresceu 3% nos últimos dois anos, segundo dados do Ministério. Mas faz sentido visitar Riade, a capital da Arábia Saudita?

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Um projeto ambicioso tem tornado o destino mais atraente para os viajantes: o festival de luzes e arte Noor Riyadh. A segunda edição do evento, que vai até 4 de fevereiro de 2023, promove o trabalho de 130 artistas de 40 nacionalidades diferentes - entre eles, dois brasileiros - para exibir 190 obras espalhadas em diferentes locais públicos e turísticos da cidade.

Decidi embarcar em uma jornada por Riade para visitar as exposições e entender se o destino realmente mostra sinais de que está preparado para receber os visitantes ocidentais - principalmente mulheres que, como eu, viajam sozinhas.

Em meio ao clima árido do deserto há três parques que merecem presença obrigatória: Salam Park, King Abdullah Park e Wadi Hanifa Park. Os locais são totalmente arborizados e cercados por lagos que refrescam a sensação quente registrada nos termômetros.

Forte Masmak, construído em 1865, um dos complexos históricos mais visitados em Riade Foto: Valéria Bretas/Estadão

A primeira impressão sobre as atrações foi de estar em um lugar charmoso e familiar, onde casais, crianças e grandes grupos familiares se reúnem para um passeio a céu aberto e churrascos. Enquanto circulava pelas vias e fazia pausas para tirar fotos, mulheres de burca sentadas pela grama acenavam para participar dos registros. Principalmente em função das vestimentas e por não cobrir a cabeça com lenços, os olhares curiosos dos sauditas rapidamente localizavam os turistas.

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Mas o interessante foi ver como as obras instaladas pelo festival favorecem a interação entre os visitantes e os espaços públicos. Em uma das pontas do vasto parque Wadi Hanifa está a peça do artista Ahaad Alamoudi, composta por duas torres de pombos onde dois cantores se revezam para cantarolar músicas árabes. O show começa, a iluminação em tom pastel ganha destaque pelos buracos da estrutura e o público se aproxima em silêncio para conferir a apresentação.

Do outro lado, cercando um grande lago, há 100 colunas de aço de 3 metros de altura que iluminam todo o espaço onde os sauditas se acomodam em diversas mantas espalhadas pelo chão. A peça, da artista Gisela Colón, é inspirada no céu noturno.

Mas esses não são os únicos atrativos para os visitantes. Apesar das grandes distâncias exigirem tempo para o deslocamento, principalmente pelo trânsito caótico que remete ao horário de pico de São Paulo, existem algumas atividades que valem a visita.

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O distrito financeiro King Abdullah Financial District (KAFD) foi recentemente inaugurado e estampa um centro de luxo, com edifícios de tirar o fôlego entre os 5 milhões de metros quadrados.

Vista de Riade a partir do Sky Bridge Foto: Valéria Bretas/Estadão

No local, os turistas também podem visitar o arranha-céu mais alto de Riade, com 385 metros de altura e 80 andares. Cercado por música de rua, restaurantes e crianças por todos os lados, há outras obras instaladas pelo festival Noor Riyadh para visitação gratuita. E é por lá que encontramos a peça do brasileiro Leandro Mendes, conhecido como Vigas. Com elementos visuais e muita tecnologia, a peça atrai os visitantes para uma experiência audiovisual em uma câmara escura.

E para quem gosta de modernidade, há outro programa para entrar no roteiro: o Sky Bridge, localizado na Kingdom Tower (centro comercial da cidade), é uma espécie de ponte que conecta as duas pontas do topo de um edifício de 300 metros. O deck de observação é cercado por painéis de vidro do chão ao teto, oferecendo um dos melhores panoramas de Riade. O tíquete custa cerca de US$ 16.

Já no centro histórico da capital há os tradicionais souks, os mercados de antiguidades, e o famoso Forte Masmak, um dos complexos históricos mais visitados em Riade. Construído por volta de 1865, o antigo palácio foi montado com tijolos de barro, torres de vigia militar e uma série de salas que formam um labirinto do local que agora funciona como um museu.

Além do esteriótipo e da expectativa

A passos lentos, o país caminha em direção à igualdade. As mulheres, por exemplo, só puderam exercer o direito ao voto pela primeira vez nas eleições de 2015. Mais um passo aconteceu em 2018, quando elas ganharam liberdade ao volante. Até então, o governo não permitia que elas conduzissem carros. Até 2019, as sauditas também não tinham autorização para ter uma conta pessoal no banco e não podiam emitir passaportes e viajar sem a permissão de um tutor homem.

A independência parece ter acelerado. Em todos os museus, parques, lojas e restaurantes observei mulheres participando da força de trabalho. A vestimenta não tradicional parece causar certo incômodo e isso fica evidente na troca de olhares, mas nada que prejudique a visita e os passeios. Entendo que, da mesma forma que vemos poucas mulheres de burca e homens com lenços na cabeça circulando pelo Brasil, eles vivem a mesma sensação do lado de lá.

A peça de Ahaad Alamoudi no parque Wadi Hanifa, onde dois cantores se revezam na estrutura para cantarolar músicas árabes Foto: Noor Riyadh

Nas redes, chovem relatos de uma cidade considerada “sem alma”, despreparada para o turismo e conservadora para os estrangeiros. Mas essa não foi a minha impressão. Talvez muita coisa tenha mudado desde que as portas foram abertas pela primeira vez aos turistas, mas há uma discrepância entre o estereótipo e a realidade.

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A arte instalada em áreas abertas ao público gera curiosidade e interesse por quem passa. Todos querem observar os monumentos que gritam vida e esbanjam um show de luzes pela cidade. E apesar de todos os riscos de viajar sozinha sendo mulher, me senti muito segura em um dos países mais conservadores do mundo.

Fui completamente atraída pelas surpresas que encontrei na cultura, como a gastronomia que ainda segue no meu imaginário, o aroma de incenso que contagia os cômodos e o toque de modernidade em um local cercado de história. Ainda há desafios pela frente, que esbarram na liberdade de expressão e os direitos das mulheres, mas existe uma tendência de mudança e tenho certeza que mais turistas vão se identificar com as experiências que o exotismo complexo de Riade pode oferecer.

COMO VIAJAR PARA A ARÁBIA SAUDITA

  • Documentação: O viajante precisa ter um passaporte com pelo menos 6 meses de validade, uma página livre para o carimbo e visto. Para solicitar a entrada, os brasileiros devem contratar uma assessoria privada, como a Global Visa - empresa recomendada pela embaixada saudita. Há uma outra opção: se você possui o visto americano válido, a entrada é liberada na Arábia Saudita.
  • Voos: Não há voos diretos para a Arábia Saudita. As principais rotas saem de São Paulo e Rio de Janeiro, com uma escala que pode passar por Dubai, Turquia e até  Etiópia. O tempo de viagem varia entre 17 e 24 horas.
  • Onde se hospedar em Riade: Não faltam opções para se acomodar em Riade. O distrito com a melhor localização para os turistas é Al Olaya, próximo do principal centro comercial da cidade e da avenida que conecta outras atrações.
  • Deslocamentos: Como o transporte público ainda é limitado na capital saudita, a melhor opção é se locomover com táxi ou aplicativos, como Uber e Careem. Lembre-se de fazer o download das plataformas antes de embarcar!
  • Moeda local:  A moeda nacional é o Rial Saudita, a SAR. O valor frente ao real é de aproximadamente R$ 1,50 para cada 1 SAR. Em geral, vale a pena levar dólar em espécie e fazer a conversão em casas de câmbio direto no país.
Obra "One Thousand Galaxies of Light" da artista Gisela Colon para o festival Noor Riyadh  Foto: Ashraf Jamali/Noor Riyadh
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