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Economista e ex-diretor de Política Monetária do Banco Central, Luís Eduardo Assis escreve quinzenalmente

Opinião|Sobre legados e maldições

É grave, urgente e indisfarçável o avanço da miséria no País

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Para comiseração das hostes golpistas que pretenderam aniquilar a democracia brasileira, a reação imediata da sociedade foi se unir em torno das instituições para, sob o primado da lei, barrar a intentona. Isso pode, paradoxalmente, fortalecer o governo Lula, já que a peça de resistência da repulsa ao golpe reside na afirmação da legitimidade do presidente eleito. Não que as dificuldades fiquem menores, mas as condições para superá-las podem ser fortalecidas.

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É lugar comum na política brasileira atribuir as agruras do novo governante ao seu antecessor. Não foi diferente agora, como atesta o alentado relatório final do Gabinete de Transição Governamental (documento que dedica 29 de suas 100 páginas à lista de colaboradores).

A herança não é leve, mas até que poderia ser pior. O desemprego é o mais baixo desde junho de 2015, a inflação anual veio de 12,1% em abril para 5,8% em dezembro e o governo central fechou o ano com superávit primário, o primeiro desde 2013. Para cada uma dessas façanhas há enormes qualificações, claro, mas os indicadores econômicos poderiam ser ainda mais pestilentos.

O que é grave, urgente e indisfarçável é o contínuo avanço da miséria. O Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas (FGV) divulgou no ano passado um estudo (Mapa da Nova Pobreza. M. Neri) que mostra que o número de brasileiros pobres (com renda mensal abaixo de R$ 497,00) alcançou 62,9 milhões, cerca de 30% da população, o maior da série histórica. Houve queda na taxa de desemprego recentemente, mas os números do IBGE revelam que a massa de rendimentos efetivamente recebidos no acumulado dos 12 meses até outubro de 2021 era ainda R$ 107,5 bilhões menor que no mesmo período até março de 2020, no começo da pandemia.

Que o ataque à democracia desperte no governo Lula o senso de urgência

Isso porque o aumento da ocupação se deu simultaneamente à queda dos rendimentos reais, fruto da precarização do trabalho. Pesquisa da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan) registra que, mesmo com o Auxílio Brasil, 43,4 milhões de pessoas não tinham acesso à quantidade suficiente de alimentos em 2020.

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Que o ataque à democracia desperte no governo Lula o senso de urgência. Se o momento é de cerrar fileiras em defesa da democracia, é bom lembrar que ela se fundamenta na busca de uma sociedade mais justa e menos desigual. Programas sociais de vulto podem ser financiados com a revisão de isenções, subsídios e sinecuras fiscais, sem falar na correção da atual regressividade dos impostos. Atacar a pobreza extrema e a fome, legados do período bolsonarista, é tarefa primordial do governo que se inicia. Elas são as nossas maldições.

Opinião por Luís Eduardo Assis

Economista. Autor de 'O Poder das Ideias Erradas' (Ed.Almedina). Foi diretor de Política Monetária do Banco Central e professor de Economia da PUC-SP e FGV-SP

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