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''O estopim das demissões foi o Minc''

Ex-diretor do Ibama reclama da pressão para licenciar a usina de Belo Monte e acusa o ministro do Meio Ambiente de interferência

Por Leonardo Goy
Atualização:

Muita pressão política e pouca gente para muito trabalho. São esses os ingredientes que vêm transformando o processo de licenciamento da usina de Belo Monte, no Rio Xingu (PA), em um tormento para alguns funcionários do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Renováveis (Ibama). A corda esticou de tal maneira que na semana passada dois importantes funcionários da área de licenciamento pediram demissão de seus cargos: Leozildo Tabajara da Silva Benjamin, que respondia pela coordenação geral de Infraestrutura de Energia Elétrica, e Sebastião Custódio Pires, ex-diretor de Licenciamento. Em entrevista ao Estado, Leozildo Benjamin conta que o estopim para seu pedido de demissão foi uma reunião em que o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, tentou, segundo ele, ensinar o Ibama a fazer licenciamento. "Houve falta de respeito ali. Para mim, ele disse claramente que (o Ibama) não tinha coordenador, diretor e não tinha presidente. No dia seguinte eu fiz a carta (de demissão) e protocolei", contou. A seguir, os principais trechos da entrevista. O licenciamento de Belo Monte é polêmico. Mas, mesmo assim, o sr. disse que há açodamento por parte de setores do governo. Como se dá essa pressão? Eu sempre repito que as pressões são pertinentes até certo ponto. O que a gente não pode permitir é o açodamento, o acirramento. O que não pode acontecer é outros ministérios, outras pessoas alheias ao licenciamento começarem a dizer como é que deve ser feito, que dia é que pode sair. Esse processo (Belo Monte) vinha sendo extremamente bem conduzido. A partir do momento em que esse açodamento começou a transparecer é que começamos a ter problema. Que tipo de problema? Em primeiro lugar, você tem de dar tranquilidade à equipe para que ela possa ler, analisar e dar o seu parecer. O presidente (do Ibama) Roberto Messias pediu para que fosse um processo sólido e a gente não ia abrir mão em nenhum momento de conduzi-lo dessa maneira. Todos vinham trabalhando com a maior boa vontade. Queríamos que a equipe tivesse tempo para responder adequadamente à demanda. Ou seja, 15 mil páginas (do Estudo de Impacto Ambiental) precisavam ser analisadas para que essa equipe pudesse estabelecer um parecer adequado. Não houve tempo para isso porque tivemos processo judicial, pedidos de reuniões incansáveis e contratempos que fizeram com que ficasse atrapalhada a leitura e a conclusão adequada do parecer. De que maneira o trabalho de vocês foi atrapalhado? São coisas que fogem à nossa competência. Primeiro, a Justiça, quando mandou parar o licenciamento (em novembro); o processo deu uma estancada. A partir do momento que o processo foi retomado, começaram os pedidos de reuniões infindáveis. Pedidos de vários lados, do próprio Ministério (do Meio Ambiente), da Casa Civil. E a gente ficava tolhido de deixar a equipe "full time" dedicada ao trabalho. Para que serviam essas reuniões? Para tentar agilizar, verificar o que era possível fazer. Mas eles não poderiam adiantar alguma coisa se não lessem detidamente (os documentos). O sr. está dizendo que, de tanto convocar reunião para agilizar, eles acabavam atrapalhando? Atrapalhavam. Em vez de ajudar, isso atrapalhava. Como se davam as pressões? O sr. recebeu telefonemas, e-mails? Por exemplo: quando sai na imprensa que a licença de Belo Monte vai sair tal dia, o leilão foi marcado para tal outro dia. A condição para ter o leilão é ter primeiro a licença, e já quiseram colocar o leilão na frente da licença. Como estava o clima entre os funcionários? Se a licença for mal feita, vocês correm o risco de sofrer ações judiciais. O coordenador substituto da área específica de energia já está com processo movido pelo Ministério Público, que a Justiça acatou. Esse servidor, que faz parte da equipe de Belo Monte, está respondendo a processo única e exclusivamente porque a procuradoria achou que ele disponibilizou o estudo para a população. O detalhe é que nenhum desses (ministros) que estão se arvorando a dizer o dia em que sai a licença será processado. Nenhum deles vai assinar o parecer, nenhum deles vai assinar a licença e responder às respectivas instâncias (judiciais). É muito fácil falar, cobrar ou exigir. Mas cadê as condições para tudo isso? Por falar nisso, vocês contam com a quantidade adequada de pessoal para trabalhar? Não. A equipe é insuficiente. Para Belo Monte são sete pessoas para analisar 15 mil páginas do estudo. E trabalhando de segunda a sexta. Eu pedi para a equipe trabalhar até no fim de semana. Até feriado trabalharam. Isso não é reconhecido, isso não é dito. Se a gente duplicasse o número de funcionários, teríamos mais pessoas para ler e dividir o material. O detalhe é que não são só as 15 mil páginas. Você tem de ler toda a audiência pública, os pareceres volumosos das agências, a Ana (águas) e a Aneel (energia elétrica), da Funai, ONGs, Ministério Público. É um trabalho hercúleo. Quantas pessoas trabalham na área de licenciamento de geração de energia elétrica? São 48. E não dá para esquecer que são muitas outras usinas para licenciar, fora as que temos de monitorar, como as do Madeira (em Rondônia). É um trabalho muito grande para pouca gente. E todos querem que suas licenças sejam prioridade. É impossível trabalhar assim. A responsabilidade dessa equipe é muito grande para o salário que recebem. Ninguém sabia disso? Quem diz que não sabia é mentiroso. Felizmente teve concurso, o pessoal está sendo chamado, mas ainda é insuficiente. E há funções específicas para as quais a gente não tem pessoal e precisa contratar consultoria. Se o Brasil quer crescer, ou você olha com cuidado para o licenciamento e dá condições adequadas de trabalho ou vai continuar patinando. Vai continuar a questão do apagão na porta de todo mundo. O governo vem tentando retomar os investimentos em hidrelétricas por meio da Eletrobrás e com a elaboração de novos inventários de hidrelétricas, mas esqueceu de reforçar a parte do licenciamento dessas obras? Se você pensa grande, não pode deixar nenhum elo fraco. Se você deixa um dos elos enfraquecido, algum dia, pela pressão, esse elo vai estourar. Qual foi o estopim para seu pedido de demissão? Quando veio a pressão para sair a licença em tal dia e vieram aqui ensinar para a gente licenciamento. Quem fez isso? O ministro (do Meio Ambiente), o (Carlos) Minc. Teve uma reunião aqui no Ibama. Para mim, houve falta de respeito ali. Para mim, ele disse claramente na reunião, sem externar, que (o Ibama) não tinha coordenador, diretor e não tinha presidente. No dia seguinte, eu fiz a carta (de demissão) e protocolei. Isso foi no dia 5 de novembro. Mas o Roberto Messias (presidente do Ibama) e o Sebastião (Custódio, ex-diretor de Licenciamento) perguntaram se eu podia ficar. Eu disse: "Vocês publicam quando quiserem, eu vou continuar ajudando vocês".

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