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O que Marcos Galperín, chefe do Mercado Livre, pensa sobre Milei, Argentina e os perigos da lacração

Conheça as ideias, os temores e os desejos do homem mais rico da Argentina, cada vez mais extrovertido nas redes sociais

Por The Economist
Atualização:

Até os bilionários refletem a respeito do caminho que não seguiram. Aos 17 anos, Marcos Galperín havia retornado de uma viagem jogando rúgbi competitivo na Austrália e na Nova Zelândia, duas potências dessa modalidade esportiva, quando ofereceram a ele uma vaga na Universidade da Pensilvânia para estudar administração. “Tive de fazer uma escolha”, lembra o fundador do Mercado Livre, a empresa que domina o setor de comércio eletrônico e pagamentos na América Latina, a partir do seu escritório em Montevidéu, capital do Uruguai.

Mas velhos sonhos não morrem facilmente. “Se eu nascesse de novo, certamente seguiria uma carreira esportiva”, diz Galperín, agora com 52 anos. Ainda assim, ser bilionário tem suas compensações. No ano passado, ele comprou o Miami Sharks, um time de rúgbi dos Estados Unidos.

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A seleção argentina de rúgbi poderia ter aproveitado um zagueiro útil na década de 1990, mas tanto o país natal de Galperín quanto a América Latina estão em situação muito melhor graças à sua escolha de atividade. É difícil exagerar ao falar no impacto do Mercado Livre.

Em uma região de 670 milhões de habitantes, a empresa contabilizou 218 milhões de usuários ativos no ano passado. Eles compram e vendem produtos online e usam o Mercado Pago, o braço de pagamentos da empresa, para pagar tudo, desde lanches na estrada até ingressos de futebol.

Galperín é o grande astro do cenário tecnológico da América Latina. Com um patrimônio líquido superior a US$ 6 bilhões, é um dos homens mais ricos da região. Já poderoso nos negócios, ele é cada vez mais extrovertido nas redes sociais.

Co-fundador e presidente do Mercado Livre, Marcos Galperín, posa no escritório da empresa em São Paulo, em entrevista ao Estadão em 2023  Foto: Daniel Teixeira / ESTADÃO

Galperín nasceu em meio à tradicional riqueza argentina: um império familiar do couro. Entusiasmado com a internet, ele fez as jogadas clássicas de um aspirante a magnata da tecnologia, frequentando a Faculdade de Administração de Stanford e abrindo um negócio a partir de uma garagem. Isso foi em 1999.

Hoje o Mercado Livre tem uma capitalização de mercado de cerca de US$ 70 bilhões, o que o torna a segunda empresa de capital aberto mais valiosa da região, depois da Petrobras, uma gigante brasileira do petróleo.

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Depois de lutar contra a lentidão do serviço e os frequentes aumentos de tarifas por parte das empresas postais, o Mercado Livre construiu uma rede de entregas própria e vasta, ostentando aviões e a maior frota de veículos eléctricos do continente.

O Mercado Pago processou pagamentos no valor de US$ 183 bilhões no ano passado e fornece cartões de crédito e empréstimos a cerca de 15 milhões de pessoas, 60% das quais nunca haviam feito um empréstimo antes, diz Galperín.

Quando jovem, ele teve muita autoconfiança. “Para ser sincero, pensamos que chegaríamos aqui muito mais rápido”, brinca. No entanto, ele também admite ter tido dúvidas a respeito do sucesso do Mercado Livre e destaca a sorte como um elemento da sua trajetória. “Por todos esses anos eu tive muita ansiedade… Você vê seu saldo no banco caindo todo mês. É uma sensação horrível.” O equilíbrio financeiro em 2005 não foi um momento de comemoração, mas de alívio.

Seguindo essa mentalidade, em 2014 ele se queixou dos patrões que usavam suas empresas como caminho para a fama. O Mercado Livre era diferente, disse ele. “Queremos que a empresa seja famosa. Quanto mais discreto for o nosso perfil pessoal, melhor.” Isto, no entanto, mudou.

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Hoje ele fala abertamente, especialmente a respeito da Argentina, onde suas publicações nas redes sociais causam impacto regularmente. A economia argentina é como um esportista que já foi o melhor do mundo, diz ele. “Agora ele está obeso, viciado em drogas, tem câncer e AIDS e é alcoólatra”.

Tal como muitos argentinos, Galperín foi radicalizado por anos de caos econômico. Em 2019, ele se autodenominou democrata ao estilo de Bill Clinton. Hoje ele apoia o presidente da Argentina, Javier Milei, um autodenominado “anarcocapitalista”. Quando Milei foi eleito, em novembro, Galperín postou uma foto de pombas se libertando das correntes com uma palavra: “Livre”.

Milei teve um início impressionante, diz ele, apontando para superávits orçamentais mensais, queda da inflação e aumento da confiança do mercado. “Eles tiraram o álcool e as drogas, mas isso também é muito doloroso”, diz ele, referindo-se à recessão provocada por profundos cortes de gastos. Há um longo caminho a percorrer: “O paciente ainda tem câncer e AIDS e está obeso porque, para isso mudar, é preciso reformar muita coisa”. Apesar desta análise sombria, Galperín considera que as probabilidades de Milei conseguir reformar a economia estão aumentando.

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A história da Argentina também molda suas outras opiniões. Ele está otimista em relação ao bitcoin, que pode ser comprado e vendido no Mercado Pago, porque afirma que é uma reserva de valor melhor do que dólares, euros ou ienes. “Vindo da Argentina, sei o que acontece quando você tem déficits permanentes: sua moeda se desvaloriza”, diz ele, ignorando as oscilações do próprio bitcoin.

Seu ceticismo em relação ao governo é mais amplo. “Não há inovação na Europa”, afirma, culpando a regulamentação excessiva. Ele ama Israel, pelo contrário, porque o país mostra “o triunfo do capitalismo”.

Na Argentina, muitas pessoas discutem a respeito do capitalismo em vez de fazê-lo, sugere ele. E ele se preocupa com a influência da mentalidade lacradora, uma característica proeminente do último governo peronista da Argentina; ele traça uma linha reta entre a lacração, o socialismo e a ditadura. “Tudo começa com um discurso muito bonito sobre igualdade e termina em autoritarismo e pobreza”, diz ele.

O sucesso é a melhor vingança

Galperín é mais estridente na X (antigo Twitter), onde se envolve com figuras públicas e contas aleatórias, zombando de críticos com memes, emojis de beijinho e questionando se eles possuem ações no Mercado Livre.

Judeu secular, ele é veemente no seu apoio a Israel na guerra em Gaza. Ele descarta a possibilidade de que sua sinceridade possa representar um risco para o Mercado Livre. Poucos fora da Argentina se importam com o que ele diz, argumenta ele, antes de insistir que na verdade não é tão extrovertido.

O Mercado Livre certamente está crescendo. Em 17 de abril, a empresa anunciou que contrataria mais 18 mil pessoas, elevando sua força de trabalho total para 76 mil funcionários. Esta é talvez a resposta mais reveladora aos seus críticos esquerdistas na internet. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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