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Os gastos que ignoram o arcabouço

A existência de limites para o aumento das despesas deveria valer para toda e qualquer área. Rever os engessamentos orçamentários é necessário para garantir a credibilidade das metas fiscais

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Por Notas & Informações
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Mal teve de alterar as metas fiscais para 2025 e 2026, o governo terá de encarar mudanças bem mais profundas em seus gastos se não quiser dinamitar as bases do arcabouço fiscal. Reportagem publicada pelo Estadão mostrou que benefícios previdenciários e despesas nas áreas de saúde e educação colocarão a nova âncora em risco caso as regras que reajustam essas rubricas não sejam revistas.

Após o esfacelamento do antigo teto de gastos, o governo Lula propôs um novo dispositivo para conter os gastos e a trajetória da dívida pública. O crescimento das despesas foi limitado a 70% do avanço das receitas, mas os gastos teriam um piso e um teto e, portanto, um aumento garantido de 0,6% a 2,5% acima da inflação.

Tais limites foram estabelecidos para impedir que um aumento da arrecadação fosse integralmente consumido pelas despesas. Eles, no entanto, não valem para vários itens que aumentam à revelia do arcabouço, a partir de regras próprias fixadas por meio de lei e até mesmo na Constituição.

É o caso dos pisos constitucionais para os dispêndios com Saúde, equivalentes a 15% da Receita Corrente Líquida (RCL), e com a Educação, correspondentes a 18% da Receita Líquida de Impostos (RLI), que voltaram a vigorar assim que o teto de gastos foi oficialmente enterrado.

Proposta por medida provisória em maio do ano passado, a política permanente de valorização do salário mínimo, por sua vez, trouxe impactos significativos – e igualmente perenes – para a Previdência Social. Isso porque parte dos benefícios pagos pelo Instituto Nacional do Seguro Social está vinculada ao salário mínimo, reajustado conforme a variação da inflação do ano anterior e o resultado do Produto Interno Bruto (PIB) de dois anos antes.

Devido a essas regras, os gastos com Saúde e Educação, segundo o banco BTG Pactual, devem ter um aumento real – ou seja, acima da inflação – de 4,1% em 2025, 3,7% em 2026 e 2027 e de 3,5% em 2028, mais que os 2,5% estipulados pelo arcabouço fiscal. O crescimento real das despesas com Previdência Social também deve superar o teto da âncora e atingir 4,1% em 2025, 2,9% em 2026, 2,7% em 2027 e 3,2% em 2028.

Mantidas as regras atuais apenas para os gastos da Saúde, todo o espaço das despesas discricionárias será consumido até 2028. Em outras palavras, não haverá um centavo sequer para os investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), para o pagamento de parte das emendas parlamentares, para o financiamento do Auxílio Gás e para quitar faturas de energia elétrica e água de ministérios, autarquias e universidades federais de todo o País.

Parece evidente que esses parâmetros terão de ser revistos antes que estrangulem o custeio da máquina pública e que coloquem o arcabouço em risco. O que se vê, no entanto, é uma enorme resistência para rediscutir o engessamento do orçamento que já existe, bem como iniciativas para amarrá-lo ainda mais. O governo Lula, por exemplo, já sinalizou apoiar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que fixa um porcentual mínimo de recursos, vinculado ao PIB, para a Defesa.

Não se trata de menosprezar a importância de Saúde, Educação e Defesa para o País, mas de questionar se não há formas mais eficientes de direcionar os recursos necessários para essas áreas e todas as demais que integram o Orçamento. A experiência mostra que, no caso dos pisos constitucionais, as verbas reservadas acabam empoçadas, enquanto outras áreas ficam na penúria à espera de desbloqueios e remanejamentos.

O País precisa ter maturidade para fazer suas escolhas e traduzi-las no Orçamento. A existência de limites para crescimento das despesas deveria valer para toda e qualquer área, justamente para fortalecer o arcabouço fiscal, dar credibilidade às metas propostas pela equipe econômica e sinalizar uma trajetória de sustentabilidade para a dívida pública.

Só assim será possível criar um ambiente favorável para a redução estrutural da taxa básica de juros. Rever essas vinculações e impedir que novas sejam aprovadas não é nenhuma maldade, mas puro realismo fiscal.