Brumadinho abre disputa política sobre presença da Vale na Suíça
Partidos querem garantias de que Vale não descontará multas brasileiras ao pagar impostos no país europeu
Por Jamil Chade
Atualização:
GENEBRA - Partidos políticos suíços entraram com uma moção num Parlamento regional para tentar impedir que a Vale possa "descontar" eventuais multas que sofra por conta do desastre de Brumadinho em seu pagamento de impostos em sua sede internacional na Suíça.
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Desde 2006, a mineradora brasileira tem sua sede no exterior na pequena cidade de Saint-Prex, no cantão de Vaud. Por um acordo com as autoridades locais, a Vale recebeu um desconto importante no pagamento de seus impostos, o que já foi alvo de intensos debates na Suíça. Por dez anos, ela ficou isenta de qualquer imposto cantonal e recebeu um desconto que chegou a 80% nos impostos federais. Isso, porém, teria terminado em 2015.
O novo desastre ambiental fez o assunto voltar à pauta do dia na política suíça. Vassilis Venizelos, deputado do Partido Verde, levou o tema nesta semana ao Grande Conselho do Parlamento de Vaud, com o apoio de quatro partidos, entre eles grupos de centro e de esquerda.
Num documento entregue ao Parlamento e obtidos pelo Estado, o grupo quer garantias de que não serão autorizadas engenharias fiscais para que a Vale possa eventualmente descontar o que tiver de pagar no Brasil em uma redução de seu encargo de impostos na Suíça.
"A Vale se beneficiou por vários anos de exonerações fiscais no cantão (de Vaud)", escreveram os deputados. Por um "dever moral" e de “transparências”, o grupo que assina a petição afirma ser "insuportável imaginar que essa sociedade desenvolva montagens financeiras para reduzir suas responsabilidades fiscais".
Em entrevista ao Estado, Venizelos explicou que os deputados exigem respostas sobre pelo menos três pontos envolvendo a empresa brasileira. O primeiro deles é a informação sobre a atual situação fiscal da empresa que, desde 2015, não se beneficiaria mais de uma exoneração completa de impostos, como ocorria antes.
O grupo ainda quer saber se o Executivo avaliou a responsabilidade social e ambiental da empresa ao conceder a exoneração entre 2006 e 2015. Para completar, os deputados querem saber do governo se a Vale assumiu algum compromisso de "não deduzir as sanções financeiras" que ela poderia sofrer.
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No fundo, o que os deputados querem saber é se, por sua estrutura internacional, a mineradora não estaria compensando eventuais perdas no Brasil com um alívio de seus impostos na Suíça.
Essa não é a primeira vez que partidos políticos temem uma "engenharia" fiscal por parte da Vale. Depois do desastre de Mariana, em 2015, o assunto de um desconto no pagamento de impostos também foi avaliado na Suíça.
"Nosso parlamento aceitou, há três anos, uma resolução demandando que nenhuma montagem financeira fosse permitida à gigante do setor de mineração para subtrair as multas do fisco", indicaram os deputados.
Veja imagens do rompimento de barragem de rejeitos da Vale em Brumadinho
1 / 37Veja imagens do rompimento de barragem de rejeitos da Vale em Brumadinho
Tragédia em Minas Gerais
A Agência Nacional de Mineração (ANM) declarou que a mineradora Vale vistoriou, em dezembro de 2018, estrutura da barragem de Brumadinho sem ter apont... Foto: Washington Alves/ReutersMais
Moradores
É comum ver imagens de moradores de Brumadinho olhando para o horizonte em silêncio Foto: Mauro Pimentel/AFP
Catástrofe ambiental e humana
Bombeiro recolhe gaiolas no meio do mar de lama da catástrofe de Brumadinho. Foto: Adriano Machado/Reuters
Animais
Equipes de resgate voluntáriastentaramsalvar a vaca que esta atolada na lama de rejeitos de ferro. O animal teve que ser sacrificado. Foto: Wilton Junior/Estadão
Dificuldade no resgate
Bombeiros têm dificuldade de acessar algumas áreas para fazer o resgate dos sobreviventes Foto: Douglas Magno/AFP
Tragédia em Minas Gerais
Uma barragem de rejeito se rompeu em Brumadinho, na região metropolitana de Belo Horizonte. Foto: Douglas Magno/AFP
Tragédia em Minas Gerais
Lama destruiu estrada em Brumadinho. Foto: Washington Alves/Reuters
Tragédia em Minas Gerais
A tragédia aconteceu na altura do km 50 da Rodovia MG-040. Foto: Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais
Tragédia em Minas Gerais
As barragens pertencem à mineradora brasileira Vale. Foto: Washington Alves/Reuters
Catástrofe ambiental e humana
Bombeiros tentam, sem sucesso, resgatar uma vaca atolada após rompimento de barragem. Foto: Adriano Machado/Reuters
Tragédia em Minas Gerais
Segundo informações do site da Vale sobre as barragens da região, a estrutura que se rompeu foi construída em 1976. Foto: Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais
Tragédia em Minas Gerais
A prefeitura de Brumadinho pediu que a população mantenha distância do leito do Rio Paraopeba, que é um afluente do São Francisco. Foto: Douglas Magno/AFP
Tragédia em Minas Gerais
A Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa), responsável pelo abastecimento de água na região metropolitana de Belo Horizonte, afirmou que não ... Foto: Corpo de Bombeiros Militar de Minas GeraisMais
Tragédia em Minas Gerais
Segundo a Vale, a área administrativa, onde estavam os funcionários, foi atingida, assim como a comunidade da Vila Ferteco. Foto: Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais
Tragédia em Minas Gerais
Os bombeiros enviaram equipes com policiais civis e militares, além de enfermeiros e medicamentos. Foto: Washington Alves/Reuters
Tragédia em Minas Gerais
Kombi foi soterrada pela lama após o rompimento da barragem em Brumadinho. Foto: Washington Alves/Reuters
Tragédia em Minas Gerais
Casa foi destruída e foi soterrada pela lama após o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho. Foto: Washington Alves/Reuters
Tragédia em Minas Gerais
O governo federal montou um gabinete de crise em Brumadinho. Foto: Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais
Tragédia em Minas Gerais
Moradores de Brumadinho observam a lama que atingiu a cidade. Foto: Washington Alves/Reuters
Tragédia em Minas Gerais
No município de Brumadinho vivem cerca de 40 mil pessoas. Foto: Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais
Tragédia em Minas Gerais
O rompimento das barragens da Vale aconteceu na tarde de 25 de janeiro de 2019. Foto: Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais
Tragédia em Minas Gerais
O presidente Jair Bolsonaro fez pronunciamento no Palácio do Planalto, em Brasília, sobre a tragédia em Brumadinho. Foto: Ernesto Rodrigues/Estadão
Presidente Bolsonaro
Presidente Jair Bolsonaro observa destruição causada após rompimento de barragem da Vale em sobrevoo a Brumadinho Foto: Isac Nóbrega/Presidência da República
Tragédia em Minas Gerais
Voluntários trazem doações para as vítimas da tragédia em Brumadinho. Foto: Paulo Fonseca/EFE
Tragédia em Minas Gerais
Bombeiros retomaram os trabalhos na manhã deste sábado, 26. Foto: Corpo de Bombeiros de Minas Gerais
Tragédia em Minas Gerais
Fernando Nunes de Araujo é uma das dezenas de pessoas que começam a chegar na faculdade ASA de Brumadinho, onde deve ser divulgada a primeira lista de... Foto: Wilton Junior/EstadãoMais
Tragédia em Minas Gerais
Fernando Nunes de Araujo é uma das dezenas de pessoas que começam a chegar na faculdade ASA de Brumadinho, onde deve ser divulgada a primeira lista de... Foto: Wilton Junior/EstadãoMais
Batalha pela Vida
Bombeiros voltam enlameados após resgate em uma das áreas atingidas pelorompimento da barragem de rejeitos de Brumadinho, em Minas Gerais. Foto: Wilto...Mais
Estrada
Moradores observam trabalho dos bombeiros em estrada bloqueada pela lama em Brumadinho (MG) Foto: Wilton Junior/Estadão
Carro atolado
Um carro ficou atolado e destruído no meio da lama após o rompimento de barragem em Brumadinho (MG) Foto: Wilton Junior/Estadão
Helicoptero
Um helicóptero sobrevoa a cidade de Brumadinho, buscando vítimas após o rompimento da barragem Foto: Wilton Junior/Estadão
Bombeiros tentam encontrar sobreviventes em Brumadinho
Bombeiros tentam encontrar sobreviventes em Brumadinho após rompimento de barragem Foto: Washington Alves/Reuters
Corpo encontrado
Bombeiros carregam o corpo de uma das vítimas do rompimeto da barragem em Brumadinho até posto montado em frente da Igreja de Nossa Senhora das Dores Foto: Wilton Júnior/Estadão
Ponte
Ponte arrastada pela lama nas proximidades da barragem do Córrego do Feijão, em Brumadinho, MG, de propriedade da Vale Foto: Antonio Lacerta/EFE
Área devastada
Área devastada pela lama após o rompimento da barragem do Córrego do Feijão,de propriedade da mineradora Vale Foto: Wilton Júnior/Estadão
Equipe de resgate
Grupo de resgate caminha sobre a lama em busca de vítimas do rompimento da barragem do Córrego do Feijão, emBrumadinho (MG), de propriedade da Vale Foto: Antonio Lacerda/EFE
Resgate aéreo
Equipe de resgate usa helicóptero para procurar vítimas do rompimento da barragem do Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG), de propriedade da Vale Foto: Giazi Cavalcante/Código 19
Mas as autoridades concluíram que não tinham como fazer qualquer exigência, já que as multas foram impostas ao grupo que operava em Minas Gerais naquele momento, numa sociedade com a Samarco e a BHP. Numa resposta em 16 de dezembro de 2015, o governo indicou que a "Vale Internacional não estava relacionada com essa problemática (Mariana) já que os danos foram produzidos no Brasil e que a sociedade em questão não é de propriedade da sociedade no Cantäo de Vaud".
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Agora, o grupo de deputados questiona essa estrutura da empresa e criticam "o modelo de negócios da empresa que permite uma diluição das responsabilidades".
Nesta semana, um deputado do partido de direita, UDC,Philippe Jobin, também insistiu que não via motivo para colocar em questão a situação da Vale na Suíça. "Até agora, trata-de uma empresa que não cometeu falhas na Suíça. Não vejo motivo para ataca-la", disse.
Num comunicado enviado à imprensa suíça, o escritório da Vale em Vaud indicou que sua filial na Europa não está sendo "impactada pelas multas ou compensações impostas sobre a Vale SA".
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Questionada sobre a questão de impostos, a empresa indicou que "no momento, em nossa opinião, seria inadequado e insensível comentar as questões tributárias de qualquer maneira". A prioridade, segundo ela, seria "apoiar o esforço de resgate e ajudar a preservar e proteger a vida de todos os funcionários nas comunidades locais afetadas".
Mas, para os deputados de centro-esquerda e ecologistas, a repetição de um desastre exige que a situação seja avaliada. "Nesse novo desastre, uma vez mais a responsabilidade da Vale é apontada", escreveu o grupo, que destaca como a Justiça brasileira já congelou certas contas da empresa.
Debate
De acordo com Venizelos, o que o desastre na barragem da Vale fez foi, no fundo, reabrir um debate que coloca grupos políticos em lados opostos na Suíça. Está em discussão no Parlamento Federal do país um projeto de lei que impediria que multinacionais com sede nos Alpes deduzam multas e punições no exterior de seus impostos pagos na Suíça.
Além disso, existe a possibilidade de que os suíços sejam convocados às urnas para votar por uma iniciativa popular que exigirá das multinacionais domiciliadas na Suíça a respeitar os direitos humanos, meio ambiente e leis trabalhistas, mesmo em operações no exterior.
Nesta semana, a sede europeia da Vale ainda testemunhou o protesto por parte de ativistas por conta o desastre em Minas Gerais. Com cartazes "Obrigado por escolher a Suíça", os manifestantes também atacavam políticos locais que seriam os responsáveis por uma estratégia de redução de impostos para multinacionais que queiram se instalar na Suíça.
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Jean-Michel Dolivo, um dos organizadores do protesto, explicou que a iniciativa tinha como objetivo mostrar solidariedade às famílias atingidas pelo desastre, mas também cobrar da Vale o fim desse tipo de mineração. O grupo ainda pedia que indecisões proporcionais ao dano fossem pagas pela empresa.
"Os informes mostravam que a barragem era perigosa. A Vale sabia e nada fez", protestou o sindicado internacional IndustriALL Global Union.
Uma delegação dos manifestantes acabou sendo recebida pela direção da empresa para explicar o que estava sendo feito para compensar as famílias e avaliar a segurança das demais barragens.