Cozinhas solidárias aliam combate à fome com desenvolvimento de comunidades

Projeto, que nasceu durante a pandemia, dá suporte alimentar em cidades como São Paulo, Rio, Curitiba e Salvador

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Por Jessica Brasil Skroch
Atualização:

“Eu via no jornal a crise da fome que a pandemia trouxe. Pessoas passando fome que eram do meu meio social, eu conhecia elas”, lembra Talita Santos, de 27 anos, que cresceu no bairro Jardim Iguatemi, no extremo leste de São Paulo. Na época, em 2020, ela tinha sido convidada para ser sócia de um restaurante em Pinheiros, bairro nobre da capital, o que viu como uma ótima oportunidade de crescimento financeiro. Porém, no mesmo período, recebeu um convite para comandar uma cozinha solidária. 

Cozinheira solidária, Talita Santos produz 500 marmitas aos sábados na comunidade Recanto Alegre. Foto: ALEX SILVA/ESTADÃO - 21/12/2021

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Talita negou o convite, mas com aperto no coração. “Tive crises de ansiedade, estava indignada de ter aberto mão de fazer algo tão importante para mim.” Por causa da pandemia, o restaurante em que trabalhava fechou e a cozinheira agarrou a oportunidade de voltar a fazer trabalhos sociais. Em maio de 2021, Talita abriu a sua cozinha solidária na comunidade Recanto Alegre, próximo à Cidade Tiradentes

O projeto Cozinha Solidária da ONG Gastromotiva foi lançado em março de 2020, como uma resposta aos impactos socioeconômicos da pandemia, especialmente a situação de insegurança alimentar. A iniciativa foi uma ampliação do Reffetorio Gastromotiva, restaurante-escola que oferece refeições para pessoas em situação de vulnerabilidade no Rio. Como o local precisou fechar para atender às medidas de distanciamento social na pandemia, os alimentos do estoque foram destinados ao novo projeto. 

A organização fornece suporte, capacitação, alimentos, apoio logístico, recursos para pagar água e luz, e uma renda mensal para os cozinheiros a fim de viabilizar a implementação de cozinhas comunitárias. A produção e a gerência são feitas por lideranças locais, organizações sociais e microempreendedores.

Após aceitar o convite, Talita precisou ir atrás de estrutura e recursos para colocar as panelas no fogão, já que não conseguiria produzir muito na sua cozinha própria. Conseguiu um espaço na Associação Social e Educacional Cuidando do Próximo em Recanto Alegre, conversou com as comunidades vizinhas para arrecadar utensílios e engajar voluntários. Ao longo do tempo, foi recebendo doações, como gás, fogão industrial, geladeira e panelas, um “grande mutirão”, como diz Talita. Com um trabalho feito a muitas mãos, a cozinha estava pronta para atender cinco comunidades da região: Recanto Alegre, Recanto Verde do Sol, Limoeiro, Palanque e Alto Alegre. 

Hoje, Talita produz 500 marmitas todos os sábados, atuação que concilia com os seus trabalhos autônomos durante a semana. Ela conta que se tivesse 1500 quentinhas, haveria demanda. A produção, junto aos voluntários, começa às sete horas da manhã, cozinhando arroz, feijão, salada de legumes cozidos e folhas, com uma opção de proteína, que em uma semana é animal, e na outra é vegetal. Além disso, seguindo os ensinamentos na ONG, os alimentos são aproveitados integralmente, evitando o desperdício.

Ensinamento

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Tudo que é aplicado na cozinha também é repassado para a comunidade. No começo, Talita explica que foi difícil aceitarem a opção da proteína vegetal. “Hoje, as pessoas entendem que podem viver sem a carne, é uma mudança na realidade delas, o que é uma ótima opção, já que os preços das carnes estão lá em cima”, conta.

O cardápio da cozinha solidáriaé alternado. Numa semana há proteína animal. Na outra, vegetal. Foto: ALEX SILVA/ESTADÃO - 21/12/2021

 

A Gastromotiva oferece cursos gratuitos na área gastronômica, e foi por meio deles que Talita conheceu a ONG, em 2017. Segundo ela, a formação foi essencial para não apenas ajudar o próximo, mas para trazer dignidade para as pessoas. “Na marmita não é macarrão com salsicha. Eles ficam assustados quando digo que vai ter pernil. Trata-se de oferecer nutrição, alimentar de forma consciente.” 

Uma alimentação saudável, consciente e sustentável é um dos pilares da Gastromotiva. David Hertz, chef, empreendedor social e fundador da Gastromotiva, coloca que falar sobre o combate à fome e valor nutricional é um debate difícil. “A cesta básica do brasileiro custa de R$150 a R$180. Mas quando a gente vai para uma cesta nutricional, é de R$ 790 a R$ 890”. Ele explica que a Gastromotiva optou por utilizar embalagens biodegradáveis e botar uma refeição com valor nutricional para aquelas pessoas que muitas vezes só tem aquilo para comer no dia. As escolhas estão alinhadas com o objetivo maior da iniciativa, que é levar educação, dignidade e oportunidade, “que é tudo o que tem na nossa quentinha”, diz Hertz. 

Como ajudar

O projeto tem uma rede de parceiros, inclusive de empresas como a Coca-Cola. Há, ainda, uma mobilização da sociedade civil e de personalidades, como o DJ Alok e a modelo Gisele Bündchen. Aqueles que quiserem ajudar podem colaborar por meio do site

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