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Por dentro da rede

Opinião|As nuvens

A computação em “nuvem” não é um conceito em si novo, porém volta com força, especialmente pelo ferramental e recursos que temos hoje

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Atualização:

Tecnologias trazem frequentemente evolução e, apenas às vezes, revolução. Não raro, entretanto, interessa ao mercado fazer com que tudo pareça revolucionário e a propaganda se encarregará disso. A computação em “nuvem” pode ser um exemplo: não é um conceito em si novo, porém volta com força, especialmente pelo ferramental e recursos que temos hoje.

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Uma boa ideia muitas vezes não vinga: ou porque surgiu num meio que não estava preparado para aceitá-la, ou porque dependia de recursos não facilmente disponíveis então. Nesses casos, ela pode simplesmente desaparecer ou hibernar à espera de uma nova oportunidade. Mesmo quando uma ideia faz sucesso em seu momento, ela pode ser superada por outras, concorrentes, e logo abandonada. Mas a maré tecnológica pode virar e voltar a favorecer aquele conceito abandonado, restaurando-lhe a força e os atrativos.

Em computação partiu-se de modelos centralizados, onde o usuário deveria deslocar-se até o equipamento, numa espécie de “peregrinação à Meca” computacional. O advento do computador pessoal, barato e simples, trouxe o poder para dentro da casa de cada um, e os “mainframes” foram perdendo atrativos.

As redes interligaram os computadores pessoais, ao mesmo tempo em que deram acesso remoto a máquinas poderosas e equipamentos distantes, prescindindo de deslocamentos. Numa espécie de volta da manivela, surge hoje um novo modelo centralizado, onde a rede agora desempenha o papel da “Meca”. Pode ser mais importante ter um acesso à rede, à internet, do que ter um poder de computação local.

Programas, sistemas, informação e armazenamento migram para o centro da rede. Sem que nos preocupemos muito com isso, guardamos e processamos nossos dados alhures, nos “computadores dos outros”, desde que eles nos sejam acessíveis de qualquer lugar e em qualquer tempo. 

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Não é de estranhar esse “desapego” à posse dos dados. Já aconteceu antes, quando em vez de guardarmos as economias no colchão, as confiamos ao sistema bancário, um lugar etéreo que se encarrega de nos informar (e aos nossos parceiros de negócios) o quanto temos em dinheiro imaterial. É cômodo, pode ser usado de qualquer lugar e, enquanto houver uma ampla relação de confiança, razoavelmente seguro. 

No caso da “nuvem”, entretanto, houve há poucos dias o anúncio de um amplo e grave vazamento de dados críticos. Sinal inequívoco de que há riscos na nova centralização e, talvez, surja espaço para se pensar numa nova “volta para casa”. Ao confiarmos os nossos dados a alguém é sempre bom lembrar que, por mais boa fé que esse terceiro tenha, há riscos. E eles são ampliados se o uso que fazemos da rede é “despreocupado”.

Não são “as nuvens” uma solução mágica ou “divina”. Na peça homônima de Aristófanes, uma irônica e ácida crítica aos sofistas, as “nuvens” seriam divindades recém-criadas para “nos proporcionar pensamento, argumento, entendimento e a arte de impressionar e fascinar”. A isto o coro responde, de forma incrivelmente profética, “eis que estou sofrendo por vossa causa, porque vos confiei todos os meus problemas!”

Opinião por Demi Getschko
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