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Jornalismo de Reflexão

José Eli da Veiga: "O que essa pandemia está mostrando é o futuro. Nós estamos enxergando as consequências só agora porque fomos obrigados"

Por Morris Kachani
Atualização:
 

Por Isabella Marzolla

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Em seu artigo mais recente, "Quando o impossível é uma certeza", o economista, agrônomo e professor sênior do Instituto de Estudos Avançados da USP José Eli da Veiga, um dos maiores especialistas em sustentabilidade no Brasil, afirma que "se ampliam exponencialmente as chances de novas e mais sofisticadas armas de destruição em massa'".

Dois trechos do artigo:

"Caso cuidem razoavelmente da biosfera, humanos - e possíveis sucessores - ainda poderão usufruir de longuíssimo prazo de validade neste planeta: até uns 8 milhões de anos, conforme as melhores estimativas. A dúvida é se, muito antes deste limite, haverá auto-aniquilamento, por efeito adverso das mais admiráveis proezas tecnológicas".

"Agora, da biologia à microeletrônica, ampliam-se exponencialmente as chances de novas e mais sofisticadas "armas de destruição em massa". Tornou-se perfeitamente possível fabricar vírus muitíssimo mais poderosos que os já conhecidos, sem incentivos para que as empresas capacitadas realizem efetiva triagem das encomendas".

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Em seu artigo você menciona um estudo dizendo que a chance da civilização sobreviver a este século é de 50%. Como se pensar sobre a pandemia do coronavírus dentro desta perspectiva?

 Isso fica implícito. Muito se fala de uma catástrofe iminente. Neste artigo, me refiro a um grupo de pesquisadores do "risco existencial". Eles chamam isso de privilegiar o pior cenário, mas com embasamento mais sólido e universal do que mera psicologia do incerto.

É possível fabricar um vírus hoje em dia?

Sim, hoje é possível fabricar um vírus. Esta foi uma questão levantada no último Fórum de Davos. Existe tecnologia para fabricar um vírus, e essas empresas, capazes de produzir um vírus, precisam passar por um sistema de checagem e uma série de protocolos antes de serem liberadas para produzir o vírus.

No relatório mostrado no Fórum de Davos, o que chama a atenção é que está ficando cada vez mais caro para seguir esses procedimentos de checagem e sistemas de controle de empresas que querem produzir vírus e cada vez mais barato os meios e as tecnologias para produzir esses vírus -- uma preocupação muito séria.

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Mas voltando ao coronavírus, seria um absurdo dizer que o SARS teria sido desenvolvido artificialmente. O mais provável é que seu surgimento tenha sido tão natural quanto o HIV, que passou dos primatas à espécie humana. O que a gente tem assistido nos últimos anos são fenômenos como esses, de vírus que nunca tinham frequentado a espécie humana, e que agora estão chegando em nós.

Seria o covid-19 um produto de nossos tempos, de alguma forma?

Em termos genéricos, o fato da gente ter desmatado tanto e da gente ter tido bastante contato com os animais silvestres pode sim ter influenciado o aparecimento do covid-19 em nós. Esse vírus que gerou a pandemia de agora não é o primeiro e nem será o último a causar outras pandemias. O que era menos frequente no passado. O que eu vejo é que fenômenos desse tipo podem ter acelerado.

E é possível estabelecer uma relação disso com a maneira que nós viemos lidando com a natureza.

Você acha que em alguma medida a quarentena pode ajudar a conscientizar as pessoas sobre o desenvolvimento sustentável?

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Esse confinamento não vai ser só benéfico pela questão sanitária e de saúde, ele vai ser benéfico também pela questão pedagógica.

Infelizmente os governos são sempre os últimos a perceberem as coisas, mas eu como cidadão, quando vejo as imagens tiradas pela NASA do que seria o céu da China, é incrível como está "azul", ver a diferença entre o antes da quarentena e o depois. Em apenas algumas semanas é brutal a discrepância. Como as águas em Veneza agora tem peixes, como os passarinhos voltaram às ruas de Paris. O silêncio nas ruas, a despoluição sonora. Em apenas algumas semanas de lockdown esses lugares tiveram inesperadamente, melhoras significativas em relação à poluição e ao meio ambiente.

Este é um momento propício para se refletir. As energias fósseis por exemplo, deveriam parar, já as energias renováveis deveriam crescer.

Esse é o lado pedagógico da crise.

Você acha que essa crise pode modificar o papel do Estado na perspectiva das políticas sociais e econômicas?

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Não. O Bolsonaro deveria seguir o exemplo do Getúlio Vargas. Mas ele não tem coragem.

A minha impressão é de que ele vai sair, que não vai durar os quatro anos, mas não por impeachment, porque isso seria muito custoso, o Brasil já teve um recentemente que foi bem dramático.

Eu acho realmente possível uma articulação política da Câmara, que o Ministério Público solicite uma junta médica e examine o presidente, para uma avaliação mental. É a proposta do Miguel Reale, por exemplo. Mas seria muito mais simples se ele seguisse o exemplo do Getúlio Vargas, mas ele não tem coragem e não tem condições de escrever uma carta-testamento. Não dá para saber, o futuro é uma grande incógnita.

Como está o Brasil em termos de economia sustentável?

Nós somos o país mais privilegiado em termos de recursos naturais primários, mas por uma série de razões históricas fizemos tudo ao contrário. O exemplo mais chocante é de que nenhum país no mundo teria mais vantagens relacionadas à energia solar do que o Brasil. Mas não as desenvolvemos.

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O nosso sistema de tecnologia e inovação parece o de um país "infantil". Para caminharmos na direção de um desenvolvimento sustentável precisamos ter um sistema de tecnologia e inovação que seja prioridade nacional e isso envolve a educação também.

O problema não é só do governo, a sociedade brasileira não tem essa noção. Assim como a gente fez com a educação, acho que fez pior com a ciência e a tecnologia.

Eu não tenho nada de positivo para falar em relação ao desenvolvimento sustentável no Brasil. E isso independe do governo ser do Bolsonaro ou não.

Os outros países já tomaram uma dianteira tão grande que fica difícil correr atrás. E acabamos ficando dependentes de ficar importando da China.

Nós temos muitas vantagens comparativas, mas não desenvolvemos as vantagens competitivas.

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