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Opinião|IA pode rivalizar com a Web na maneira como compartilhamos conhecimento

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Atualização:
Tim Berners-Lee em frente ao computador NeXTcube que usou como o primeiro servidor da Web - Foto: reprodução

Pouca gente sabe, mas a World Wide Web -ou simplesmente Web- surgiu com a proposta de compartilhar conhecimento entre cientistas. Lançada publicamente no dia 6 de agosto de 1991, essa (não tão) singela contribuição do físico britânico Tim Berners-Lee literalmente mudou a maneira como nos relacionamos com qualquer tipo de informação, definindo um paradigma que agora pode dividir o espaço com a inteligência artificial.

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Berners-Lee criou a Web quando trabalhava no CERN (Organização Europeia para a Investigação Nuclear), na Suíça. O mais revolucionário de sua ideia foi implantar o conceito do hipertexto (criado em 1965 pelo filósofo americano Ted Nelson) em um sistema que funcionasse na Internet, até então uma rede decentralizada de computadores bastante restrita e difícil de usar.

O sucesso da Web se deve ao fato de o pensamento humano não ser linear. Quando ela permitiu que os usuários ampliassem o conhecimento indo direto ao que tinham interesse por associações livres, sem precisar percorrer microfilmes, fitas e filmes, isso revolucionou o mundo! Desde então, buscamos fazer tudo de forma não-linear.

A recente explosão da inteligência artificial, outra tecnologia antiga, mas antes restrita, pode levar nossa construção de conhecimento a um novo patamar. Ela não ameaça o hipertexto, mas introduz uma construção coletiva de conhecimento até então impossível de se alcançar.

Quando usamos uma plataforma pública de IA generativa, como o ChatGPT, criamos conhecimento combinando o que sabemos com sua formidável base de treinamento, que nos oferece uma espécie de "média do que a humanidade sabe" sobre aquele mesmo assunto.

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A própria maneira como pedimos informações ao sistema é relevante. A construção de conhecimento se dá, portanto, em uma espécie de conversa com um oráculo, com as respostas dependendo diretamente de nossas perguntas.

Isso é muito diferente de uma busca no Google, que nos traz páginas isoladas, organizadas por um eficiente critério de relevância. Ainda assim, é uma informação estanque, beneficiando-se do hipertexto.

O que falamos ao ChatGPT serve para novas respostas enquanto estivermos na mesma conversa. Ele não aprende isso imediatamente para responder questionamentos de outros usuários: sua base de conhecimento é atualizada em intervalos de meses. Ainda assim, o simples ato de clicar no "polegar para baixo" para dizer que uma resposta não foi boa oferece uma informação valiosa para a máquina.

Outras plataformas, normalmente restritas, aprendem, sim, em tempo real. Nesse caso, a construção colaborativa de conhecimento pode acontecer de maneira frenética! Isso é particularmente útil em grupos de pessoas associadas a um assunto, como os funcionários de uma empresa, que podem usar essas plataformas como tutores para decisões cotidianas do negócio.

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Usuários independentes também poderiam aderir a grupos públicos para aprender e ensinar dessa forma. Bastaria a plataforma permitir suas criações e configurações.

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Naturalmente existem riscos nesse processo. Um sistema mal concebido e com regras de aquisição de conhecimento frágeis pode aprender e repassar conteúdos ruins. Um exemplo clássico foi o chatbot Tay, lançado pela Microsoft em 23 de março de 2016 e retirado do ar apenas 16 horas depois. Um grupo de usuários fez um ataque coordenado contra a plataforma, ensinando-a temas sexistas, xenofóbicos e outros conteúdos ofensivos, que ela começou a replicar.

A construção coletiva de conhecimento também pode impactar a cultura de um país, que pode ser pouco diferente da de um vizinho, mas profundamente da de alguém do outro lado do mundo.

Grandes plataformas públicas-como o ChatGPT- procuram usar variáveis como a localização do usuário para regionalizar suas respostas. Mas suas bases de treinamento possuem inevitavelmente muito mais informação dos EUA e da Europa, que são os maiores produtores de conteúdo da Internet. Assim, de uma maneira subliminar e não-intencional (mas muito eficiente), essas plataformas podem aos poucos "impor" a cultura e até a maneira de falar dessas regiões sobre o resto do mundo.

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Agora imagine se começássemos a usar uma plataforma dessas treinada com conteúdos do Oriente, como da China. Isso pode trazer visões de mundo muito diferentes das nossas.

Não se trata de uma preocupação ideológica. Se estamos falando de construção coletiva de conhecimento, é precisa existir um mínimo de unidade cultural. Ou poderemos chegar, de um jeito muito amplo e nocivo, à "aldeia global" do filósofo canadense Marshall McLuhan, que propôs em 1962 o fim de fronteiras geográficas e culturais, pela influência dos meios de comunicação, o que aconteceu apenas timidamente.

Apesar dessas preocupações, esse é o cenário em que viveremos de agora em diante. Autoridades, desenvolvedores e usuários precisam se debruçar sobre o problema para que possamos usar os incríveis benefícios da inteligência artificial sem riscos.


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Opinião por Paulo Silvestre

É jornalista, consultor e palestrante de customer experience, mídia, cultura e transformação digital. É professor da Universidade Mackenzie e da PUC–SP, e articulista do Estadão. Foi executivo na AOL, Editora Abril, Estadão, Saraiva e Samsung. Mestre em Tecnologias da Inteligência e Design Digital pela PUC-SP, é LinkedIn Top Voice desde 2016.

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