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Na Feira do Paraguai de Brasília, até Romanée-Conti

Versão hi-tech de Caruaru caminha para a legalidade

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Por Redação
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Versão hi-tech da famosa Feira de Caruaru (PE), eternizada pelo rei do baião Luiz Gonzaga, a Feira dos Importados de Brasília tem de agulha de desentupir fogão a computadores de última geração. Há produtos de grifes internacionais e vinhos finos, como o francês Romanée-Conti, cuja garrafa de até R$ 42 mil pode ser saboreada com caviar de esturjão importado da Rússia ou caranguejos do Estreito de Bering. Tudo a preços 30% a 60% mais baratos. Seria um paraíso, não fosse o alto índice de ilegalidade dos produtos, na maioria falsificados, pirateados ou importados irregularmente, o que rendeu ao local o apelido de Feira do Paraguai. Situada a oito quilômetros do Palácio do Planalto, a feira nasceu há 11 anos, cresceu pelo sucesso de público e caminha agora para uma vida legal, forçada por repressão policial e facilidades criadas pelo Distrito Federal. Para tentar disciplinar a expansão desordenada do comércio clandestino, o governo do Distrito Federal removeu ambulantes para um galpão de 24 mil metros quadrados ao lado da Ceasa e lhe deu o nome de Feira dos Importados - um eufemismo. O negócio ficou tão rentável que acabou atraindo grandes redes de lojas legais. Como a delicatessen Brilho, uma das maiores de Brasília, que estendeu sua rede à Feira do Paraguai e - surpresa - está faturando quase o mesmo que na loja principal, no abastado Lago Sul, frequentada por empresários, magistrados e servidores da alta burocracia brasiliense, além de políticos, lobistas e artistas. Lá podem ser encontrados queijos finos, como o Prima Dona holandês ou o Pecorino de Roma e o legítimo caviar russo. Tão raro quanto caro, o caranguejo gigante de Bering, o Red King Crab, sai por R$ 260 o quilo, com desconto. A loja oferece bacalhau da Noruega, trufas italianas e cervejas de todo o mundo. Seu maior charme é a adega, com destaque para marcas francesas, como Romanée-Conti. O comércio local é comandado por facções de imigrantes, parte ilegais, incluindo libaneses, chineses e turcos. Segundo maior shopping popular do Brasil, perdendo apenas para a Rua 25 de Março, de São Paulo, a Feira dos Importados concentra 2.100 barracas e lojas de todos os tipos. Atualmente é uma das principais atrações da capital e é mais visitada por turistas do que alguns cartões-postais, como a Torre de TV, a Praça dos Três Poderes e o Memorial JK. Brasilienses torcem o nariz, mas é difícil encontrar um, de qualquer classe, que não tenha ido à feira. Até o alto escalão dos três Poderes costuma apelar para a muamba. O Portal da Transferência, conforme série de reportagens publicada pelo Estado no ano passado, mostrou que funcionários da Casa Civil costumavam comprar na feira, com cartão corporativo do governo, produtos eletrônicos, como disquetes e pilhas. O carro-chefe são os eletroeletrônicos, que chegam primeiro à feira do que ao comércio regular. Diariamente são 30 mil consumidores. Nos fins de semana, o número dobra. O faturamento declarado, para recolher impostos, é de R$ 10 milhões por mês, mas a estimativa da Polícia e Receita Federal é de que o valor real seja o triplo. Tamanho o sucesso, a feira virou tema de tese. Os dados são curiosos: 78% dos frequentadores têm nível superior ou cursam faculdade e 93% vão para lá de carro - próprio (85%) ou táxi (8%). A Associação da Feira garante que cerca de 80% dos comerciantes já atuam na legalidade, mas, pelo cálculo do governo distrital, pouco mais de 50% conseguiram regularizar as atividades, o que significa importar legalmente e vender com nota fiscal. O índice de regularização vem crescendo. Só no ano passado foram sete operações de combate ao contrabando e ao descaminho, que recolheram o equivalente a R$ 20 milhões em mercadorias, sobretudo equipamentos de informática, bolsas e produtos de grife. Pertencente à Ceasa, uma estatal local, o espaço físico acaba de ser vendido à Associação por R$ 47 milhões em 120 parcelas. Por sua vez, o governo federal sancionou no fim do ano passado a chamada lei do sacoleiro, que facilitou a burocracia aduaneira para importações da China e elevou para R$ 240 mil anuais o limite de compras no Paraguai. Hoje, o esquema de contrabando acaba encarecendo a importação. "A clandestinidade exige um alto custo por causa da necessidade de pagamento de suborno em várias etapas de produção e distribuição, a logística complicada do transporte e uso de rotas alternativas mais longas", disse um lojista. "Se Deus quiser, o primeiro contêiner legal da China chega ainda neste ano", comemorou Harley Valadares, diretor administrativo da Feira.

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